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Brasil – A Revolução Farroupilha (4) – Combates e Balanço

by Lucas Gomes


Guerra dos Farrapos, José W. Rodrigues, óleo sobre tela,
Prefeitura Municipal de São Paulo.

A Guerra dos Farrapos, embora mereça esta denominação pela duração e persistência dos farroupilhas, não foi, na verdade, uma guerra nos moldes clássicos. Isto porque o exército rebelde não estava organizado nos métodos convencionais, operando mais com técnicas que se aproximavam da guerrilha. E, por isto, quando se fala dos enfrentamentos entre farrapos e imperiais, raramente se usa o termo “batalhas”, mais apropriado para os exércitos formais. Na Revolução Farroupilha a maioria dos historiadores prefere utilizar a expressão “combates”, pois as forças que se enfrentavam não chegaram, em nenhum episódio, a mais de três mil homens de parte a parte.

Os combates onde o maior número de homens se enfrentou foram os de Fanfa (4 de outubro de 1836) e o de Ponche Verde (26 de maio de 1843). Em Fanfa estiveram presentes mais de mil homens de lado a lado. Em Ponche Verde foram 2.500 farrapos e 1.600 legalistas. Esses dois estão, aliás, entre aqueles que são considerados os principais enfrentamentos da guerra que, por ordem cronológica, foram os seguintes: Seival, em 10 de setembro de 1836; Fanfa, em 4 de outubro de 1836; Rio Pardo, em 30 de abril de 1837; Laguna (foram na verdade, dois combates, aquele em que os farrapos tomaram a cidade, em 22 de julho de 1839, e o de quando as forças imperiais a retomaram, em 15 de novembro de 1839); Taquari, em 3 de maio de 1840; São José do Norte, em 16 de junho de 1840; Ponche Verde, em 26 de maio de 1843 e Porongos, em 14 de novembro de 1844.

Seival se destacou porque, após a expressiva vitória farroupilha, os rebeldes se animaram a proclamar a república, iniciando assim uma nova fase da Revolução, que até então se apresentava apenas como um movimento rebelde, que reivindicava algumas mudanças na administração da província. Fanfa, por sua vez, teve triste resultado para os farrapos: nele foram aprisionados Bento Gonçalves e outros líderes do movimento. Mas, apesar desse revés, os rebelados levaram a guerra à frente, conquistando Caçapava, em que a guarnição local passou para a causa rebelde.

A tomada de Caçapava significou, para as forças imperiais, a perda de 900 homens e de um importante arsenal, com 15 peças de artilharia, mais de 4 mil armas de infantaria e muita munição. E graças a esse equipamento, foi possível atacar Rio Pardo, onde os farroupilhas infligiram às forças legalistas aquele que foi considerado um dos piores fracassos que as tropas do Império sofreram no Rio Grande. Nele, os imperiais perderam oito peças de artilharia, mil armas de infantaria, os víveres de que dispunham, e tiveram trezentos mortos e feridos e setecentos prisioneiros. A derrota foi tamanha que o Marechal Barreto, comandante militar da província, respondeu a conselho de guerra devido a ela.


Sede da República Juliana, em Laguna, SC.

O gesto espetacular seguinte da guerra seria a tomada da cidade de Laguna, em Santa Catarina, feita por forças comandadas por David Canabarro. Embora os farrapos tenham permanecido apenas alguns meses na cidade, provaram que podiam chegar a locais inesperados e realizar operações muito ousadas. Além de levarem a rebelião a outra província, criando a República Juliana, os rebeldes se apoderaram, novamente, de muito equipamento.

Já Taquari foi um combate importante para os legalistas. Bento Gonçalves então se encontrava sitiando Viamão e percebeu, acompanhando o movimento das tropas legalistas, que corria o risco de ficar cercado. Tinha, portanto, que encontrar uma solução, que permitisse ou derrotar o inimigo de vez ou passar para a região da Campanha, onde contava com uma grande vantagem tática: os farrapos controlavam a região e, além disto, sempre havia o recurso de se fugir para um país vizinho.

Procurando realizar essa manobra, Bento e suas tropas atravessaram o rio Caí e enfrentaram as tropas imperiais na margem esquerda do Taquari. Como não houve uma derrota das tropas legalistas, ele e seus homens se viram obrigados a voltar para Viamão.

— Gentilezas, em momento de sofrimento

A tentativa de tomar São José do Norte, para garantir um porto, resultou naquele que foi considerado o combate mais sangrento da guerra. Conta-se que as ruas da vila ficaram cobertas de cadáveres. Nele, os farroupilhas tiveram 181 mortos, 150 feridos e 18 deles foram feitos prisioneiros. Os imperiais tiveram 72 mortos, 87 feridos e 84 prisioneiros.

Apesar da violência do evento, ele também é lembrado pelo gesto cavalheiresco do coronel Antonio Soares Paiva, que comandava a guarnição legalista da cidade. Ao término do combate, Bento Gonçalves – que estava à frente das tropas farrapas – lhe enviou uma mensagem, dizendo que se achava sem médico e remédios para seus feridos. O coronel Paiva, então, lhe mandou um médico e metade dos medicamentos de que dispunha. Em agradecimento, Bento libertou todos os prisioneiros legalistas.

Para alguns, o combate de Ponche Verde destacou-se por marcar o início do fim da Revolução, embora não tenha havido, nele, um vencedor definido. Mas a revolta seria mesmo enterrada na chamada “surpresa” de Porongos, acontecimento cercado de suspeitas. Nele, as forças republicanas foram totalmente dispersas e, segundo algumas versões, teria sido “armado” entre o general farrapo David Canabarro e o então Barão de Caxias, com o objetivo de exterminar as tropas negras farroupilhas, formadas por ex-escravos que haviam sido libertados para lutar ao lado dos rebeldes.

Segundo essa versão, David Canabarro já estaria negociando a paz com Caxias, mas um dos pontos polêmicos da questão era o que fazer com os negros – se voltassem ao cativeiro, poderiam se rebelar; se fossem considerados livres, poderiam se transformar em uma força perigosa. Graças ao ataque de Porongos, em que os contingentes negros estavam acampados em separado dos brancos, ficou resolvida a questão: diz-se que, de cada cem mortos no campo de batalha, oitenta eram negros.

É impossível precisar o número exato de mortos e feridos dessa guerra. O historiador Tristão de Alencar Araripe – que defendia declaradamente o ponto de vista do governo Imperial -, foi autor do primeiro livro em que as informações sobre a Revolução Farroupilha foram sistematizadas, publicado em 1881. Ele, que provavelmente teve acesso a documentos oficiais sobre o assunto, pois foi presidente da província do Rio Grande do Sul de 1876 a 1877, calculou que morreram, no total, 3.400 homens, sendo que os farrapos perderam quase o dobro do que os legalistas.

— Quase 20 mil homens em luta

Analisando-se o desempenho de imperiais e farrapos durante a Revolução Farroupilha, é possível dizer que a grande vantagem das forças legalistas estava na sua Marinha – que garantiu, durante todo o período, o livre trânsito pelo Guaíba e Lagoa dos Patos, até a barra de Rio Grande.

Os farrapos, por sua vez, tinham a vantagem de contar com combatentes ágeis e capazes de realizar ataques de surpresa em terra, graças ao fato de serem bons cavaleiros e de terem à sua disposição uma grande quantidade de cavalos. Seria, aliás, a partir da percepção da importância do uso dos cavalos na guerra travada nos pampas que Caxias iria garantir a vitória imperial: sua primeira providência ao chegar na província, foi reunir grande quantidade de cavalos e destruir, sempre que possível, as cavalhadas inimigas.

A importância da Marinha Imperial revelou-se desde o início dos combates. As forças legais só conseguiram manter Porto Alegre livre dos farrapos porque podiam utilizar as vias navegáveis para trazer tropas, mantimentos e equipamentos. Foi também graças à Marinha que Bento Manoel conseguiu aprisionar Bento Gonçalves na ilha do Fanfa, em 4 de outubro de 1836.

A marinha farroupilha, por sua vez, foi organizada no final de 1835. Dispunha inicialmente de apenas quatro navios: o brigue Bento Gonçalves, o palhabote Vinte e Quatro de Outubro, a escuna Farroupilha e o patacho Vinte de Setembro. Mais tarde juntaram-se a esses a canhoneira Dois de Julho, que havia sido tomada dos imperiais, a escuna Rio-Grandense, o cúter Minuano e dois lanchões que foram montados por Garibaldi com auxílio de John Griggs. Esses dois lanchões tinham o objetivo de realizar o corso: ataques rápidos às propriedades imperiais para se apropriarem de gado, cavalos, mantimentos e equipamentos. Como eram pequenos, podiam ser facilmente transportados pelos bancos de areia existentes na Lagoa dos Patos e no Guaíba, fugindo assim dos navios legalistas.

Nos combates por terra, as forças envolvidas variaram. No início de 1838, calcula-se que os farrapos contavam com pouco mais de seis mil homens, distribuídos da seguinte forma: em Viamão, comandados por Bento Gonçalves, estavam de 1.500 a 1.600 homens, que assediavam Porto Alegre. Em Bagé estavam mais 400, comandados por Antonio Neto. Perto de Piratini, Domingos Crescêncio comandava outros 600. Mais 500 eram chefiados por Bento Manoel e David Canabarro na região da Campanha. Além disto, existiam vários grupos dispersos.

As forças legais, por sua vez, tinham também cerca de seis mil homens (contando os da Marinha), concentrados em Porto Alegre, Rio Grande, São José do Norte e com alguns grupos esparsos na região da Serra. No final de 1842, os imperiais já somavam oito mil homens.

As forças imperiais, aliás, foram crescendo progressivamente, com contingentes sendo enviados do centro do país. Quando Caxias iniciou sua campanha, em 1842, dispunha de 12 mil soldados, bem municiados e bem equipados. Isto significava mais de metade da força militar total do Brasil, calculada em 21.968 soldados. Esse número espantoso mostra a superioridade tática dos farroupilhas, cujas forças, estima-se, eram, na época em que Caxias chegou ao Rio Grande, de cerca de 3.500 homens.

Caxias tomou posse como presidente e comandante em chefe da província no final de 1842. Nessa época os legalistas controlavam toda a orla marítima e toda a linha de navegação fluvial, desde a Lagoa Mirim até as imediações da vila de Cachoeira, no rio Jacuí, e também os pontos acessíveis aos navios de guerra nos rios Taquari, Caí e dos Sinos. Na Campanha, contavam com alguns pontos de apoio, e controlavam as Missões. Os farrapos, por sua vez, tinham o controle da Campanha.

Veja também: A origem do nome FARRAPOS | Antecedentes | Causas | Combates e Balanço | Locais e eventos | Personagens | O Rio Grande na época | O fim

Fontes:
A Revolução Farroupilha, Sandra Jatahy Pesavento, Editora Brasiliense | Riogrande.com, Lígia Gomes Carneiro | Raízes Sócio-econômicas da Guerra dos Farrapos, Leitman, Spencer – Ed. Graal, 1979 | A Revolução Farroupilha: história e interpretação, Freitas, Décio et alli. Ed. Mercado Aberto, 1985 | Rio Grande do Sul, prazer em conhecê-lo (como surgiu o Rio Grande), Lessa, Luís Carlos Barbosa. Ed. Globo, 1984 | História Geral do Rio Grande do Sul, Ferreira Filho, Arthur. Ed. Globo, 1978 | História do Rio Grande do Sul, Flores, Moacyr. Ed. Nova Dimensão, 1996 | Bento Gonçalves, o herói ladrão, Golin, Tau. LGR Artes Gráficas, 1983 | Memória da Guerra dos Farrapos, Brito, Francisco de Sá, Corag / Arquivo Histórico do RS | A Revolução de 1835 no Rio Grande do Sul, Barcellos, Ramiro Fortes de Corag / Arquivo Histórico do RS | Guerra Civil no Rio Grande do Sul, Araripe, Tristão de Alencar, Corag / Arquivo Histórico do RS | A Revolução Farroupilha – história documental para a juventude, Corag / Arquivo Histórico do RS.

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