Sangue
, primeiro livro de Da Costa e Silva, escrito entre 1902 e 1908, é uma obra de evidente
ortodoxia simbolista. Pelos temas, pelo vocabulário, pelas imagens, pela construção dos versos e pela
musicalidade. Mas já revelava um poeta de dicção própria, personalíssima.
Sem afastar-se dos cânones da escola, tal como difundida no Brasil por Cruz e Sousa, predomina em
Sangue uma linguagem luminosa, arrebatada e forte um poeta que não esconde a sua sensualidade nem o
entusiasmo diante da vida.
Sangue, sendo um livro simbolista, revela um artista curioso por outras
possibilidades expressivas. Se a temática o prende aos moldes grupais, não chega
a levá-lo à cega subordinação; ao contrário, limita-se ele a alguns tópicos de
tratamento universal, como a solidão, o infortúnio, o sonho, a contemplação simbolista,
evita a exageração cultista, o rebuscamento gratuito.
Escrevendo sob a ascendência
do pensamento monista e fenomenista que agitava o ambiente cultural do Recife
de seu tempo e que tanto marcou Da Costa e Silva e também poetas como Augusto dos Anjos,
Carlos D.Fernandes e outros poetas da época, fazendo com que coincidam tantos de seus temas e de
suas metáforas, transforma o que poderia ter sido um cientificismo raso na riqueza
expressivas do “Cântico do Sangue”, com sua fluidez musical e seu colorido vocálico.
Nos sonetos como “Satã Moderno” e “Ódio Bendito”, Da Costa e Silva parece dialogar
com Baudelaire.
Em um poema em forma de losango, “Madrigal
de um louco”, ressuscita o carmem figuratum.
Em sonetos como “Deusa Pagã”, experimenta
e inova, ao aplicar os símbolos e as inovações do catolicismo
a cantares de extrema sensualidade, ao valorizar as surpresas de certos rejetes
ou enjambements habilíssimos como em “Pureza Obscura” e “Tântalo do Infinito”,
ao transformar a música do verso, em visão plástica como em sonetos tão diferentes
quanto “Ironia Eterna”, “Rio das Garças” e “Depois da Luta”, ao unir o vocabulário
coloquial ao sermo nobilis simbolista como em “Canto do Bêbado” e “Josafat”.
Madrigal de um Louco
L u a!
Camélia
Que flutua
No azul. Ofélia
Serena e dolente,
Fria,
vagando pelas
Alturas,
serenamente,
Por entre os lírios das estrelas;
Santelmo aceso para a Saudade;
Luz etérea, simbólica, perdida
Entre os astros de ouro pela imensidade;
Esfinge da Ilusão no deserto da Vida!
Lâmpada do Sonho, lívida, suspensa…
Vaso espiritual dos meus cismares,
Custódia argêntea da minha crença,
Ó Rosa Mística
dos ares!
Unge o meu ser, na apoteose
Da
tua luz, e eu frua,
Cismando, a pureza
Da luz e goze
Toda a tua
Tristeza,
L u a !
Nessa obra de estréia, em que a mulher é o grande tema, já surgem três outros motivos que continuaram a
aparecer, entrelaçados ou isolados, em todo o percurso do amarantino: o sentimento do amor materno; o
apego à terra natal; e a identificação do poeta com o rio Parnaíba. O tipo de linguagem inaugurado em
Sangue, no tratamento desses temas, não se alterou no itinerário dacostiano.
Há constante recorrência à temática amorosa. São ainda pontos freqüentes de sua produção que começam a
aparecer nessa obra: o amor materno, a terra natal, o rio Parnaíba, a tristeza e a saudade. Como coloca o
professor e crítico Luís Romero: “É uma poesia (…) cujos símbolos: terra, água, ar, sol, luz, céu evocam
uma confissão dolorosa de separação das origens.” O intimismo e a subjetividade são traços marcantes da
obra.
Saudade
Saudade! Olhar de minha mãe rezando
E o pranto lento deslizando a fio…
Saudade! Amor da minha terra… o rio
Cantigas de águas claras soluçando.
Noites de junho… o caburé com frio,
ao luar sobre o arvoredo, piando , piando…
E ao vento as folhas lívidas cantando
A saudade imortal de um sol de estio.
Saudade! Asa de dor do Pensamento!
Gemidos vão de canaviais ao vento…
As mortalhas de névoa sobre a terra…
Saudade! O Parnaíba – velho monge
As barbas brancas alongando…E, ao longe,
O mugido dos bois da minha terra…
Fonte parcial: A Literatura Piauiense em Curso, Alberto da Costa e Silva.