Conto narrado em 3ª pessoa, sendo, pois, onisciente, não participa da
história. O autor não faz nenhum mistério sobre o lugar da conversa dos
dois primos que padeciam de alta febre por terem sido atacados pela malária: é
ali, na beira do Pará. O lugar é o povoado de Pará de Vilelas, na estrada que
liga a Rodovia Fernão Dias a Cláudio, (MG 260) único povoado do município de Itaguara,
que margeia o citado rio.
O lirismo dos temas do amor e da solidão transparece em Sarapalha. O contraponto
de tempos verbais, passado e presente – o passado relacionado à impotência
e à saudade da esposa de um dos protagonista, o presente ao momento da
doença vivido pelos dois primos – contribui para reforçar a atmosfera
de dor e isolamento, de claustrofobia, em que se encontram os personagens deste
conto.
A ação de Sarapalha se desenvolve sobre um monte de ruínas causadas pela maleita: Ela veio de
longe (…) matando muita gente.
E o resultado da calamidade foi a morte e tristeza dos moradores: os primeiros para o cemitério, os
outros por aí afora, por este mundão de Deus.
Numa fazenda em ruínas, perto do vau da Sarapalha, Primo Ribeiro, ora em diálogo, ora em monólogo, vai
reconstituindo, alquebrado e decrépito pela maleita, a sua história ao Primo Argemiro, uma das poucas
pessoas que lhe restaram. Trágica e triste história a do Primo Ribeiro: Luisa, a sua mulher, fugira com
outro, deixando-o só com sua maleita: – Pra que é que há-de haver mulher no mundo, meu Deus?…
– pondera Primo Argemiro.
Mas ao saber que o Primo Argemiro pretendia-lhe a mulher também, Primo Ribeiro
enxota-o da sua presença, e Argemiro dos Anjos sai por aí, perambulando por entre
maleitas e belezas, buscando um lugar para cair e morrer:
– Mas, meu Deus, como isto é bonito! Que lugar bonito pra gente deitar no chão e se acabar.
Sarapalha é de linha trágica, o que contrasta com o conto A volta do
marido pródigo. Mostra não só um mundo em ruínas, ainda fumegando os
efeitos da Malária, como a infidelidade feminina com o conceito de honra do sertanejo.
São dois mundos em ruínas: a população vitimada pela maleita e o primo Ribeiro
sucumbido pela mulher infiel: a maleita era uma mulher de muita lindeza.
Em Sarapalha o narrador assume a perspectiva de um dos personagens, como se estivesse também
doente, cúmplice da angústia do lugar e da situação. A linguagem do conto “treme” com os personagens. É
uma abordagem profunda da psicologia dos vencidos pela desolação.
O cenário é a Fazenda do Primo Ribeiro, meio abandonada porque a febre o impossibilitava de trabalhar.
Personagens
Primo Argemiro – Na região, vem conseguindo sobreviver à
malária. Tem febre e frio todos os dias, o baço sempre inchado,
mas vai vivendo. No início da doença, foi abandonado pela esposa,
Luísa; ela fugiu com outro homem, um boiadeiro.
Primo Ribeiro – Como Primo Argemiro, vai sobrevivendo à malária.
Os dois moram isolados, numa região em que a febre já expulsou toda
a gente. Apesar de ter terras em outra região, prefere ficar ao lado de
Primo Ribeiro, tal a amizade que os une.
Prima Luísa – Mulher de Ribeiro. Morena, olhos pretos, cabelos pretos…
muito bonita. De riso alegrinho, mas de olhar duro. Fugiu com um boiadeiro.
Ceição – Preta velha.
Jiló – Cachorro.
Enredo
Há uma narrativa principal, que é bem simples: a sezão (febre/malária) avança
por um povoado às margens do Rio Pará. As pessoas abandonam o povoado deixando
tudo para trás, as que não se vão morrem.
Na beira do rio Pará, a malária expulsou a gente de um povoado inteiro. Deixaram para trás “casas,
sobradinho, capela, três vendinhas, o chalé e o cemitério”. Morador, agora, só andando três quilômetros
para cima. Moram ali, na fazenda abandonada, três pessoas: Primo Ribeiro, Primo Argemiro e uma preta
velha que cozinha o feijão de todos os dias. Os homens não podem mais trabalhar, a malária não deixa.
Em certo dia, ainda pela manhã, Primo Ribeiro começou a falar de morte. Achava que o seu dia havia
chegado. Por isso, puxou a conversa que se referia a uma mulher. Se ela aparecesse, até a febre sumia.
Ribeiro confessa que tem Argemiro na conta de irmão. Por isso, tem coragem de remexer o passado. Estava
casado com ele há apenas três anos, e a ingrata fugiu com outro. Argemiro quis ir atrás dos dois. Queria
matar o homem e trazer a mulher de Ribeiro de volta.
Agora, Ribeiro não tem vergonha de confessar: não foi atrás dos dois porque, se fosse, a obrigação era
matá-los. Mas faltava-lhe, já naquela época, a coragem. Talvez por causa da malária. Argemiro também
soltou a imaginação. Chegou a sentir ciúmes dela com o marido. E veio o boiadeiro, ficou três dias na
fazenda, com desculpa de esperar outra ponta de gado… Não era a primeira vez que ele se arranchava
ali. Mas nunca ninguém tinha visto os dois conversando sozinhos… Ele, Primo Argemiro, não tinha feito
nenhuma má idéia….
Ela fugiu com o boiadeiro, e Primo Argemiro nunca lhe havia confessado o seu amor. Arrependia-se disso.
Se tivesse tido coragem. Talvez ela aceitasse, quem sabe até teria fugido com ele, pois o boiadeiro ainda
não havia aparecido. No mínimo, ela agora estava pensando que ele era um pamonha.
Primo Ribeiro não se cansa de dizer que considera Argemiro um irmão; nem um filho seria tão bom assim. O
outro se sente mal. Resolve confessar o seu grande segredo. Quando Ribeiro ouviu, apesar da febre e da
fraqueza, ficou muito zangado e insistiu que o Primo fosse embora. Argemiro explicou que nunca disse nada
a Luísa, nunca a desrespeitou, que ela foi embora sem saber de nada. Ribeiro negava-se a entender. Só
conseguia repetir que o Primo fosse embora. Sentia-se picado de cobra.
Primo Argemiro, não obtendo o perdão de Ribeiro, reúne as forças para ir embora. Caminha com dificuldade,
passa pela rocinha de milho, assustando os pássaros pretos que o confundem com um espantalho. O cão Jiló
não sabe mais a quem obedecer. Quer seguir com Argemiro, mas também quer ficar com Ribeiro. Na dúvida,
ficou. Argemiro segue adiante, com os primeiros sintomas da tremedeira. E a lembrança vai buscar
Luisinha, antes de se casar com Ribeiro. Ela estava toda de azul. A paisagem ali também se enfeitava de
flores azuis. Bom lugar para se deitar e morrer.