Conto narrado em terceira pessoa, mas com a participação ambígua do narrador como personagem. Isto se dá pelo fato do narrador ser um observador dos fatos, mas também fazer parte do povo: “A gente se esfriou (…)” “A gente estava levando agora o Sorôco (…)” Ou seja, “a gente “, no conto, pode ser a gente, o povo da estação, como também o marcador oral “a gente” enquanto nós.
O conto tem uma temática triste, trabalha com o sentido circular de passar a angústia do personagem Sorôco com sua solidão e desespero ao ter que deixar ir para longe as únicas pessoas que tem no mundo, ficando mais solitário ainda. Tudo gira em torno da separação, da perda, da ausência e da distância.
A grande temática do conto é a solidariedade. Há a compaixão do povo para com Sorôco e sua dor. O povo se solidariza com Sorôco. A irracionalidade entoada na cantiga da mãe e da filha loucas realiza o elo de ligação entre as dores de todos os homens. É uma cantiga compreendida só por aqueles que possuem sentimento, a razão de ser do humano. Esta cantiga metaforiza a união entre os homens por meio da solidariedade.
É possível imaginar o sofrimento de Soroco, o vazio dolorido sentido e a profunda solidão na alma. A solidão só não é absoluta, porque existe a solidariedade do povo acalentando seu coração.
Pode-se observar também as sugestões sonoras oferecidas pelo nome do personagem: Sorôco – só louco; Sorôco – socorro, como compreensão do forte sentido do contexto do texto. Por outro lado, é interessante perceber a gradação do título, sugerindo a união da família como vagões que se engatam no trem da existência e se desengatam no destino. Cada vagão carrega sua própria solidão e dor, mas forma o trem da solidão e da dor coletivas, na metáfora de uma cantiga.
Sorôco é comparado a Jó, personagem da Bíblia, por causa de seu sofrimento. Passado e futuro, ele, no meio. Ele, a terceira margem. A eternidade. E as proporções gigantescas dele lembram as personagens grotescas que são castigadas, eliminadas em outros contos. O padecimento a que foi submetido ao cuidar das duas, no entanto, redimiu-o.
Enredo
O conto inicia com a descrição de um vagão diferente, gradeado, que seria levado pelo trem do sertão. A população sabia que ele levaria duas mulheres, para longe, para sempre: a mãe e a filha de Sorôco. A mãe de Sorôco era de idade, com para mais de uns setenta. A filha, ele só tinha aquela. Sorôco era viúvo. Homem simples e rude, vivia com sua mãe e sua filha:
A mãe de Sorôco era de idade, com para mais de uns setenta. A filha, ele só tinha aquela. Sorôco era viúvo. Afora essas, não se conhecia dele o parente nenhum.
Mãe e filha eram loucas. Sorôco tentou ficar com as duas ao seu lado, mas não foi possível. Tomou a decisão mais difícil de sua existência: interná-las. O governo mandaria o trem para levá-las para Barbacena, longe. “Para o pobre, os lugares são mais longe.” Sorôco deveria encaminhá-las à estação, pois “o trem do sertão passava às 12h45m.”
Sorôco seguiu para a estação acompanhando as duas, uma de cada lado, parecia entrada em igreja, num casório. O povo esperava, protegendo-se do sol. “As pessoas não queriam poder ficar se entristecendo, conversavam (…) Sempre chegava mais povo – o movimento.” Alguém avisa que Sorôco aponta da Rua de Baixo, onde mora. Ele vestia a sua melhor roupa para a despedida, que a população acompanhava com pesar Todos diziam a ele seus respeitos, de dó. Diziam palavras que tentavam consolá-lo e ele muito humilde respondia: – “Deus vos pague essa despesa…” Todos compreendiam a atitude de Sorôco, pois não havia outro jeito.Porém todos pensavam que a partida delas seria bom para ele, visto não haver cura para a doença e também pelo fato de elas terem piorado nos últimos 2 anos, a ponto de Sorôco pedir ajuda médica para elas.
Em frente ao trem, a filha de Sorôco começa a cantar uma cantiga que ninguém entende. A mãe de Sorôco começa a cantar também a cantiga entoada pela moça, antes de serem alojadas dentro do trem. Principia o embarque das duas. E o canto ecoa longe. Sorôco não espera o trem desaparecer de vez, nem olha, fica de chapéu na mão calado. “De repente, todos gostavam demais de Sorôco.”
O trem partiu e Sorôco não esperou tudo se sumir. Nem olhou. Só ficou de chapéu na mão, mais de barba quadrada, surdo o que nele mais espantava. Todos os presentes ficaram condoídos com o sofrimento do homem. Entretanto, Sorôco pára e num rompido ele começou a cantar. Alteado, forte, mas sozinho para si e era a cantiga, mesma, de desatino, que as duas tanto tinham cantado. Cantava continuando. E eis que todos, de uma vez, de dó de Sorôco, principiaram também a acompanhar aquele canto sem razão. E com vozes tão altas! (…) A gente estava levando agora o Sorôco para a casa dele, de verdade. A gente, com ele, ia até aonde que ia aquela cantiga.