Home EstudosSala de AulaFísica Propriedade dos elétrons: 1. O que é a spintrônica?

Propriedade dos elétrons: 1. O que é a spintrônica?

by Lucas Gomes


Se as partículas elementares não tivessem ‘spin’, não existiriam
as
propriedades magnéticas da matéria, que estão por trás
do advento
dos discos rígidos e de outras maravilhas tecnológicas

(foto: Matthew Field – CC 3.0 BY-SA).

O advento da física quântica no início do século
passado foi, sem dúvida, uma das maiores revoluções científicas
de todos os tempos. O novo olhar que ela trouxe em relação ao
mundo que nos cerca não influenciou apenas a física, mas também
muitas outras áreas do conhecimento, como a química, a biologia,
além da filosofia e até as artes.

O maior impacto que a física quântica nos trouxe foi a modificação
na forma como compreendemos a natureza na escala atômica.

Para isso foi necessária uma mudança de paradigma que nos levou
a situações que podem parecer absurdas e antagônicas se
vistas do ponto de vista que estamos habituados a usar – a visão
da física clássica, regida pelas leis da mecânica newtoniana,
da termodinâmica e do eletromagnetismo, que eram os pilares dessa disciplina
até o final do século 19.

Na descrição microscópica proposta pela física
quântica, alguns conceitos do nosso cotidiano devem ser mudados, como
o de causa e efeito, partículas e ondas, tempo e energia.

Além disso, no estranho mundo quântico existem algumas entidades
que não têm análogo com o mundo macroscópico e que,
por isso, são de difícil compreensão, embora muitas delas
estejam mais presentes no nosso cotidiano do que somos capazes de imaginar.
Entre elas, talvez uma das mais fascinantes seja o spin, presente na aplicação
de muitos fenômenos cotidianos.

Sistema planetário

Quando falamos em átomos, a maioria das pessoas pensa em um sistema
planetário em miniatura, na qual o núcleo atômico positivo
(constituído por nêutrons e prótons) faria o papel do Sol,
e os elétrons seriam os planetas, com órbitas bem definidas. Esse
movimento geraria o que chamamos de momento angular, que está associado
à velocidade de rotação (velocidade angular) e com a massa
do corpo.

Continuando com essa analogia, poderíamos imaginar que os elétrons,
como os planetas, teriam um movimento ao redor de um eixo de rotação.
Como os elétrons têm carga elétrica, esses movimentos gerariam
uma corrente e esta criaria um campo magnético, transformando assim os
átomos em minúsculos ímãs.


Modelo mecânico do Sistema Solar. A maioria das pessoas enxerga o
átomo
como um sistema planetário, no qual a estrela representa o
núcleo,
e os planetas, os elétrons seguindo órbitas bem definidas
(foto:
Don Pezzano – CC 2.0 BY-NC-SA).

Contudo, essa analogia tem suas limitações, como todas as outras.
As observações experimentais nos mostraram que elétrons
e quaisquer outras partículas quânticas têm uma característica
dual, ou seja, apresentam simultaneamente comportamento ondulatório ou
corpuscular, dependendo do tipo de observação que se faça.

Os elétrons que compõem uma corrente elétrica transportada
por um fio se comportam como se fossem pequenas esferas se movimentando entre
os átomos.

Já os mesmos elétrons emitidos pela ponta de um microscópio
eletrônico se comportam com se fossem ondas espalhando e refletindo sobre
uma superfície.

Da mesma maneira, comparar a propriedade do spin a um ‘giro’ do
elétron ao redor de si mesmo significaria cometer uma grande imprecisão.

A descoberta do spin

Um capítulo importante para a descoberta dessa propriedade dos elétrons
foi um experimento realizado em 1921 pelos físicos alemães Otto
Stern (1888-1969) e Walther Gerlach (1889-1979).


Experimento Stern-Gerlach
A placa acima, no Instituto de Física de Frankfurt
(Alemanha),
comemora o experimento de Stern (à esquerda) e Gerlach que

levou à descoberta do ‘spin’
(foto: Wikimedia Commons/Peng – CC
3.0 BY-SA).

Nesse experimento, eles fizeram com que um feixe de átomos de prata
eletricamente neutros, produzidos a partir da evaporação em um
forno, passasse por um campo magnético não uniforme. O campo magnético
desviava os átomos de prata, como se estes fossem pequenos ímãs,
e eles atingiam uma placa fotodectetora.

Os resultados obtidos foram totalmente inesperados e surpreendentes. O esperado
era que os ’polos magnéticos’ desses átomos apontassem
para qualquer direção, mas eles apontavam apenas para duas direções
no espaço. Esse estranho resultado foi associado à propriedade
que denominamos de spin.

O spin é uma propriedade que não se compara com nada que existe
em nossa volta. Ele está associado com a maneira como os elétrons
ocupam os níveis de energia no átomo. Um elétron pode ter
o spin “up” (para cima) ou “down” (para baixo).

Essa nomenclatura é apenas para diferenciar duas situações,
pois não existe “para cima” e “para baixo” nos
átomos. O spin é uma característica intrínseca das
partículas elementares.

Mas por que a propriedade do spin é tão importante, a ponto de
escrevermos uma coluna tentando explicá-lo? Por que isso interessaria
a alguém?

Propriedades magnéticas

O spin, no caso dos elétrons, quando combinado com o momento angular
que essas partículas possuem ao redor do átomo, é responsável
pelas propriedades magnéticas da matéria. A interação
entre o spin e o momento angular é que faz com que surja o magnetismo
da matéria.


Em aceleradores de partículas como o LHC, magnetos poderosos
são
usados para direcionar os feixes de prótons. Esta é uma das
mais
notáveis aplicações do eletromagnetismo
(foto: Flickr.com/gamsiz
– CC 2.0 BY).

Materiais magnéticos têm uma infinidade de aplicações
– dos ímãs de geladeira para fixarmos os recados que não
queremos esquecer aos ímãs utilizados em motores elétricos,
passando pelos materiais utilizados para a gravação magnética
de informação nos discos rígidos dos computadores.

A maior parte das informações existentes atualmente está
gravada magneticamente em discos rígidos nos computadores espalhados
por todo mundo. A gravação de cada informação é
feita por meio da aplicação de campos magnéticos sobre
o material magnético do o sistema de gravação.

As informações são gravadas na forma de um código
binário, como uma sequência de “0” e “1”.
Pode-se representar, por exemplo, o “0” como o polo norte de um
pequeno ímã apontando para cima e o “1” com o polo
norte apontando para baixo.

Processamento de informação

O spin dos elétrons também pode ser utilizado para uma nova aplicação
que no momento está em desenvolvimento, para não somente armazenar
informações, mas também processá-las.

Os computadores atuais processam informações utilizando circuitos
eletrônicos baseados no controle do fluxo de corrente elétrica
através dos seus componentes. O processador de um computador realiza
centenas de milhões de operações por segundo por meio do
controle do fluxo de corrente elétrica através dos milhões
de componentes em seu interior.

Contudo, há um novo modelo que poderá substituir essa forma de
processar informações. Ela se chama spintrônica –
a eletrônica de spins, que tem como objetivo controlar o fluxo de corrente
em um dispositivo não somente pela carga dos elétrons, mas também
pelo o spin.

A carga elétrica do elétron é afetada pela ação
de campos elétricos, mas o spin é afetado por campos magnéticos.
Essa nova proposta poderá produzir dispositivos mais rápidos e
que dissipem menos energia.
A spintrônica poderá produzir dispositivos para processar informação
mais rápidos e que dissipem menos energia

Além disso, a utilização do spin no processamento de informações
permitirá o desenvolvimento de novos algoritmos de computação,
que poderão utilizar as propriedades quânticas do spin. Esse novo
ramo de conhecimento chama-se de computação quântica.

A descoberta de uma propriedade inusitada como o spin levou a uma melhor compreensão
dos fenômenos magnéticos e estes permitiram o desenvolvimento de
novas formas de processar e armazenar informações.

Talvez em um futuro próximo possamos utilizar essa propriedade de forma
que sequer somos capazes de imaginar, pois com certeza ainda não esgotamos
todas as possibilidades que a física quântica nos apresenta.

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