Home EstudosLivros Tarsila, de Maria Adelaide Amaral

Tarsila, de Maria Adelaide Amaral

by Lucas Gomes

Tarsila

, peça teatral de Maria Adelaide Amaral, é resultado
do trabalho minucioso da dramaturga em pesquisas e entrevistas sobre a vida
da pintora modernista. A autora escreveu a obra baseada principalmente nas relações
da pintora e de seus principais amigos expoentes do modernismo brasileiro: Mário
de Andrade, Oswald de Andrade e Anita Malfatti.

Foram sete meses de pesquisa, período em que contou com o apoio da pesquisadora
Luciana Chen e com a boa vontade de todos os familiares das personalidades.
As afinidades e divergências entre Tarsila do Amaral, Anita Malfatti,
Mário de Andrade e Oswald de Andrade formam o fio condutor da peça
Tarsila, que conta a vida da pintora paulista. A rivalidade Anita-Tarsila,
a rixa Oswald-Mário, o poder criativo do casal “Tarsiwald”,
estão descritos no ótimo texto de Maria Adelaide Amaral, feito
a partir de cartas trocadas entre os quatro.

O dinamismo do texto de Maria Adelaide Amaral transporta o leitor ao ano de
1922, com a chegada da artista ao Brasil após temporada em Paris, e finaliza
com a sua velhice, 50 anos depois. Retrata sua vida junto a de outros três
importantes expoentes do modernismo: Mário de Andrade, Anita Malfatti
e Oswald de Andrade, privilegiando o “ser humano” ao invés
do “mito”. Unidos por uma amizade que perdurou até o início
dos anos 30, eles viveram frustrações, ciúmes e vaidades.
Cenas e diálogos contidos no livro ocorreram de fato, extraídos
da correspondência trocada entre eles.

Momentos cruciais da vida de Tarsila estão presentes na obra, como a
conturbada paixão por Oswald de Andrade, as confidências junto
a Mário de Andrade, as graves dificuldades financeiras trazidas pela
crise de 29, a prisão em 1932, o estremecimento da relação
com Anita Malfatti. Mas, sobretudo, a autora dá a conhecer a lucidez
e dignidade que a transformaram em uma mulher à frente de seu tempo,
encontrando na arte o impulso para a vida.

A intimidade das quatro personagens é embalada por momentos históricos,
como a quebra da bolsa de Nova Iorque e o advento do comunismo, e culturais,
como os movimentos antropofágico e pau-brasil. Maria Adelaide Amaral
traz à luz a importância e a atualidade das obras desses artistas,
que se debatiam entre a influência européia e a busca de uma identidade
artístico-cultural genuinamente brasileira.

Esta versão teatral privilegia os dramas vividos por Tarsila durante
o período em que esteve casada com Oswald de Andrade. Nesse sentido,
os sofrimentos da esposa de um dos líderes do movimento modernista, Oswald
de Andrade, se sobrepõem à mulher que se torna pintora de sua
terra, instrumentalizando-se com procedimentos compositivos do cubismo. Dados
biográficos que destacam a importância de Tarsila como mulher que
revolucionou a pintura brasileira com temas pictóricos, rompeu com o
tradicionalismo e se arriscou ao adotar procedimentos vanguardistas ficam diluídos
nesta adaptação teatral. Fica a impressão de que a genialidade
de Tarsila fora burilada graças à relação com Oswald
e a própria pintora sintetiza em uma das falas, esta atividade com Oswald:

TARSILA EM OFF: O Alcântara Machado dizia que éramos a deusa
e o diabo doModernismo Brasileiro. Mas às vezes parecia que éramos
um só. Tarsivaldo, como noschamava o Mário… A pintura que eu
fiz na época espelha bem a felicidade e a festa queera nossa vida…

(AMARAL, 2004, 45)

A voz em off é recurso utilizado em toda a peça para
expor pensamentos e relatar as reminiscências da esposa que sofre com
uma relação marcada também pela transgressão e por
certo espírito libertino. Dessa forma, Tarsila nos é apresentada
de forma muito mais conservadora se comparada com os ideais revolucionários
de Oswald e Pagu, por exemplo.

Outros recursos são utilizados como projeções de fotos,
que vão remontando a história de Tarsila. Maria Adelaide Amaral,
hábil e consagrada dramaturga, detém a capacidade de construir
diálogos que capturam a atenção do espectador/leitor e,
para tanto, constrói diálogos que recompõem o envolvimento
amoroso de Tarsila e Oswald de Andrade, destacando todos os dramas vividos numa
relação tumultuada. Nesta relação, não faltam
os ingredientes dramáticos que têm garantido o sucesso das novelas
globais: vaidades, brigas, traições, rompimentos e reconciliações.

Entre os dramas amorosos, há de se destacar, entretanto, o perfil de
uma mulher que se impõe ao lado do líder do movimento modernista
e se consagra como pintora. Tarsila divide a cena com Oswald de Andrade, conhecido
pela sua impetuosidade, ousadia e pelo espírito revolucionário,
mas não se deixa ofuscar, pois as mesmas características podem
ser atribuídas à personagem título da peça de Maria
Adelaide Amaral, acrescidas de uma personalidade forte e detentora de suas próprias
convicções e interesses.

Apesar da opção pelo tom novelístico, Maria Adelaide Amaral
coloca em cena os ruídos deixados não só pela consagrada
pintora, mas pela mulher Tarsila do Amaral, que reaparece, na última
cena, em uma cadeira de rodas, para uma entrevista, enquanto se projeta uma
imagem de Tarsila no esplendor de sua beleza.

Fonte parcial: André Luís Gomes, Universidade de Brasília
(UnB)

Posts Relacionados