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Época dos descobrimentos: 1. O Tratado de Tordesilhas

by Lucas Gomes

O Tratado de Tordesilhas garantiu a Portugal plenos direitos sobre
a terra descoberta por Cabral

A Terra de Santa Cruz era nossa. Tudo graças ao saudoso rei D. João
II, conhecido como “Príncipe Perfeito”, que governou o país
de 1481 até sua morte, em 1495, em circunstâncias misteriosas.
Com uma visão geopolítica à frente de seu tempo e grande
habilidade diplomática, foi ele quem bateu o pé, nas conversações
com a Espanha, para estender, a nosso favor, a linha divisória que definiu
as áreas de influência de portugueses e castelhanos no vasto mundo,
na época ainda em grande parte por descobrir – exatamente a 370
léguas a ocidente do Arquipélago de Cabo Verde. O Tratado de Tordesilhas,
assinado em 1494, dizia que as terras situadas a oeste da linha pertenceriam
aos espanhóis e as que estavam a leste seriam de Portugal. A terra “descoberta”
pela expedição comandada por Pedro Álvares Cabral estaria
nesse último caso. Não fosse a persistência de D. João
II, o acordo teria sido assinado nos termos propostos pelos reis Isabel e Fernando
– com o meridiano a apenas 100 léguas dos Açores ou de Cabo
Verde – e neste momento teríamos de nosso apenas o mar. Negociado
diretamente entre Portugal e Espanha, o Tratado de Tordesilhas foi o responsável
pela paz entre os dois países, que estava ameaçada desde que se
tornou necessário dividir o mundo como uma laranja.

Durante toda a década de 1480, a grande questão foi em que sentido
deveria ser “passada a faca”. Se no horizontal, como queriam os portugueses,
ou no vertical, reivindicação dos espanhóis. O Tratado
de Alcáçovas-Toledo, assinado em 1479-80, refletia, de certa forma,
o desejo de Portugal. Pelo acordo inicial, pertenceriam à Espanha todas
as terras encontradas ao norte das Ilhas Canárias (veja os mapas acima).
Foi o primeiro tratado do gênero que regulamentava a posse de terras ainda
não descobertas. A Portugal interessava basicamente garantir direitos
sobre a parte sul do Mar Oceano, na presunção, que se revelou
acertada, de que por ali se conseguiria a passagem para as Índias.

A abertura dessa rota de comércio era a prioridade de Portugal desde
os tempos do infante D. Henrique. Nos anos de 1480 estudavam-se duas possibilidades
de chegar às Índias. Uma, pelo sul, contornando a África.
A outra, navegando em direção ao poente, contornando o mundo.
Ao chegar ao Cabo da Boa Esperança, em 1488, o heróico Bartolomeu
Dias convenceu D. João II de que a alternativa mais rápida era
a primeira. No dia em que o navegador, em audiência com o rei, lhe explicou
as vantagens dessa rota, desenhando o caminho numa carta náutica, estava
no palácio outro grande marinheiro, o defensor mais ardoroso da teoria
contrária: o genovês Cristóvão Colombo. A partir
do momento em que D. João II se definiu pelo projeto de Bartolomeu Dias,
Colombo abandonou Portugal. Foi para a Espanha, que financiou seu projeto. Em
1492, navegando na direção proposta por ele, descobriu as ilhas
Fernandina, Isabela, Juana e Hispaniola. Contra todas as evidências, acreditava-se
ter chegado ao rico Oriente, e disso convenceu os monarcas espanhóis,
que passaram a empenhar seus consideráveis esforços em garantir
todas as terras da banda ocidental do Mar Oceano.

O descobrimento de Colombo provocou uma reviravolta na divisão do mundo
que havia sido feita até então. Por um motivo simples: pelo Tratado
de Alcáçovas, em vigor até aquele momento, as ilhas estavam
em território português, já que se situavam ao sul das Canárias.
Consciente disso, D. João II reivindicou a posse das terras. Os reis
da Espanha partiram para o contra-ataque usando a arma que tinham: sua influência
no Vaticano. O papa Alexandre VI, espanhol de nascimento, devia favores ao rei
Fernando de Aragão. A pedido dele e de sua intrépida mulher, a
rainha Isabel de Castela, a grande patrocinadora de Colombo, o papa emitiu dois
documentos, as chamadas bulas Inter-Coetera I e II. Elas dividiam as áreas
de influência, com um claro favorecimento a seus conterrâneos (a
partilha provocou o sarcástico comentário do rei Luís XII,
da França: “Em que artigo de seu testamento Adão repartiu
a Terra entre portugueses e espanhóis?
” A segunda bula alexandrina
estabelecia uma linha vertical a 100 léguas das Canárias como
nova demarcação divisória do mundo.

D. João II, mais uma vez, não se dobrou. Continuou sua estratégia
de expressar o descontentamento de Portugal. Preparou-se ostensivamente para
uma possível guerra e se aproximou da França, em disputa com a
Espanha. De tanto pressionar, a Espanha aceitou negociações diretas,
retomadas em 1494, quando D. João II fez sua reivindicação:
concordava com a substituição da linha horizontal pela vertical,
desde que esta se situasse a 370 léguas do Arquipélago de Cabo
Verde. A justificativa: devido à impossibilidade de contornar a África
em direção das Índias fazendo navegação costeira,
era necessário um espaço de manobra para as naus. A Espanha acabou
assinando o tratado graças a algumas compensações dadas
por Portugal e ao relatório de Cristóvão Colombo, que voltava
de sua segunda viagem asseverando que dificilmente haveria novas terras no espaço
entre 100 e 370 léguas. Assim, o tratado foi assinado na cidade espanhola
de Tordesilhas, em 7 de junho.

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