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Europa – Os Tratados de 1810

by Lucas Gomes

A Penetração Britânica no Brasil

Desde a sua formação, Portugal esteve sob permanente ameaça de anexação por parte da Espanha, finalmente concretizada com a União Ibérica em 1580. A conseqüência imediata dessa união foi, como vimos, a ocupação holandesa a partir de 1630.

Motivado por tais experiências, Portugal adotou sempre uma cautelosa política de neutralidade e buscou apoio, quando necessário, na Inglaterra. Logo após a Restauração (1640), Portugal foi obrigado a fazer concessões comerciais aos ingleses em troca de apoio contra a Espanha e a Holanda. Os tratados de 1641, 1654 e 1661, com a Inglaterra, foram produtos dessa concessão que, afinal, acabou resultando na crescente dependência de Portugal. Através desses tratados foi aberto à burguesia inglesa o mercado colonial português, na condição de nação mais favorecida.

O mais importante tratado, pelo seu caráter lesivo a Portugal, foi o de Methuen, assinado em 1703, em pleno início da mineração no Brasil. O tratado possuía apenas dois artigos:

Artigo 1º. Sua Sagrada Majestade El Rei de Portugal promete, tanto em seu próprio Nome, como no de Seus Sucessores, admitir para sempre de aqui em diante, no Reino de Portugal, os panos de lã e mais fábricas de lanifício de Inglaterra, como era costume até o tempo em que foram proibidas pelas leis, não obstante qualquer condição em contrário.

Artigo 2º. E estipulado que Sua Sagrada e Real Majestade Britânica, em Seu Próprio Nome, e no de Seus Sucessores, será obrigada para sempre, de aqui em diante, de admitir na Grã Bretanha os vinhos do produto de Portugal, de sorte que em tempo algum (haja paz ou guerra entre os Reinos de Inglaterra e de França) não se poderá exigir direitos de Alfândega nestes vinhos, ou debaixo de qualquer outro título direta ou indiretamente, ou sejam transportados para Inglaterra em pipas, tonéis ou qualquer outra vasilha que seja, mais que o que se costuma pedir para igual quantidade ou medida de vinho de França, diminuindo ou abatendo terça parte do direito de costume.

O Tratado de Methuen estipulou, em síntese, a compra do vinho português em troca de tecidos ingleses. Esse acordo bastante simples foi, entretanto, altamente nocivo para Portugal porque, em primeiro lugar, importava-se mais tecido do que se exportava vinho, tanto em termos de quantidade como em valor; em segundo, as manufaturas portuguesas foram eliminadas pela concorrência inglesa. Por último, dado o desequilíbrio do comércio com a Inglaterra, a diferença foi paga pelo ouro brasileiro. Desse modo, o Tratado de Methuen abriu um importante canal para a transferência da riqueza produzida no Brasil para a Inglaterra.

Os tratados de 1810

Com tempo, a dependência de Portugal se aprofundou e essa foi a razão por que D. João finalmente se submeteu às exigências inglesas e se transferiu para o Brasil. Em 1810, quando a Corte já se encontrava no Rio de Janeiro, a Inglaterra fez D. João assinar três tratados que a favorecia. Um deles era o de Amizade e Aliança o outro de Comércio e Navegação e um último que veio regulamentar as relações postais entre os dois reinos.

Do conjunto dos dispositivos, destacavam­se alguns artigos que feriam frontalmente os interesses econômicos de Portugal e do Brasil, além da humilhação política que outros itens impuseram à soberania lusitana.

Em um artigo do segundo tratado, por exemplo, a Inglaterra exigiu o direito de extraterritorialidade. Isso significava que os súditos ingleses radicados em domínios portugueses não se submeteriam às leis portuguesas. Assim; esses súditos elegeriam seus próprios juízes, que os julgariam segundo as leis inglesas.

E os portugueses residentes em domínios britânicos gozariam dos mesmos direitos? Não. O príncipe regente aceitou, resignadamente, a “reconhecida eqüidade da jurisprudência britânica” e a “singular excelência da sua Constituição”. Inversamente, pode-se dizer que a Inglaterra não reconheceu nenhuma eqüidade na jurisprudência lusitana…

Outro aspecto escandaloso dos tratados foi o direito assegurado à Inglaterra de colocar suas mercadorias no Brasil mediante a taxa de 15% ad valorem, enquanto os produtos portugueses pagavam 16%, isto é, 1 % a mais que os ingleses! Os demais países estavam submetidos à taxação de 24% em nossas alfândegas.

Resumindo, a extrema brutalidade dos tratados impostos pela Inglaterra não foi obra do acaso. Ela se explica pela pesada pressão econômica que o bloqueio napoleônico exerceu sobre a Inglaterra. De fato, as guerras napoleônicas, e suas conseqüências para a economia inglesa, tornaram premente a necessidade de abrir novos mercados, sob pena da Inglaterra sucumbir às pressões da conjuntura. A quebra do pacto colonial era vital, pois as mercadorias estavam se acumulando e precisavam ser escoadas de algum modo, o que tornava a exclusão inglesa do mercado americano algo impensável. Ora, a relativa facilidade com que a Inglaterra impôs seus interesses ao Brasil permitiu a maciça exportação de seus produtos, inundando o nosso mercado. Mais do que isso, a presença inglesa trouxe modificações radicais na posição do Brasil dentro do mercado internacional: saímos da órbita do colonialismo mercantilista português para ingressar na dependência do capitalismo industrial inglês.

A Inglaterra e as Novas Formas de Dominação

Transformações do Rio de Janeiro – Após a abertura dos portos, pela primeira vez o Brasil pôde manter contatos comerciais diretos e regulares com o exterior, sem a intermediação de Portugal. O Rio de Janeiro transformou-se então num “empório do Atlântico Sul”, nas palavras do historiador Nelson Werneck Sodré. Ali chegavam mercadorias de diversas procedências e dali eram exportados os produtos brasileiros.

As formas da nova dependência – Com o fim do exclusivo metropolitano, uma nova forma de dependência se estabeleceu, manifestando-se no déficit permanente da balança comercial externa. Essa situação decorreu da franquia dos portos, que alterou as tarifas alfandegárias de 48%, na época do exclusivo, para 24% com D. João, a fim de favorecer contatos comerciais diversificados. As trocas comerciais, todavia, não favoreceram o Brasil, e diversas razões podem ser alinhadas para explicar essa situação.

Até a ruptura colonial, nosso comércio era, pelo menos, equilibrado, embora a produção fosse prejudicada pelas excessivas taxas e restrições em favor da metrópole. Em compensação, Portugal representava um mercado garantido para as exportações brasileiras.

A abertura dos portos alterou profundamente os hábitos de consumo no Brasil, com a chegada de grande quantidade de mercadorias, sobretudo de origem inglesa. Um viajante inglês, John Mawe, assim descreveu o Rio dessa época:

“O mercado ficou inteiramente abarrotado; tão grande e inesperado foi o fluxo de manufaturas inglesas no Rio, logo em seguida à chegada do Príncipe Regente, que os aluguéis das casas para armazená-las elevaram-se vertiginosamente. A baía estava coalhada de navios, e em breve a alfândega transbordou com o volume das mercadorias. Montes de ferragens e pregos, peixe salgado, montanhas de queijos, chapéus, caixas de vidro, cerâmica, cordoalha, cerveja engarrafada em barris, tintas, gomas, resinas, alcatrão etc., achavam se expostos não somente ao sol e á chuva, mas à depredação geral; (…) espartilhos, caixões mortuários, selas e mesmo patins para gelo abarrotavam o mercado, no qual não pode­riam ser vendidos e para o qual nunca deveriam ter sido enviados.”

Enquanto isso, as exportações brasileiras não cresciam na mesma proporção, nem tão rapidamente quanto era necessário para fazer face às importações. A Inglaterra não adquiria produtos brasileiros, pois suas colônias já os produziam. Só entravam no mercado britânico aquelas mercadorias consideradas úteis às indústrias têxteis, como o algodão e o pau-brasil. De Portugal, a Inglaterra adquiria o vinho e o azeite. Com isso, a balança comercial do Brasil tornou-se deficitária.

Esse déficit permanente precisava ser saldado de alguma forma. A solução dependia do fluxo de capital estrangeiro, que aqui chegava na forma de empréstimo público. Mas os altos juros cobrados apenas agravavam a situação e, por volta de 1850, representavam 40% das finanças públicas.

Fontes: História do Brasil – Luiz Koshiba – Editora Atual | História do Brasil – Bóris Fausto – EDUSP

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