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Um chá bem forte e três xícaras (Conto da obra Antes do baile verde), de Lygia Fagundes Telles

by Lucas Gomes

Este conto está inserido na obra Antes
do baile verde
, de Lygia Fagundes Telles.

Novamente os temas da traição, dos desencontros no casamento, da velhice versus
juventude, são abordados em Um Chá Bem Forte e Três Xícaras, de 1965.

Neste conto, um narrador heterodiegético mostra momentos de um dia na vida de Maria
Camila. É por meio do diálogo entre essa personagem e a empregada da casa, Matilde,
que o leitor toma conhecimento do que acontece.

O tempo da história corresponde a alguns minutos, tempo em que a personagem Maria
Camila espera a chegada de uma convidada para o chá.

O conto tem início com a personagem Maria Camila a observar uma borboleta que
pousa em uma rosa. Os dois símbolos empregados são representativos da efemeridade
– a borboleta tem uma vida média de dois meses e a rosa, a duração de apenas
alguns dias. A beleza é efêmera, assim como a vida e o amor. A rosa e a borboleta
são também símbolos que representam a beleza, a suavidade. Entretanto, a borboleta
“finca” as patas na pétala e, inclinando o corpo “num movimento de seta, afundou
a tromba no âmago da flor” (p. 63) – os verbos utilizados são fortes, sugerem o
ato sexual, e a “tromba” dá um aspecto grotesco à borboleta.

A imagem da borboleta que suga a flor com força, forma uma analogia com a
situação que Maria Camila está enfrentando. A rosa representa a perfeição, a
realização sem defeito, simboliza a alma, o coração, o amor. A borboleta, por
sua vez, representa a graça e a agilidade, mas também a inconstância. Para Maria
Camila, a borboleta amarela observada, e que, com o ato de sugar talvez
provoque a morte mais rápida da flor, pode ser comparada com a jovem estagiária
que, para Camila, é a causa da morte do amor entre ela e Augusto.

Após a leitura completa do conto, torna-se mais evidente a estratégia do
paralelismo, empregada pelo narrador, entre a observação da borboleta e da rosa,
feita pela personagens Maria Camila e Matilde, e a situação do suposto
relacionamento amoroso entre o marido de Camila e a jovem estagiária que está
sendo aguardada para o chá. Assim, Camila acredita que o inseto “deve ser uma
borboleta jovem” (p. 63), suga a flor “com tamanha força” (p. 63), “desde ontem
ela já rondava por aqui. Cismou com essa rosa, tinha que ser essa rosa” (p. 64),
“Por um breve instante Maria Camila fixou-se de novo na borboleta. Teve uma
expressão de repugnância: – Chega a ser obsceno…” (p. 64).

Principalmente a última frase demonstra o que Maria Camila está sentindo, com
relação ao que o inseto faz com a flor e, simultaneamente, ao que a jovem
estagiária está fazendo com o seu casamento.

A seguir, uma parte do diálogo entre as personagens Maria Camila e Matilde:

– (…) A gente vai clareando à medida que envelhece mas as rosas
vermelhas vão escurecendo, veja, ela está quase preta.
– E essa borboleta ainda…
– Deixa – atalhou Maria Camila. Uniu as mãos espalmadas no mesmo
movimento com que a borboleta unira as asas. Suas mãos tremiam. – Há de ver
que a rosa está feliz por ter sido escolhida.
– Mas desse jeito ela vai morrer mais depressa…
– É melhor deixar.
(Telles, 1982, p. 63-64)

No trecho selecionado, pode-se observar a utilização de uma antítese – as
pessoas clareiam, mas as rosas escurecem, à medida que envelhecem. Também a
suposição de Maria Camila, que a rosa estaria feliz por ser a escolhida pela
borboleta, em contraposição à afirmação de Matilde – que a escolha da borboleta
fará com que ela morra mais depressa, são compostas por idéias antitéticas.
O emprego de figuras de linguagem é um recurso estilístico que confere beleza
ao texto em prosa.

O narrador emprega o diálogo entre as personagens, sobre temas banais – a
observação da borboleta e da rosa, o conserto da alça do avental, servir ou não
o chá, para chegar ao tema realmente importante da história, ou seja, o encontro
para o chá entre Maria Camila e a suposta amante de seu marido. O nervosismo de
Maria Camila é traduzido em alguns gestos, principalmente relacionados às mãos da
personagem, gestos que são mostrados para o leitor por meio da focalização
externa. Assim, “Suas mãos tremiam.” (p. 64), “as mãos fechadas” (p. 64),
“tentando dominar o tremor das mãos” (p. 64), “passando nervosamente a ponta do
dedo sobre a rede de veias” (p. 65), “dilacerando a pétala entre os dedos” (p. 65),
“Abriu e fechou as mãos num movimento exasperado.” (p. 66). Além disso, ainda
com o emprego da focalização externa, o narrador informa que Camila está com os
lábios “lívidos” (p. 65), respira “com esforço” (p. 66), está “com os olhos
inchados” (p. 66), apresenta uma “posição tensa” (p. 66), tem “os olhos cheios de
lágrimas” (p. 66).

A mulher esforça-se por permanecer controlada, mas é possível perceber-lhe a
emoção, principalmente pela observação das mãos da personagem. No início, Maria
Camila estende a mão para prender a borboleta pelas asas, mas não chega a completar
o gesto.

Entrelaça novamente as mãos, enquanto observa o inseto. A seguir, o narrador informa
que “suas mãos tremiam” (p. 64). Maria Camila examina “com espanto as próprias mãos
cheias de sardas” (p. 64) e, ao responder para Matilde que a estagiária chegará às
cinco horas, esconde “no regaço as mãos fechadas” (p. 64). Ao responder sobre a idade
da estagiária, novamente o narrador menciona o “tremor das mãos” de Camila, sinal
físico para denotar o nervosismo que a mulher sente.

O narrador heterodiegético, além de fazer a focalização externa da personagem,
também tem acesso a seus pensamentos. Assim, observe-se o trecho a seguir, no qual é
empregado o monólogo interior: “ ‘Que é que eu faço agora?’, murmurou inclinando-se
para a rosa. ‘Eu gostaria que você me dissesse o que é que eu devo fazer!…’ Apoiou
a nuca no espaldar da cadeira. ‘Augusto, Augusto, me diga depressa o que é que eu
faço! Me diga!…’” (p. 66). O leitor tem acesso aos pensamentos de Maria Camila, e
pode perceber que a mulher está desorientada, apesar de tentar manter a calma.

Maria Camila convidou a jovem rival para o chá e acredita que o marido também
aparecerá, “de surpresa” (p. 67). Camila não sabe o que fazer, como deve agir, mas, de
qualquer maneira, resolveu enfrentar o problema. O conto aborda os momentos anteriores
ao encontro – os gestos de Maria Camila, que demonstram a ansiedade que a mulher está
vivenciando, os preparativos para o chá, os gestos que demonstram o nervosismo da esposa
traída (e trocada por uma “menina” de dezoito anos).

Fonte: Biblioteca Digital da UNESP

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