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Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, de Clarice Lispector

by Lucas Gomes

Narrado em terceira pessoa, Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres nos fornece pistas de como
vivenciar a idéia de amor. Na obra, Clarice Lispector parte do discurso mítico amoroso mais banal para
operar uma reestruturação. O caminho escolhido é o da paródia. Os dois títulos do livro, aproximados
pela conjunção, anunciam a tensão entre duas possibilidades: repetir ou inventar.

A evolução da personagem feminina desse romance é plasmada pela transformação do discurso que, iniciado
na intencional duplicação do lugar-comum, logra no decorrer da história alçar-se a outros sentidos.
Sugere possibilidade alternativa de ser vivida uma relação amorosa. Ao longo da escrita, ocorre algo como
uma purgação de tudo aquilo em que a literatura de massa está viciada ao tratar do tema.

Lispector não reproduz padrões tradicionais de oposição masculino/feminino. Ao processar investigação
existencial a partir da condição de seu gênero, acaba por estabelecer articulações ainda mais abrangentes
que a da diferenciação sexual.

É o último romance de Clarice Lispector que trata do mundo puramente feminino, pelo menos na superfície
(e no qual, significativamente, a protagonista avançou anos em relação direta com a autora).

Tem um título quase documentário: “Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres”. A obra esmiúça as dúvidas
e anseios de Lóri, que pela primeira vez experimenta o amor e o prazer, mas tem medo de perder a própria
identidade no processo. O processo, naturalmente, é a sua lenta e não raro, solitária aprendizagem,
através da qual ela logra com sucesso sintetizar os extremos antes irreconciliáveis de independência
(sua vida pessoal) e dependência (o amor ou o vínculo matrimonial).

Enredo

A obra baseia-se na história de Loreley cujo apelido é Lóri, professora primária que passa a viver no RJ
após sair da casa de seus pais, em Campos. De família rica, com quatro irmãos homens, tinha suas regalias
por ser a única filha mulher.

Ela conhece Ulisses, professor de filosofia, numa noite em que esperava um táxi e ele lhe ofereceu
carona. A partir daí, após ter tido outras experiências amorosas, esta era realmente verdadeira. Ela
amava pela primeira vez e tinha que passar por este processo de aprendizagem desse novo sentimento, o
qual ela tinha de aceitar.

Trecho escolhido:


Vestiu o maiô e o roupão, e em jejum mesmo caminhou até a praia. Estava tão fresco e bom na rua! Onde
não passava ninguém ainda, senão ao longe a carroça do leiteiro. Continuou a andar e a olhar, olhar,
olhar, vendo. Era um corpo a corpo consigo mesma dessa vez. Escura, machucada, cega – como achar nesse
corpo-a-corpo um diamante diminuto mas que fosse feérico, tão feérico como imaginava que deveriam ser
os prazeres. Mesmo que não os achasse agora, ela sabia, sua exigência se havia tornado infatigável.
Ia perder ou ganhar? mas continuaria seu corpo-a-corpo com a vida. Alguma coisa se desencadeara nela,
enfim.
E aí estava ele, o mar.
Aí estava o mar, a mais ininteligível das existências não-humanas. E ali estava a mulher, de pé, o mais
ininteligível dos seres vivos. Como o ser humano fizera um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornara-se o
mais ininteligível dos seres onde circulava sangue. Ela e o mar.
Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos
incognoscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões…

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