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Economia – O Brasil após a crise

by Lucas Gomes

Nem uma marolinha, como chegou a prever o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, nem um tsunami, como esperavam muitos empresários. É
assim que analistas descrevem o resultado da crise no Brasil, pelo menos até
o momento.
Um ano depois da quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, alguns indicadores
econômicos, entre eles o crédito e o desemprego, já voltaram
aos níveis pré-turbulência. Mas nem tudo são flores:
as exportações estão 30% menores, e a dívida pública
não para de subir.

Ainda é cedo para análises conclusivas sobre o impacto da crise
no país, já que alguns indicadores podem levar mais tempo para
mostrar os sinais da turbulência. No entanto, já é possível
ter uma ideia de como o país vem se comportando.

Afinal, houve recuperação? Onde? Por quê? Confira alguns
indicadores – sociais, econômicos e políticos – para
ilustrar como estava o país antes da crise e como se encontra agora,
um ano depois. Clique nos links abaixo para saber mais sobre cada tópico:

EMPREGO DESIGUALDADE
E RENDA
CONTAS DO GOVERNO CRESCIMENTO
ECONÔMICO
APROVAÇAO
DO GOVERNO
PAPEL DO ESTADO
NA ECONOMIA
JUROS COMÉRCIO
EXTERIOR

Emprego


Ainda que lentamente, desemprego vem
apresentando queda no Brasil

Antes:

O ano de 2008 foi um dos melhores da história
do país em termos de geração de empregos, seja com carteira
assinada ou no setor informal. A geração de empregos com carteira
assinada bateu recorde no 1º trimestre do ano passado, com 554 mil contratações.
Com a economia brasileira aquecida, praticamente todos os setores foram beneficiados,
com destaque para a indústria de transformação e de construção
civil. O resultado foi um ano de contratações e, como consequência,
de redução do desemprego. O índice de desocupados, que
ficou em 9,3% na média em 2007, caiu ainda mais em 2008: para 7,9% –
o menor índice da série histórica do IBGE.

Depois: Em dezembro de 2008, o mercado de trabalho começou
a mostrar os sinais da crise. Somente naquele mês, 655 mil pessoas foram
demitidas do mercado formal, o pior resultado desde 1999. A situação
se agravou nos quatro meses seguintes. De janeiro a abril, o desemprego no país
subiu de 8,2% para 8,91%. O pesquisador da Fundação Getúlio
Vargas (FGV), Marcelo Neri, diz que a crise atingiu principalmente os trabalhadores
com maiores salários. “A crise certamente foi pior para os ricos”,
diz. Neri avalia que os setores mais afetados – financeiro e indústria
de exportação – costumam pagar salários maiores do
que outros setores, como o de serviços. “Os que ganham menos acabaram
sendo poupados, pelo menos até o momento”, afirma. Mas os especialistas
já veem sinais de retomada. Ainda que lentamente, o desemprego vem caindo
e chegou a 8% em julho – o melhor resultado deste ano. Voltar
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Desigualdade e renda


Pobreza e desigualdade subiram nos
primeiros quatro meses do ano

Antes:

O ganho real do brasileiro apresentava uma trajetória
de crescimento expressivo desde 2003, em função principalmente
da queda da inflação no período e de aumentos significativos
do salário mínimo. Um estudo do Ipea indicava que os ganhos foram
ainda maiores para os trabalhadores de menor renda. De 2003 a 2007, esse grupo
recebeu quatro vezes mais do que os ocupados de maior renda, o que ajudou a
reduzir a desigualdade no país. Em 2008, não foi diferente. O
brasileiro chegou ao mês de dezembro do ano passado recebendo, em média,
R$ 1.284,90 – com ganho de 3,4% no ano, já descontada a inflação.Segundo
o Ipea, todas as categorias tiveram ganho acima da inflação em
2008. Os servidores públicos foram os mais beneficiados, com aumento
real de 4,8%. No setor privado, o ganho foi de 2,4%.

Depois: A partir de janeiro, no entanto, o país registrou
uma forte inversão dos números. A crise se agravou no país,
o desemprego aumentou e, como consequência, a renda do trabalhador passou
a ficar negativa. A renda caiu de forma contínua de janeiro a junho,
com uma perda acumulada de 2,5% no semestre. Uma das hipóteses para a
queda do rendimento nos primeiros meses do ano foi a troca de empregos em meio
à crise. Segundo economistas, a situação fez com que as
empresas não só demitissem, como também contratassem novos
funcionários por um salário menor. Um levantamento feito pela
Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que a pobreza e a
desigualdade – que vinham caindo de forma constante de 2003 a 2008 – voltaram
a subir nos primeiros quatro meses de 2009. A partir de maio, porém,
o cenário volta a melhorar. De acordo com Marcelo Neri, pesquisador da
FGV, os indicadores de pobreza já voltaram ao patamar de 12 meses atrás.
“Empatamos o jogo, pelo menos”, diz o economista. Voltar
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Contas do governo


Para manter economia aquecida, o governo
lançou mão de medidas
fiscais

Antes:

O ano de 2008 foi de recorde para o caixa do governo
federal, que arrecadou R$ 685,6 bilhões, volume 7,6% maior que o de 2007,
já descontada a inflação. O resultado foi impulsionado
principalmente pelo bom desempenho das empresas, que lucraram mais e, portanto,
pagaram mais impostos. Em 2008, o resultado primário (economia feita
pelo governo para pagamento de juros) ficou em 4,07% do PIB – ou seja,
um superávit de US$ 118 bilhões. A conta inclui as três
esferas de governo e as empresas estatais. O resultado foi maior do que a meta
definida pelo governo, de 3,8% do PIB. A dívida líquida em relação
ao PIB, outro importante indicador da solvência de um país, também
caiu ao longo de 2008. De janeiro a dezembro, a dívida caiu 4,3 pontos
para 38,8%.

Depois: A crise, no entanto, acertou em cheio as contas públicas.
Para manter a economia aquecida, o governo federal lançou mão
de medidas fiscais, como a redução do IPI sobre os carros, que
diminuíram o dinheiro em caixa. Além disso, houve uma abrupta
redução dos impostos arrecadados das empresas, que sofreram com
lucros menores. Já são nove meses de quedas seguidas na arrecadação.
Somente neste ano (de janeiro a julho), a receita está 7,3% menor do
que a do mesmo período de 2008. O resultado prejudicou a economia do
setor público. De janeiro a julho, o superávit primário
foi de 2,25% do PIB – menos da metade do valor economizado no mesmo período
do ano passado. A dívida líquida vem crescendo mês a mês.
De acordo com o Banco Central, a dívida do país chegou a 44,1%
do PIB em julho, o que representa uma alta de 4,5 pontos percentuais desde janeiro.
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Crescimento econômico


Economia brasileira saiu da recessão no
segundo trimestre deste ano

Antes:

Até o agravamento da crise financeira, em setembro,
o desempenho da economia brasileira vinha de um período de pelo menos
cinco anos de crescimento e estabilidade, com a inflação sob controle.
No primeiro semestre de 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 6% em relação
ao mesmo período de 2007. Com juros mais baixos e renda maior, as famílias
brasileiras tiveram mais acesso ao crédito, impulsionando o consumo interno.
A indústria e a agropecuária também acumularam bons resultados
nos últimos anos, graças à valorização de
algumas commodities no mercado internacional. De janeiro a setembro de 2008,
o PIB do setor industrial cresceu 6,4%, e o da agropecuária, 4,2%.

Depois: Em setembro, porém, a crise financeira prejudicou
o acesso das empresas ao crédito e desestabilizou as exportações
brasileiras. Além da falta de crédito, as empresas exportadoras
enfrentaram a redução da demanda no mercado internacional. De
setembro a dezembro, o PIB da indústria brasileira encolheu 7,4% em relação
ao mesmo período de 2008. As famílias também sentiram o
baque da crise. Com crédito escasso e mais caro, o consumo interno registrou
uma queda de 2% no último trimestre de 2008, a primeira queda em seis
anos. Com todos esses efeitos negativos, o PIB do 4º trimestre caiu 3,6%
em relação ao trimestre anterior, a maior queda desde 1996. No
primeiro trimestre de 2009, a economia voltou a cair, dessa vez em 0,8%, confirmando
a recessão técnica no país. Estimulada principalmente pelo
consumo interno, a economia brasileira saiu da recessão no 2º trimestre
deste ano, com crescimento de 1,9% – e o governo já estima expansão
de 1% em 2009. Voltar ao topo

Aprovação ao governo Lula


Em setembro, aprovação do governo foi de
65,4%, e a de Lula, de
76,8%

Antes:

A aprovação ao governo Lula, assim como
à figura do presidente, crescia mês a mês desde novembro
de 2005, de acordo com levantamento do Instituto Sensus, a pedido da Confederação
Nacional dos Transportes (CNT). Em novembro de 2005, a avaliação
positiva do governo era de 31,1%. Em setembro de 2008, a poucos dias da quebra
do banco Lehman Brothers, esse número chegou a 68,8%. No mesmo período,
a aprovação (ou popularidade) ao presidente saiu de 46,7% para
77,7%, o maior nível até então registrado pelo instituto.
Pela pesquisa Datafolha, mais antiga que a Sensus, a aprovação
máxima atingida pelo presidente Fernando Henrique Cardoso durante seu
governo foi de 47%. Cientistas políticos creditavam o bom desempenho
do presidente Lula nas pesquisas ao crescimento econômico do período.

Depois: Tanto a aprovação ao governo como ao
presidente Lula continuaram crescendo nos meses imediatamente após o
agravamento da crise financeira. A popularidade do presidente, por exemplo,
chegou a 84% em janeiro. Na pesquisa seguinte, no entanto, o número caiu.
O brasileiro tomou maior conhecimento da crise e, em março, a aprovação
do presidente perdeu quase oito pontos percentuais, para 76,2%. Ainda assim,
um número considerável, especialmente para um presidente em 2º
mandato. A queda, no entanto, mostrou-se passageira. As medidas adotadas pelo
governo, como a redução de impostos sobre carros e eletrodomésticos,
foram bem recebidas pelo brasileiro: em maio, a aprovação do governo
subiu sete pontos, para 69,8%, e a do presidente ganhou cinco pontos, para 81,5%.
Na pesquisa mais recente realizada pelo Sensus/CNT, a aprovação
ao governo e ao presidente voltaram a oscilar para baixo – mas, desta
vez, o motivo apontado não foi mais a crise financeira, e sim a crise
política. Em setembro, a aprovação ao governo foi de 65,4%,
e a do presidente ficou em 76,8%. Voltar
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Papel do Estado na economia


Presidente Lula disse que Estado passou a
ter papel ‘extraordinário’

Antes:

A história recente dos mercados vinha sendo
marcada pelo liberalismo econômico, corrente que nasceu nos Estados Unidos,
na década de 1980, e que foi sendo gradualmente aceita e adotada, sobretudo
nas democracias ocidentais. Uma de suas principais bandeiras é a auto-suficiência
dos mercados. Ou seja, agentes econômicos seriam capazes, por conta própria,
de prevenir o surgimento de novas crises financeiras. Um dos maiores defensores
dessa linha foi o então presidente do Banco Central americano, Alan Greenspan.
Sob sua tutela, o governo dos Estados Unidos adotou um modelo que permitiu maior
liberdade à atuação de instituições financeiras.
O discurso defendido pela maior economia do mundo acabou influenciando o mercado
internacional. Ainda que com ênfases diferentes, os principais países
também passaram a defender a política econômica de não-intervenção
do Estado na economia.

Depois: O surgimento de uma crise no centro financeiro dos
Estados Unidos colocou em xeque o pensamento liberal até então
vigente. O próprio Greenspan admitiu, durante uma audiência no
Congresso americano em novembro passado, ter errado “parcialmente”
na condução da política monetária e financeira.
Com o agravamento da crise, os principais países do mundo passaram a
defender abertamente uma maior participação do Estado na economia.
Essa tem sido, por exemplo, uma das principais bandeiras nas reuniões
do G20 (grupo dos principais países ricos e emergentes). O discurso também
vem sendo adotado no Brasil. Nas palavras do presidente Lula, o Estado passou
a ter um papel “extraordinário”. Em entrevista à BBC
Brasil, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o governo deve ser “indutor”
de alguns setores. “Não é o velho estatismo, mas é
uma maior participação do Estado do que os liberais pregam”,
disse. Voltar ao topo

Juros


Desde janeiro, taxa básica de juros no Brasil
caiu de 13,75% para 8,75%

Antes:

Antes de a crise financeira aportar no Brasil, a equipe
econômica do governo tinha outra preocupação: a volta da
inflação. Ao longo de 2008, o consumo do país vinha crescendo
a uma taxa anual de 9%, o que – para o Banco Central – demonstrava um aquecimento
excessivo. Com juros em queda desde 2003, o brasileiro pegou mais empréstimos.
O crédito para pessoa física, que – no início de 2005 –
correspondia a 7% do PIB, subiu para 12% em janeiro de 2008. Desde o início
de 2008, o Banco Central passou a alertar sobre um provável desequilíbrio:
o consumo andava mais rápido do que a produção, pressionando
os preços para cima. Por esse motivo, em abril de 2008, o Banco Central
decidiu aumentar a Selic para 11,75%, a primeira alta desde 2005. O fantasma
da inflação justificou ainda mais três elevações
dos juros ao longo do ano, chegando a 13,75% em dezembro de 2008.

Depois: Com o agravamento da crise financeira, a partir de
setembro, o Banco Central enfretou um dilema: era preciso decidir o que preocupava
mais, se a inflação ou uma possível recessão. A
decisão foi aguardar: nas reuniões de setembro e dezembro de 2008,
a Selic foi mantida em 13,75%. O setor produtivo, como a Confederação
Nacional da Indústria, e até parte dos analistas de mercado, criticaram
a elevação dos juros em meio à crise econômica –
em movimento contrário ao adotado nas principais economias do mundo.
A partir de janeiro, a política monetária passou a ser usada para
diminuir o impacto da crise no Brasil. Desde então, a taxa caiu de 13,75%
para 8,75%. O consumo interno, que havia caído no 1º trimestre do
ano, voltou a impulsionar a economia no 2º trimestre, com alta de 2,1%.
Em agosto, os juros para pessoas físicas cobrados pelos bancos no país
chega a 7,57% ao mês, o menor nível desde 1995. Voltar
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Comércio Exterior


De janeiro a agosto, houve retração de
24% nas exportações
brasileiras

Antes:

A valorização de commodities no mercado
internacional, aliada a uma política de diversificação
de mercados, contribuiu para a expansão das exportações
brasileiras nos últimos anos. De 2003 a 2008, as vendas de produtos brasileiros
no exterior cresceram 174%, ajudando a impulsionar a indústria no país.
Com o consumo no país em alta, as importações tiveram um
desempenho ainda mais significativo, com alta de 258% no mesmo período.
No acumulado de janeiro a setembro de 2008, ou seja, até o agravamento
da crise financeira, as exportações bateram recorde, com vendas
de US$ 150,8 bilhões.

Depois: A quebra do banco Lehman Brothers acertou em cheio
a oferta de crédito internacional. Com isso, as empresas exportadoras
brasileiras enfrentaram sérias dificuldades para encontrar financiamento
no exterior. O setor teve de lidar ainda com a redução do consumo
mundial, diante da possibilidade de uma recessão generalizada. O comércio
internacional foi fortemente afetado pela crise. O resultado tem sido a queda
nas exportações brasileiras. De janeiro a agosto, houve retração
de 24% sobre o mesmo período de 2008. A crise não só diminuiu
o volume das vendas, mas também mudou o perfil dos produtos exportados:
os industrializados vêm perdendo espaço para os produtos básicos
(commodities) – o que alguns economistas descrevem como um “empobrecimento”
das exportações brasileiras. Voltar
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BRASIL MAIS FORTE NO FMI ‘NÃO É CRENÇA, É
REALIDADE’, DIZ EX-DIRETOR

O
ex-diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI) e ex-ministro
das Finanças da Espanha, Rodrigo de Rato, disse que o aumento da participação
do Brasil e de outros emergentes no FMI não é uma questão
de crença, mas sim uma “realidade objetiva”.

“O Brasil, como outros países, tem hoje um peso maior do que as
suas cotas e pode esperar que isso se reflita [já]”, disse Rato
em entrevista à BBC Brasil sobre a reforma de cotas do FMI prevista para
janeiro de 2011.

Para ele, uma “boa notícia” da atual crise foi o fortalecimento
de países emergentes, que estão ajudando na recuperação
econômica. “Esta crise é histórica do ponto de vista
dos países industrializados, já que pela primeira vez na história,
toda a OCDE teve crescimento negativo durante vários trimestres em 2008
e 2009, mas ainda assim a economia mundial teve possibilidade de ter crescimentos
positivos, através dos países emergentes”, disse.

Rato é hoje um dos diretores da Lazard, empresa do setor financeiro.
De seu escritório em Madri, ele conversou por telefone com a BBC Brasil.

BBC Brasil – Antes da atual crise mundial, muitas pessoas
já diziam que o FMI precisava de uma reforma e que o papel da instituição
no mundo estava ficando obsoleto. Mas desde o começo da crise, o FMI
ganhou muita força. Pode-se dizer que o FMI ganhou com a crise?

Rodrigo de Rato – Eu não acredito que o FMI tenha ganho
com a crise. Eu acho que o FMI respondeu à crise e tem sido muito útil
para os países do mundo, demonstrou que é uma instituição
essencial para a governança mundial e também para resolver os
problemas macroeconômicos e financeiros dos países. Durante os
anos 2004 a 2007, havia em alguns lugares a crença de que os mercados
de capitais privados poderiam resolver as crises sem nenhum problema. Mas com
a crise, houve uma equivocada avaliação de risco por parte do
setor privado e ele precisou mais uma vez da ajuda internacional. E por isso
o FMI desempenhou um papel muito importante na solução da crise
em geral. Pode-se dizer que o FMI estava preparado para atuar, com os instrumentos
apropriados e com sua legitimidade global.

BBC Brasil – Um dos pontos da cúpula do G20 foi antecipar
a reforma do FMI para 2011 em vez de 2013. O que o senhor acha que vai mudar
nesta reforma?

Rato – A verdade é que a reforma do FMI como instituição
está em processo ao longo do tempo. O mundo mudou desde 1944, e portanto
o FMI já passou por várias reformas. Desde 2005, a instituição
está em um processo de reforma para aumentar seu papel nas relações
entre a economia financeira e a economia real, e ajudar os países a atingir
a boa saúde do seu sistema financeiro, com um programa voluntário.
Também o FMI estava em um processo para melhorar seus instrumentos de
resposta e prevenção de crises. Algumas [destas decisões] estão sendo finalmente colocadas em prática, como as facilidades
para países emergentes que não tiveram problemas macroeconômicos,
mas que podem necessitar de maior liquidez em algum momento. E também
o FMI está em um processo, que começou em Cingapura em 2006, de
aumentar o peso dos países emergentes. Eu entendo que o G20 quer acelerar
esse processo de governo e que os países emergentes tenham maior papel
na instituição. Isso é um processo em andamento.

BBC Brasil – Quais são os países emergentes
que terão um papel diferente no FMI, com esta reforma?

Rato – Não se trata de fazer uma lista, mas é
inquestionável que há muitas economias emergentes que nos últimos
dez, 15 anos aumentaram o seu tamanho e importância na economia mundial,
tanto na Ásia como na América Latina. Há países
que tinham um papel muito pequeno e limitado na economia mundial e que hoje
têm responsabilidades importantes. Uma das questões claras é
que neste momento – em 2009 – mas também no próximo ano, a economia
mundial vai depender das economias emergentes, e portanto são as economias
emergentes que precisam ter maior responsabilidade. E uma parte disso é
ter mais peso e voz no Fundo. Se você analisar o peso de algumas economias
no mundo e comparar com as cotas que cada um tem no FMI, verá que há
diferenças. E isso também acontece com economias industrializadas,
como é o caso da Espanha. Mas são as economias emergentes que
estão mais fora do compasso. Mas não se deve criar blocos, como
as economias do Sul contra as do Norte. O que acontece é que as economias
industrializadas ou emergentes que aumentaram sua participação
na economia mundial devem ter uma capacidade maior de voto, com mais cotas no
FMI.

BBC Brasil – O senhor acredita que o Brasil e a China, por
exemplo, são dois países que deveriam ter mais cotas e mais voz
no FMI?

Rato – Não se trata de uma crença minha. É
uma realidade objetiva. A China é a segunda ou terceira economia mundial,
vai se tornar o principal exportador do mundo, provavelmente superando a Alemanha,
e tem um nível extraordinário de reservas. É lógico
que a China tenha não só mais voz como maior responsabilidade.
E, além disso, todos reconhecem agora a importância desses países
para a estabilidade financeira. Não só da China, como de outros
países como a Alemanha, o Japão, o Brasil, que você mencionou,
a Índia e o México. Sendo o FMI o fórum de coordenação
e de governança mundial, onde estão representados todos os países
do mundo, e sendo o sistema de decisão do Fundo baseado em pesos – onde
nem todos os países têm o mesmo peso – é lógico que
estes pesos sejam revisados.

BBC Brasil – O que o Brasil pode esperar concretamente desta
reforma do FMI? Mais cotas, somente?

Rato – O Brasil, como outros países, tem hoje um peso
maior do que as suas cotas e pode esperar que isso se reflita [na reforma].
Mas não se trata só das cotas de um país, mas também
de uma maior capacidade de influência do conjunto dos países emergentes.
O Brasil, como outros países, se beneficia de uma instituição
internacional que possa a qualquer momento dar financiamentos e ajudar os países
a prevenir as crises e identificar os riscos macroeconômicos. O fato de
os países emergentes nesta crise terem sido menos afetados do que os
países industrializados se deve a muitos desses emergentes – entre eles
o Brasil – terem seguido políticas macroeconômicas de estabilização
e que melhoraram sua resistência. Neste sentido, o trabalho realizado
pelo FMI com alguns países, como o Brasil, foi útil. Esta é
a diferença do Brasil de 2001 e 2002 para o Brasil de 2009. Não
há dúvida de que a ajuda e o respaldo financeiro do Fundo foram
muito úteis para que o Brasil possa ter aplacado os efeitos da crise
mais eficientemente. E isso é uma boa notícia para o mundo, o
fato de que houve acontecimentos econômicos positivos em países
como Brasil, Colômbia, Chile, Indonésia, Tailândia, China
e Índia.

BBC Brasil – Os países emergentes não foram
tão gravemente afetados pela crise quanto os países desenvolvidos.
Pode se dizer que esta crise fortaleceu o papel dos emergentes no mundo?

Rato – Desde 2006 e 2007, aproximadamente 50% do crescimento
mundial já estava nas mãos dos chamados países não-industrializados.
No caso da Rússia, isso estava relacionado com o preço do petróleo,
mas não há dúvidas de que países como China, Brasil,
Índia e outros estavam cada vez mais dinâmicos e estáveis.
Esta crise é histórica do ponto de vista dos países industrializados,
já que pela primeira vez na história, toda a OCDE teve crescimento
negativo durante vários trimestres em 2008 e 2009, mas ainda assim a
economia mundial teve possibilidade de ter crescimentos positivos, através
dos países emergentes. E o caso mais claro é o da China, mas na
América Latina também temos o caso do Brasil, Peru, Colômbia
e Chile. E mesmo o México, que está sofrendo mais pela sua relação
próxima com os Estados Unidos, é hoje uma economia muito mais
estável. Eu acredito que o mundo hoje tem fontes de crescimento mais
diversificadas do que há 20 anos. Dois terços da economia mundial
ainda dependem dos países industrializados, mas o fortalecimento dos
países emergentes é uma boa notícia para eles e indica
que há milhões de pessoas que têm mais oportunidades. E
aí eu acredito que o trabalho realizado pelos governos e pelas instituições
internacionais – como o FMI, o Banco Mundial e o Pacto da Basiléia –
compartilhando boas práticas só está fortalecendo o sistema
internacional multilateral.

BBC Brasil – Quais são os maiores riscos para os emergentes
no futuro próximo? O que poderia eventualmente enfraquecê-los?

Rato – Primeiro os riscos são financeiros, porque os
mercados financeiros internacionais e os fluxos de capitais se ressentiram com
a crise. Este risco continuará constante. Por um lado, isso deveria levar
a políticas moderadas de expansão de gasto e também para
os países se fazerem mais atraentes para os investimentos internacionais.
Em segundo lugar, há riscos para as exportações e para
o comércio internacional. A não-recuperação das
economias industrializadas seria uma má notícia para os países
emergentes, porque o papel deles segue muito importante. E em terceiro lugar,
esta crise permitiu que muitos países emergentes adotassem políticas
anticíclicas, políticas fiscais e políticas monetárias
expansivas, e é inquestionável que os emergentes precisam seguir
sem que suas economias se desequilibrem. Se houve uma lição desta
crise, é que as políticas macroeconômicas moderadas, de
redução de dívidas, de contenção de despesas
públicas e de melhora de competitividade foram muito úteis. Portanto,
essa lição foi boa, e eles não devem se esquecer disso.

BBC Brasil – Algumas pessoas dizem que se a economia global
se recuperar muito rapidamente da crise, muitos países industrializados
não vão querer promover reformas na ordem econômica mundial.
Isso é um risco?

Rato – Acho que não. Isso seria um terror. Como eu
disse, a reforma do FMI já começou antes da crise em todos os
pontos – em seus instrumentos, na coordenação multilateral, na
identificação de riscos para a estabilidade financeira. Também
já havia começado antes a reforma do peso dos países emergentes
e não-emergentes. Portanto, não acredito que é só
a crise que provocou isso, é a realidade. A crise acelerou processos,
mas a realidade já estava aí antes da crise. O Fundo pôs
em marcha a reforma de cotas já no ano de 2006, portanto já há
um tempo que pleiteamos essas questões. Os primeiros países que
se beneficiaram foram México, Turquia, Coréia do Sul e China,
e agora na segunda fase esta reforma beneficiará países como Índia
e Brasil. Não posso acreditar que vamos voltar para o passado. A história
vai na direção que vai, e por sorte esses países estão
muito mais prósperos do que há 20 anos, e isso não faz
mal a ninguém.

MUNDO: O QUE VIRÁ DEPOIS DA TORMENTA

Renomados especialistas internacionais avaliam as perspectivas econômicas
e sociais do mundo que emergirá da pior crise financeira desde 1929



Edmund Phelps
Ganhador do Nobel de Economia de 2006
“A demanda por investimentos nos EUA continuará
fraca, o que pode ser uma oportunidade para a América Latina atrair
recursos. O sistema financeiro não escapará de uma ampla reformulação.
Haverá mudanças regulatórias no mercado de hipotecas,
no funcionamento das agências de rating e nos bancos. Assim, setores
que não eram de maneira alguma regulados passarão a ser. Teremos
de nos preocupar ainda com a perda de dinamismo nos ganhos de produtividade
do setor privado.”


Edward Prescott
Ganhador do Nobel de Economia de 2004
“As finanças americanas precisam passar por uma profunda reforma.
O que queremos é um sistema financeiro que não desperdice
recursos e que sirva bem às pessoas. Contudo, as fortes conexões
entre Wall Street e Washington não permitem ter muita esperança
de que serão feitas mudanças significativas. No que diz respeito
ao Brasil, assim como em outros grandes emergentes, um ponto fundamental
é batalhar pelo aumento da competitividade. É importante pôr
em prática políticas de redução de impostos
e de estímulo à produtividade.”


Demetrios Papademetriou
Presidente do Instituto de Política Migratória
“Reduziu-se a intenção das pessoas de deixar países
mais pobres em busca de novas oportunidades. Se o mercado de trabalho das
economias avançadas demorar a se recuperar, é provável
que ocorram mudanças estruturais nos fluxos migratórios. Nos
EUA já existem pessoas adiando sua aposentadoria e aposentados que
voltaram ao batente. Esse é um elemento que pode restringir as oportunidades
para os imigrantes.”

John Taylor
Professor da Universidade Stanford
“O Brasil e outros grandes países emergentes alinharam-se,
nos últimos anos, a boas práticas de política monetária
e fiscal. Assim, conseguiram sair-se relativamente bem durante a crise,
se comparados às economias desenvolvidas. No atual momento, meu temor
é que os estrategistas econômicos ao redor do mundo passem
a confiar demais em políticas de intervenção do estado
na economia. Não gostaria de ver uma regressão nesse aspecto.”


George Magnus
Autor do livro The Age of Aging
“No Ocidente, as sociedades ficarão ainda mais velhas, com
população estável ou em declínio. Já
em muitos países em desenvolvimento, as populações
continuarão a se expandir e serão, por muito tempo ainda,
bem mais jovens. Toda essa juventude terá aspirações
de prosperidade e poder. O mundo necessitará de instituições
preparadas, um arranjo institucional adequado e vontade política
para enfrentar os desafios que surgirão.”
Raghuram
Rajan

Professor de finanças da Universidade de Chicago
“Um dos grandes desafios é descobrir que tipos de inovação
queremos. A dificuldade é tecer uma nova estrutura que nos traga
mais soluções que problemas. Ninguém sabe, por enquanto,
exatamente como fazer isso. Uma saída que parece inevitável
é alterar as regras de funcionamento e fiscalização
dos mercados financeiros. Mas é errado pensar em mais regulação.
Precisamos, sim, de um marco que seja mais eficiente e não desestimule
a criatividade.”


Allan Meltzer
Professor da Universidade Carnegie Mellon
“A economia americana verá agora uma recuperação
no setor privado, graças, sobretudo, a uma combinação
de redução de estoques e estímulo monetário.
O problema é que eventuais aumentos de produtividade serão
bem pequenos. Podemos esperar, então, que a expansão econômica
seja instável e lenta. Além disso, o governo Obama vai ter
de administrar um grave problema nos próximos dois anos: a inflação
em alta.”


Duncan Niederauer
Presidente da Bolsa de Nova York
“A grande lição que os Estados Unidos tomaram com a
crise é que a falta de regulação e de transparência
constituiu uma fórmula extremamente perigosa. Aprendemos principalmente
que a existência de muita alavancagem financeira, boa parte dela não
fiscalizada, impede o desenvolvimento dos negócios a longo prazo.
Reverter essa falha nada tem a ver com regulação excessiva.
Trata-se apenas de tornar mais eficiente um mercado que se tornou imenso
em nosso país.”


Barry Einchengreen
Professor da Universidade da Califórnia em Berkeley
“A economia mundial perderá boa parte de seu fôlego.
Isso acontecerá principalmente porque os Estados Unidos e a Europa
crescerão mais vagarosamente, pois terão de administrar o
enorme peso de seu endividamento. E essa expansão econômica
mais lenta será liderada não mais pelo setor de construção
residencial. Haverá outros segmentos que se destacarão.”


Moisés Naím
Ex-diretor do Banco Mundial
“A grande surpresa negativa que tivemos foi a debilidade da Europa,
onde uma dezena de governos caiu desde o início da crise. Já
a China e o Brasil se saíram melhor do que se esperava. De modo geral,
vimos um crescimento da ação do estado na economia em todo
o mundo. Foi a saída possível para que se evitasse um mal
maior. Passada essa fase, os governos, sem dúvida, terão um
peso maior nas economias relativamente ao que se viu nas últimas
duas décadas.”

MUNDO SOFRERÁ NOVA CRISE FINANCEIRA, DIZ EX-DIRETOR DO FED

Em
entrevista à BBC, o ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central
americano), Alan Greenspan, afirmou que o mundo sofrerá outra crise financeira.
“A crise acontecerá novamente, mas será diferente”,
disse Greenspan ao programa Love of Money, da emissora BBC Two.

Segundo ele, a nova crise viria como uma reação a um longo período
de prosperidade. De acordo com Greenspan, apesar de levar tempo e de se tratar
de um processo difícil, a economia global eventualmente irá “superar”
a crise.

Alan Greenspan foi o presidente do Fed por 18 anos, deixando o cargo em 2006.
Durante esse período, era considerado uma das pessoas mais influentes
do mundo, já que suas decisões a respeito da condução
da economia americana afetavam diretamente todo o sistema financeiro global.

Uma das maiores críticas feitas a Greenspan é que ele manteve
as taxas de juros americanas baixas demais por um tempo excessivo, facilitando
a oferta de crédito e, assim, alimentando a bolha imobiliária
que está na raiz da atual crise.

As declarações do ex-presidente do Fed coincidem com o aniversário
da quebra do banco de investimentos americano Lehman Brothers, que desencadeou
a atual crise financeira global.

‘Natureza humana’

“As crises financeiras são todas diferentes, mas todas têm
uma fonte fundamental”, disse Greenspan. De acordo com ele, essa fonte
seria a “insaciável capacidade dos seres humanos quando confrontados
com um longo período de estabilidade de presumir que esse período
continuará”.

Segundo o economista, o comportamento faz parte da “natureza humana”.
“É a natureza humana, até que alguém encontre uma
forma de mudar essa natureza, teremos mais crises e nenhuma delas será
como essa porque nenhuma crise tem algo em comum com a outra, além da
natureza humana”, afirmou.

Greenspan afirmou ainda que a crise atual foi desencadeada pelas negociações
das hipotecas subprime nos EUA, quando empréstimos foram liberados a
pessoas com histórico ruim de crédito, mas ele afirmou que qualquer
outro fator poderia ser o catalisador do problema.

“Se não fosse pelo problema dessas dívidas podres, algo
teria emergido mais cedo ou mais tarde”, disse Greenspan. Apesar disso,
o ex-presidente do Fed afirmou que a crise atual é “um evento que
ocorre uma vez por século” e que ele não esperava testemunhar
um evento como esse.

Riscos

Greespan alertou também que as instituições financeiras
deveriam ter observado que uma crise estava a caminho. “Os banqueiros
sabiam que estavam envolvidos em um risco de subavaliação e que
em algum ponto uma correção seria necessária”, disse.
“Eu temo que muitos tenham pensado que seriam capazes de identificar o
estopim da crise em tempo de sair fora”, afirmou Greenspan.

Recuperação

O ex-presidente do Fed fez algumas recomendações para prevenir
uma nova crise financeira. Segundo ele, é necessário que financistas
e governos procurem combater a fraude e aumentem os requisitos de capital para
os bancos e recomendou ainda uma maior regulação do sistema bancário.

O economista advertiu ainda que qualquer medida que vise o caminho para a recuperação
econômica deve se afastar do protecionismo. “Não há
como ter livre comércio global com mercados domésticos muito restritivos
ou regulados com muita rigidez”, afirmou.

Fontes: BBC Brasil | Revista VEJA

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