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Educadores avaliam: Enem precisa recuperar credibilidade

by Lucas Gomes

A credibilidade do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Sistema
de Seleção Unificada (SiSU) está ameaçada. Os mais
críticos, como o secretário estadual de Educação
de São Paulo, Paulo Renato Souza, dizem que o processo de avaliação
e distribuição de vagas em universidades fracassou. Os mais otimistas,
como o presidente da ONG Todos pela Educação, Mozart Neves Ramos,
avaliam que ainda é possível recuperar esta credibilidade colocada
em cheque desde o furto da prova em outubro do ano passado.

O “novo Enem” foi divulgado pelo Ministério da Educação
como um processo que iria democratizar as oportunidades de acesso às
vagas federais de ensino superior, possibilitar a mobilidade acadêmica
e induzir a reestruturação dos currículos do ensino médio.
“O ensino médio tem de ser mais interdisciplinar e só será
assim se o vestibular também exigir este comportamento. As escolas mudam
o conteúdo das aulas de acordo com o interesse dos alunos. Neste ponto,
o Enem pode contribuir, mas ainda precisa de uma análise pedagógica”,
comenta Mozart Neves Ramos, que também é professor da Universidade
Federal de Pernambuco.

O MEC, segundo Ramos, subestimou a logística do processo de aplicação
do Enem e contratou uma empresa – a Connasel (Consórcio Nacional
de Avaliação e Seleção) – que não tinha
experiência. “Começou a aparecer um conjunto de erros que
deteriorou uma imagem positiva que o Enem tinha. Agora é necessário
fazer um balanço com reitores, especialistas e secretários de
Educação dos Estados. Além de trabalhar o aspecto da logística,
é necessário mexer no aspecto pedagógico da avaliação.
Só assim voltará a ter credibilidade.”

Remi Castioni, doutor em Educação pela Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp) e professor-pesquisador da Universidade de Brasília
(UnB), avalia que a adoção do Enem como mecanismo de acesso à
educação superior surgiu “meio do nada”. “Não
existia nenhuma discussão precedente sobre isso. A discussão que
existia era de mudar o ensino médio, que o ministro fala com toda razão
que é o elo frágil da educação básica. Mas
nunca esteve em discussão usar o Enem para isso.”

O professor critica o fato de o “novo Enem” ter sido elaborado
sem a participação dos Estados e não acredita na possibilidade
do exame mudar o ensino médio. “O ensino médio é
de competência dos Estados e em nenhum momento eles não foram chamados
para discutir o Enem. O MEC chamou basicamente as universidades”, aponta.
“Primeiro tem que mudar o ensino médio, para depois mudar o sistema
de avaliação, e não o contrário. Não adianta
achar que com a mudança do Enem vai mudar o ensino médio. Não
vai. Há mais de dez anos o ensino médio não muda”,
enfatiza Castioni.

Para Luis Carlos de Menezes, físico, professor da USP e um dos criadores
do “antigo Enem”, o exame nacional como forma de acesso ao ensino
superior chegou em “hora razoável”. No entanto o Enem precisa
de aperfeiçoamento, na opinião do professor. “A vocação
do antigo Enem não era ser um vestibular, e sim um exame para o aluno
conhecer suas qualificações. A mudança ao longo dos anos
não era prevista pelos autores da matriz. Mas não adianta querer
negar os fatos, o Enem virou uma parte de uma centena de vestibulares”,
avalia.

Menezes afirma que o Enem precisa melhorar de qualidade e ser estabilizado
como exame nacional. “O Enem tem que ser aperfeiçoado. Se ele se
tornar um bom exame, ele é bem vindo. Quase todos os países desenvolvidos
do mundo têm um exame terminal desta natureza. Isso é uma coisa
que podemos desejar que aconteça, mas não podemos garantir.”

O secretário de Educação de São Paulo, Paulo Renato
Souza, responsável pela sua criação na época em
que era ministro da Educação, avalia que o Enem “fracassou”.
“O vazamento foi um aspecto, mas a desorganização logística
que pude observar de São Paulo era monumental. Foi uma coisa feita às
pressas com o objetivo de dizer: “Criamos um vestibular nacional”.
Não havia tempo para isso. E os fiascos se sucederam. Isso é jogar
com a vida das pessoas. Irresponsavelmente. Fracassou”

Paulo Renato argumenta ainda que o governo tentou usar o Enem para fins eleitorais.
“Acho que para a promoção do ministro (Fernando Haddad),
não sei exatamente. Não havia a necessidade de fazer uma mudança
no Enem de forma atabalhoada, com tanta pressa. O passo seguinte do Enem, já
que o ministro tem condições de negociar com as universidades
federais e oferecer prêmios e recursos em função de políticas
adotadas, seria dizer que o Enem seria a primeira fase de todos os vestibulares.
Agora querer substituir integralmente o vestibular pelo Enem você cai
num problema de ter de ser muito específico no exame. Perdeu a característica
de ser um exame geral que aferisse habilidades e competências.”

SiSU

Remi Castioni afirma que o SiSU foi criado para resolver um problema operacional
do MEC. “O ministério fez uma expansão da educação
superior, com a abertura de novos campi e principalmente com a expansão
da educação profissional e tecnológica. Esses institutos
não tinham tempo, nem experiência para realizar vestibulares. Não
à toa, essa expansão motivou um número grande de candidaturas
para os cursos tecnológicos. Nesse aspecto o SiSU foi perfeito. Porém,
teve muitos problemas tecnológicos. Evidentemente o MEC não tinha
capacidade de suportar tantos acessos”, alega.

O professor comenta ainda que o SiSU não contagiou todas as universidades,
muitas delas por terem seleções específicas (como a prova
discursiva, por exemplo). “Grandes instituições localizadas
nas capitais não aderiram ao sistema. Ainda estão em processo
de reflexão (sobre o sistema).”

O professor e ex-coordenador do vestibular da Unicamp Leandro Tessler diz que
faltou experiência ao MEC na utilização do SiSU para distribuir
vagas nas universidades federais. “Na Unicamp, por exemplo, são
necessárias dez rodadas (chamadas) para ocupar três mil vagas.
Eles foram otimistas em realizar apenas três chamadas.” Além
disso, as rodadas de chamadas, segundo ele, têm de ser mais rápidas
para que as matrículas sejam mais ágeis.

Na opinião de Tessler, erros tiram a credibilidade do processo. “A
lentidão no primeiro dia de inscrição no SiSU foi inadmissível.
Não foi dimensionada a demanda.”. O professor afirma que é
a favor de utilizar a nota do Enem apenas para preencher vagas de cursos com
pouca demanda nas universidades. “É um mecanismo adequado quando
não tem competição.”

Mozart Ramos credita ao SiSU a possibilita de mobilidade do estudante. São
ofertadas vagas em universidades federais de todo o País. Na sua opinião,
no entanto, é importante atrelar esta mobilidade a programas de bolsas.
Muitos estudantes não têm dinheiro para se manter em outros Estados.

De acordo com Ramos, o fato de o estudante ter tido três opções
de cursos na hora de escolher a universidade pode ter contribuído para
o alto índice de matrículas não efetivadas. Ele conta que,
quando exerceu o cargo de pró-reitor da Universidade Federal de Pernambuco,
desenvolveu um estudo e concluiu que o índice de abandono era enorme
quanto os estudantes podiam optar por três cursos no ato de inscrição
do vestibular. “Agora eles só podem optar por um curso, aquele
que realmente querem. O índice de abandono diminuiu consideravelmente.”

Créditos: Gabriela Dobner e Marina Costa, para o IG

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