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Economia – A crise imobiliária americana

by Lucas Gomes

A Casa dos Representantes dos EUA (Câmara dos Deputados) havia rejeitado
uma proposta do governo de criar um pacote de US$ 700 bilhões para ajudar
o setor financeiro americano. A decisão tem potencial poderia dar fôlego
renovado a uma crise que já tem mais de um ano e não dá
sinais de que esteja perto do fim.

Bancos de diversos ramos – investimentos, varejo, hipotecas -, nos EUA e em
outros países, já sofreram prejuízos bilionários
e em alguns casos fecharam desde agosto do ano passado. O pacote do governo,
rejeitado na segunda-feira (29/09), foi o último de uma série
de passos dados pelo governo nesse período, de cortes de juros a um pacote
de US$ 168 bilhões para estimular a economia, na tentativa de evitar
que a crise financeira se torne uma crise econômica.

A raiz do problema está no mercado imobiliário. Observe:

“Boom” imobiliário

O mercado imobiliário americano passou por uma fase de expansão
acelerada logo depois da crise das empresas “pontocom”, em 2001. O
Federal Reserve (Fed, o BC americano) passou a reduzir sua taxa de juros, a
fim de baratear empréstimos e financiamentos e encorajar consumidores
e empresas a voltarem a gastar.

O setor imobiliário se aproveitou desse momento de juros baixos: a demanda
por imóveis cresceu, atraindo compradores. Em 2003, por exemplo, os juros
do Fed chegaram a cair para 1% ao ano –menor taxa desde o fim dos anos 50.

Em 2005, o “boom” no mercado imobiliário já estava
avançado; comprar uma casa (ou mais de uma) tornou-se um bom negócio,
não só para quem queria adquirir a casa própria, mas também
para quem procurava em que investir. Também cresceu a procura por novas
hipotecas, a fim de usar o dinheiro do financiamento para quitar dívidas
e consumir.

As companhias hipotecárias descobriram nessa época um nicho ainda
a ser explorado no mercado: o de clientes do segmento “subprime”,
caracterizados, de modo geral, pela baixa renda, por vezes com histórico
de inadimplência e com dificuldade de comprovar renda. O segmento “subprime”,
assim caracterizado, representa um risco maior de inadimplência que os
de outras categorias de crédito. mas justamente por ser de maior risco,
as taxas de retorno são bem mais altas.

A promessa de retornos altos atraiu gestores de fundos e bancos, que compram
esses títulos “subprime” das companhias hipotecárias
e permitem que uma nova quantia em dinheiro seja emprestada, antes mesmo do
primeiro empréstimo ser pago. Um outro gestor, interessado no alto retorno
envolvido com esse tipo de papel, pode comprar o título adquirido pelo
primeiro, e assim por diante, gerando uma cadeia de venda de títulos.

Porém, se a ponta (o tomador) não consegue pagar sua dívida
inicial, ele dá início a um ciclo de não-recebimento por
parte dos compradores dos títulos. O resultado: todo o mercado passa
a ter medo de emprestar e comprar os “subprime”, o que termina por
gerar uma crise de liquidez (retração de crédito).

Após atingir um pico em 2006, os preços dos imóveis, no
entanto, passaram a cair: os juros do Fed, que vinham subindo desde 2004, encareceram
o crédito e afastaram compradores; com isso, a oferta começou
a superar a demanda e, desde então, o que se viu foi uma espiral descendente
no valor dos imóveis.

Com os juros altos, a inadimplência aumentou e o temor de novos calotes
fez o crédito sofrer uma desaceleração expressiva no país
como um todo. Sem oferta suficiente de crédito, a economia dos EUA desaqueceu.
Com menos liquidez (dinheiro disponível), menos se compra, menos as empresas
lucram e menos pessoas são contratadas.

No mundo da globalização financeira, créditos gerados
nos EUA podem ser convertidos em ativos que vão render juros para investidores
na Europa e outras partes do mundo. Por isso o pessimismo influencia os mercados
globais.

Primeiros efeitos

Esse era o cenário quando o o BNP Paribas Investment Partners –divisão
do banco francês BNP Paribas– congelou, em agosto do ano passado, cerca
de 2 bilhões de euros dos fundos Parvest Dynamic ABS, o BNP Paribas ABS
Euribor e o BNP Paribas ABS Eonia. A alegação do banco era de
preocupações sobre o crédito “subprime” nos EUA.

Diante dessa medida, o mercado imobiliário reagiu com pânico.
Gigantes do setor hipotecário, como a American Home Mortgage (AHM), uma
das 10 maiores empresa do setor de crédito imobiliário e hipotecas
dos EUA, pediu concordata. A Countrywide Financial, outra gigante do setor,
teve de ser comprada pelo Bank of America.

Citigroup, UBS, Bear Stearns e outros grupos financeiros de escala global perderam
bilhões com os papéis ligados a hipotecas “subprime”.

Um ano depois

A crise, longe de perder fôlego, teve suas forças renovadas desde
o início deste mês: as gigantes hipotecárias americanas
Fannie Mae e Freddie Mac deram sinais de que poderiam quebrar. Com quase a metade
dos US$ 12 trilhões em empréstimos para a habitação
nos EUA em seus registros, o Departamento do Tesouro interveio para evitar o
pior: anunciou uma ajuda de até US$ 200 bilhões.

O Lehman Brothers, no entanto, foi deixado à própria sorte: afetado
pelas perdas com a crise dos “subprime”, o banco viu malograrem tentativas
de encontrar um comprador e de levantar fundos junto a outras instituições
privadas para tocar suas operações financeiras. Mesmo o governo
negou um empréstimo. No último dia 15, a solução
encontrada pelo banco foi pedir concordata.

Ao fim do Lehman se seguiram a venda do Merrill Lynch ao Bank of America; a
ajuda de US$ 85 bilhões à seguradora AIG, também sob risco
de quebrar por falta de fontes de captação de empréstimos
a quebra do banco do segmento de empréstimos em poupança (“savings
& loans”) Washington Mutual (WaMu) –no que, segundo analistas, foi
a maior falência de um banco nos Estados Unidos–; e, hoje, foi anunciada
a venda do Wachovia ao Citigroup.

A venda ao Citigroup foi feita com assistência da FDIC (Corporação
Federal de Seguro de Depósito, na sigla em inglês, órgão
do governo que garante operações do setor bancário americano),
que irá absorver as perdas do Wachovia acima de US$ 42 bilhões.
Além disso o órgão do governo receberá US$ 12 bilhões
em ações e garantias do Citigroup.

Os problemas do Wachovia têm boa parte de sua origem na aquisição
da companhia hipotecária Golden West Financial em 2006, por cerca de
US$ 25 bilhões, quando o mercado imobiliário ainda estava em um
momento de euforia. Com a compra, o Wachovia assumiu US$ 122 bilhões
em hipotecas do tipo ‘Pick-A-Payment’, na qual a Golden West era especialista.
Nessa modalidade, os mutuários tinham permissão para deixar de
fazer alguns pagamentos.

Combate

O pacote de estímulo aprovado em fevereiro surtiu algum efeito, com
o envio de cheques de restituições aos contribuintes. O dinheiro
extra favoreceu os gastos dos consumidores entre abril e julho, o que se refletiu
nos dados do PIB (Produto Interno Bruto): no segundo trimestre, a economia cresceu
2,8% (ligeiramente menor que os 3,3% em um cálculo prévio). Analistas
dizem, no entanto, que, sem o benefício do dinheiro extra, nos próximos
trimestres o desempenho econômico americano deverá ser inferior.

O pacote rejeitado, de US$ 700 bilhões, foi outra iniciativa para evitar
que a crise financeira contamine a economia. O secretário do Tesouro
dos EUA, Henry Paulson, e a Casa Branca, manifestaram desapontamento com a rejeição.
Paulson disse que é preciso “chegar a um texto que todos possam
aprovar” e de “um plano que funcione, o mais rápido possível”.

Já o porta-voz da Casa Branca Tony Fratto reconheceu que “não
há dúvidas de que o país está enfrentando uma crise
difícil”. Horas antes, o presidente dos EUA, George W. Bush, pediu
mais uma vez a aprovação do pacote, o que aconteceu já
aconteceu. “Votar essa lei é votar na prevenção de
danos econômicos a vocês e às suas comunidades”, afirmou.

Bush ainda havia afirmado que, apesar da aprovação do pacote
de ajuda, a economia americana ainda deverá sentir o impacto da crise
“por algum tempo”. “No longo prazo, os EUA vão superar
os desafios e continuar a ser a maior economia do mundo”, afirmou.

COMO A CRISE PODE AFETAR O BRASIL

Menos crédito

Uma das principais vias de contágio da crise internacional se dá
por meio da falta de crédito. Com a crise atual, há menos dinheiro
no mercado e bancos em todo o mundo estão mais cautelosos, têm
diminuído seus empréstimos e cobrado mais caro por eles.

Na opinião do economista Nathan Blanche, da consultoria Tendências,
é nessa área que está o maior perigo para a economia brasileira
no médio e longo prazo. “As empresas devem conseguir continuar
rolando suas dívidas, mas o mercado está mais difícil e
algumas devem inclusive optar por não buscar dinheiro novo”, afirma
ele.

Atualmente a dívida externa brasileira é da ordem de US$ 200
bilhões, sendo que a maior parte está na mão de empresas
privadas. Mas o valor que vence até o final de 2008 é bem menor
– em torno de US$ 15 bilhões. Para especialistas, as empresas que
quiserem renovar essas dívidas terão que arcar com taxas mais
altas de juros.

Os bancos brasileiros também já estão encontrando taxas
muito altas para tomar empréstimos no exterior. A expectativa é
que essa situação afete o crescimento do crédito no Brasil,
de forma geral, e a capacidade de investimento das empresas, em particular.
A falta de crédito internacional também pode afetar empresas estrangeiras
que planejam fazer investimos diretos no Brasil.

A dúvida entre os especialistas é a intensidade desse enxugamento
do crédito. O governo brasileiro tem se mostrado preocupado com o assunto
e afirma que poderá criar alternativas de crédito com o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outros bancos
públicos.

Bolsa

A Bovespa tem sofrido sucessivas quedas e nos primeiros nove meses do ano já
havia acumulado perdas da ordem de 25% (com a volatilidade, esses valores têm
mudado muito rapidamente).

O impacto dessas quedas na economia em geral é limitado pelo tamanho
da bolsa brasileira. Apesar do crescimento dos últimos anos, a Bovespa
ainda tem um número relativamente pequeno de empresas, com 397 companhias
listadas. A Bolsa de Valores de Nova York, por exemplo, tem 2.365.

Além disso, embora o montante de dinheiro negociado na bolsa brasileira
seja alto, há uma grande concentração em grandes empresas
como a Petrobras e a Vale. Apenas essas duas empresas têm representado
em média 40% do valor negociado na Bovespa neste ano.

Apesar disso, a queda nas bolsas afeta a economia real por pelo menos duas
vias: quem investiu na bolsa tem menos dinheiro para gastar, e as empresas têm
que procurar outras fontes de financiamento.

A Bovespa conta com cerca de 500 mil investidores como pessoas físicas.
Além disso, houve uma grande queda de IPOs, os lançamentos iniciais
de ações das empresas. Em 2007, foram lançadas na Bovespa
64 novas empresas. Até setembro de 2008, tinham ocorrido apenas quatro
IPOs.

Dólar

Após quedas recordes da moeda americana em julho, o dólar voltou
a se valorizar de forma crescente a partir de agosto de 2008. Mas qual o impacto
dessa subida?

Por um lado, o dólar mais forte pode, caso a alta se sustente, ajudar
os exportadores a se tornarem mais competitivos, o que é celebrado por
vários empresários e economistas.

Por outro, a alta pode atrapalhar no combate a inflação. Segundo
cálculos da consultoria Tendências, cada variação
de dez pontos percentuais no dólar tende a gerar um ponto percentual
de elevação trimestral do índice de inflação
IPCA. Desde o começo de 2008 até meados de setembro, a alta acumulada
do dólar estava variando entre 5% e 6%.

Essa alta, avaliam especialistas, pode pesar na avaliação do
Banco Central sobre a subida dos juros.

Comércio exterior

Nos últimos cinco anos, o Brasil tem tido grandes superávits
na balança comercial (exportações maiores do que as importações)
e um aumento crescente dos valores vendidos no exterior. Segundo dados do Banco
Central, as exportações saltaram de US$ 73 bilhões, em
2003, para US$ 160 bilhões, no ano passado. Em 2006, o Brasil teve um
superávit recorde de mais de US$ 46 bilhões.

Uma parte desse aumento se deve à subida dos preços dos produtos
brasileiros no externo e não à venda de mais produtos. Agora o
preço das commodities agrícolas e minerais, grande responsáveis
pela melhora nos valores, estão caindo.

Além da queda dos valores, existe a expectativa de que o crescimento
mundial diminua, especialmente em 2009, o que deve significar menos comércio
internacional e o risco de uma redução das exportações
brasileiras.

Por outro lado, a desvalorização do real pode tornar os produtos
brasileiros mais competitivos e derrubar as importações.

Apesar das mudanças no cenário internacional, o governo brasileiro
tem mantido suas estimativas para 2008, com um forte aumento das exportações,
na casa dos US$ 190 bilhões, e um superávit comercial de mais
de US$ 20 bilhões.

A dúvida entre os economistas é como ficarão as contas
em 2009. Para a maioria dos analistas, o fiel da balança será
o desempenho das economias emergentes, especialmente a da China e a da Índia.

Exportações e a economia real

Se as exportações ou o valor das commodities caírem muito,
as principais afetados serão as empresas exportadores. O impacto sobre
o restante da economia é limitado pelo fato de o país ser relativamente
fechado: o setor exportador responde por cerca de 14% do PIB. Além disso,
o Brasil vende para muitos países diferentes e tem uma pauta diversificada,
com produtos manufaturados representando mais de 50% das vendas.

Outro aspecto positivo para o Brasil é que o mercado interno brasileiro
está aquecido e tende a absorver pelo menos parte de uma eventual queda
de produtos exportados.

Uma queda ou desaceleração nas exportações é
visto como um risco maior porque pode afetar o equilíbrio das contas
externas. O risco maior seria para 2009. A expectativa oficial para 2008 é
que Brasil tenha que cobrir um buraco de US$ 24 bilhões nas contas externas
– o que deverá ser feito pela soma entre o superávit comercial
e os investimentos externos no país. Para 2009, a previsão é
que o rombo passará dos US$ 30 bilhões.

Alguns economistas já fazem avaliações bastante pessimistas,
apostando que o superávit brasileiro poderia cair abaixo dos US$ 5 bilhões
no ano que vem. Isso tornaria a economia mais dependente de investimentos externos
para fechar suas contas e mais vulnerável.

Para o governo, a expectativa de que os investimentos estrangeiros serão
mantidos e reservas internacionais de mais de US$ 200 bilhões garantem
que o Brasil não sofra grandes riscos no médio prazo.

Crescimento

Um dos poucos consensos entre os economistas em meio à atual crise é
que a economia brasileira deve diminuir seu ritmo de crescimento. Para Antônio
Madeira, da consultoria MCM, mesmo com todas as mudanças, o PIB brasileiro
deve subir por volta de 5,5% em 2008. Para 2009, ele acredita que esse número
deve ficar entre 3,8% e 3,5%.

Os números variam um pouco dependendo da fonte, mas a grande maioria
dos analistas trabalha com faixas parecidas.

O motivo da queda é que mesmo que o Brasil não seja muito atingido
pela crise externa, as diferentes fontes de contaminação devem
contribuir para derrubar a atividade econômica. Além disso, o próprio
BC brasileiro está com uma política de aumentos de juros com o
objetivo de reduzir o crescimento no ano que vem.

Fontes: BBC Brasil | Jornal Folha de S. Paulo

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