O Brasil vai esperar Portugal assinar a ratificação da reforma ortográfica para implantar as mudanças na
língua escrita. A decisão foi tomada, nesta sexta-feira (14), em reunião a portas fechadas, pela Comissão
para Definição da Política de Ensino-Aprendizagem, Pesquisa e Promoção da Língua Portuguesa (Colip), que
ocorreu durante esta sexta-feira (14) no Rio de Janeiro.
A gente quer marchar com Portugal. E não avançar sem ele, afirmou o presidente da comissão e escritor
Godofredo de Oliveira Neto. De acordo com o Oliveira Neto, o acordo ortográfico não será aplicado nem no
final deste ano nem no início de 2008.
Legalmente, todas as mudanças que buscam unificar o registro escrito nos oito países que falam português –
Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, Brasil e Portugal – já
poderiam estar valendo, isso porque o que foi firmado internacionalmente é que, se três países assinassem
o acordo, ele poderia entrar em vigor.
Diplomaticamente, nós reavaliamos e vimos que o acordo, que era algo para unificar a ortografia, já
nasceria desunido, disse o presidente. Como resultado da reunião, da qual fizeram parte intelectuais de
universidades de todo o país e representantes do Ministério da Educação (MEC) e do Ministério das Relações
Exteriores, será divulgado um documento na próxima semana. O trabalho fica submetido ao Governo federal,
que é quem bate o martelo sobre assuntos da língua.
O documento vai falar de estratégias para levar o acordo ortográfico adiante. Como prioridades estão uma
campanha nacional para explicar o interesse do Brasil pelo acordo, além de discussões políticas com os
outros países que falam português.
Ficará a cargo do Itamaraty uma campanha com o governo português, para entender o motivo da resistência às
mudanças e também a sensibilização dos países africanos e do Timor. Queremos um entendimento com as
autoridades portuguesas da área. É uma tentativa de paz.
Interesses nacionais
De acordo com Oliveira Neto, são três os principais motivos que justificam o empenho do governo em levar o
assunto adiante. Primeiro, é aumentar a força no mundo do bloco lingüístico que fala português. Depois, vem
a uniformização ortográfica de documentos internacionais e, por fim, aumentar a política de cooperação com
países lusófonos. A cooperação poderia ser vantajosa até para o mercado editorial, que poderia, por
exemplo, exportar livros didáticos.
De acordo com o secretário de Ensino Superior do Ministério da Educação (MEC), Ronaldo Mota, que participou
de parte da reunião, a iniciativa do acordo ortográfico é bem-vinda e favorece o intercâmbio cultural.
Por que Portugal não adere?
Na opinião de José Luiz Fiorin, lingüista da Universidade de São Paulo (USP), que integra a comissão,
muitos estudiosos portugueses entendem que a reforma faz uma brasilianização da ortografia. Isso porque
a quantidade de vocábulos que mudaria em Portugal é superior à que sofreria alteração no país.
Ele ainda especula que Portugal não demonstrou vontade política em aplicar o acordo para evitar uma
aproximação do Brasil com os países africanos, até então muito mais próximos dos colonizadores.
O professor defende a reforma e afirma que ela não se trata de uma simplificação da língua. A língua varia
até mesmo dentro do país. O que vai acontecer é uma unificação da forma de representação da língua falada,
disse.
Fiorin esclarece que o acordo assinado autoriza que algumas palavras tenham dupla grafia, como Antônio,
no Brasil, e António, em Portugal. As duas formas ficariam válidas para todos os países da língua
portuguesa. Mesmo com duas grafias, haveria unificação, porque as duas estariam corretas.
História
O acordo ortográfico foi assinado em 1990 e entraria em vigor em 1994, com a ratificação dos sete países
que o assinaram – na época, o Timor Leste ainda não era independente.
Passaram os anos e, em 2004, foi assinado um protocolo modificativo que determinava que o acordo entraria
em vigor quando três países tivessem ratificado o que já fez o Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe,
o último em dezembro de 2006. O Brasil foi o primeiro a ratificar o acordo, em 2004.