Home Vestibular Educação – Em entrevista, Roberta Pires nos fala sobre Semântica

Educação – Em entrevista, Roberta Pires nos fala sobre Semântica

by Lucas Gomes


Roberta Pires

Graduada em Letras pela Universidade Estadual de Campinas (1985),
mestrado em Lingüística pela Universidade Estadual de Campinas (1991),
na área de Semântica/Pragmática. Doutorado em Linguística
– Katholieke Universiteit Leuven (1995), na área de Semântica/Pragmática
e Filosofia da Linguagem. Fez Pós-doutoramento no Massachussets Institute
of Techonology (MIT), de 2004 a 2005. Atualmente Roberta Pires é professora
na graduação em Letras e na pós-graduação
em lingüística da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem experiência
na área de Linguística, com ênfase em Teoria e Análise
Linguística, atuando principalmente nos seguintes temas: semântica
das línguas naturais, quantificação, modal, eventos, pragmática
e filosofia da linguagem. Desde 2009, coordena o projeto de cooperação
internacional Capes/Cofecub, “Nominais Nus no PB: a interface sintaxe-semântica”,
juntamente com a profª Carmen Dobrovie-Sorin, CNRS-LLF, Paris 7.

Confira entrevista onde ela nos fala sobre Semântica:

Leonardo Campos – A primeira pergunta é bem trivial:
o que podemos definir por Semântica?

Roberta Pires- A Semântica estuda o que é que
sabemos que nos permite interpretar qualquer sentença (ou discurso) da
nossa língua.

LC – Existem outros segmentos dentro desta noção
geral de semântica, como cognitiva, lexical, correto? Poderia comentá-los?

RP – A definição que dei acima caracteriza a
abordagem formal da semântica, em que a preocupação é
com o conhecimento implícito que um falante tem da sua língua.
Nesse tipo de abordagem, a unidade é a sentença, mas podemos também
descer ao morfema ou subir para o discurso.
Ela não é uma abordagem lexical no sentido de que não se
preocupa prioritariamente com o significado dos itens lexicais, mas com as regras
de combinação. Por exemplo, como é que entendemos uma sentença
como (1) se provavelmente nunca a ouvimos antes?

(1) O gato de roupa xadrez está pendurado na lâmpada de cabeça
para baixo.

A resposta é: porque sabemos como combinar os elementos. Somos criativos.
Claro que a criatividade de (1) é, de certa forma, trivial. Mas se conseguirmos
explicar como ela funciona, talvez possamos entender melhor a criatividade dos
poetas.
A chamada Semântica Cognitiva preocupa-se fundamentalmente com o significado
de itens lexicais. Sua hipótese é que esse signiticados são
derivados do nosso corpo. Por exemplo, o significado de ‘ir’ é o movimento
corpóreo que realizamos ao nos deslocar de um ponto no espaço
a outro.

LC – Você acha que os livros didáticos de ensino
fundamental e médio abordam o assunto de maneira satisfatória?

RP – Acho que não abordam e quando o fazem não
é de maneira satisfatória. Os livros didáticos não
pensam sobre a semântica. Por exemplo, qual é a contribuição
semântica que ‘ainda’ nos dá? Por que eu posso dizer (2) mas não
(3)?

(2) João ainda é jovem.
(3) * João ainda foi jovem.

Qual é a regra que qualquer falante sabe, porque ele não produz
(3), que licencia o ‘ainda’. Note que interessante o par com ‘já’

(4) * João já é jovem.
(5) João já foi jovem.

A escola não vê como a língua que o aluno fala é
interessante. Como é possível construirmos uma gramática
dos dados de fala.

LC – Estudar semântica através de letras de
música é muito prazeroso e se torna um ótimo recurso para
atrair a atenção daqueles menos interessados. O que você
acha?

RP – Sei que vou ser chata, mas eu acho que precisamos nos
opor à ideia de que o conhecimento tem que ser divertivo, legal ou fácil.
Conhecer é um privilégio humano e é difícil. Ninguém
construiu uma nave espacial ou fez a teoria da relatividade apenas se divertindo.
O conhecimento é em si um empreendimento surpreendente.

LC – Uma das questões muito estudadas na contemporaneidade
é o estudo da polissemia. Como você faria um panorama deste ícone
dos estudos semânticos?

RP – A polissemia tem diferentes interpretações
nas várias filiacões teóricas, mas ela é importante
em todas. Ela pode ser entendida como o fato de que uma palavra como ‘janela’
ter sentidos diferentes como a abertura ou a folha da janela. A janela do dente
faltando, ou a janela da aula. Esses sentidos são de alguma forma conectados,
por isso temos polissemia. Na ambiguidade os sentidos são desconectados.
É o caso da manga da camisa e a manga fruta. Na abordagem formal, o interesse
maior é na polissemia de palavras como os números. Será
que um número significa exatamente aquele número ou pelo menos
aquele número. Veja abaixo:

(6) Famílias com dois filhos têm direito a auxílio alimentação.
(pelo menos dois)
(7) O João tem dois filhos (exatamente dois)

LC – Recentemente abordaram os estudos da polissemia através
do roteiro do filme Caramuru – A invenção do Brasil,
de Guel Arraes. Conhece algum outro bom filme para se trabalhar tal assunto?

RP – Na minha perspectiva, não precisamos apelar para
filmes ou músicas, basta apelarmos para o que qualquer um sabe. O problema
é que o que sabemos é tão parte de nós que não
nos damos conta de como esse conhecimento é surpreendente. Você
já tinha notado a regra do ‘ainda’? Ela é uma das regras. Mas
veja que você pode falar (8), mas (9) é estranho, por que?

(8) João não levantou um dedo para ajudar.
(9) João levantou um dedo para ajudar.

LC – O que diria para aqueles que querem cursar
Letras hoje?

RP – Para mim, estudar as línguas naturais é
fascinante. É uma investigação científica como tentar
entender como é o nosso universo. Buscamos entender como é a mente
humana, como é possível interpretarmos, como é esse conhecimento.
Esse estudo não tem nada a ver com o que aprendemos na escola.

Créditos: Leonardo Campos, graduando em Letras Vernáculas
com Habilitação em Língua Estrangeira Moderna – Inglês
– UFBA | Pesquisador do grupo “Da invenção à reinvenção:
imagens do Nordeste na mídia contemporânea” – Letras
– UFBA | Pesquisador na área de cinema, literatura e cultura

Posts Relacionados