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Educação – Indústrias e universidade: ritmos diferentes

by Lucas Gomes


Refinaria Alunorte, da Vale, no Pará: crescimento
asiático e investimentos da empresa puxam o
mercado de metalurgia e mineração

A dificuldade dos cursos superiores em dar respostas no curto prazo ao volume
e perfil de profissionais demandados atualmente por diferentes setores da economia
gera mais um paradoxo brasileiro. Enquanto a demanda por mão-de-obra qualificada
em mercados estratégicos registra forte ritmo de crescimento, a taxa de
desemprego chega a 9,5% no acumulado de janeiro a novembro de 2007, segundo o
IBGE. Não é apenas mais um reflexo da revolução tecnológica.
É também um problema que tem raízes na histórica falta
de planejamento do Estado que perpassa a realidade educacional brasileira. Alarmismo
ou não, há quem anuncie o “apagão da mão-de-obra”:
faltam engenheiros civis para amparar o crescimento do setor, impulsionado por
novas políticas de fomento, e faltam também geólogos, geofísicos,
geoquímicos e mais engenheiros em áreas de maior especialização,
como os setores sucroalcooleiro, de aviação, mineração
e petróleo.
Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado em
novembro de 2007 dá a dimensão do problema: a estimativa é
que a carência de mão-de-obra qualificada tenha alcançado
quase 117 mil pessoas em 2007, apenas na indústria de transformação
e extrativa mineral – o equivalente a 26,2% dos empregos criados anualmente
no setor.

Sondagem realizada no ano passado pela Confederação Nacional
da Indústria (CNI) indica que mais da metade das indústrias brasileiras
está preocupada com a falta de qualificação profissional,
com destaque para o mercado de álcool (76%), em tempos em que o etanol
é também uma commodity energética.


Walber Paschoal, da
Federal Fluminense: o
investimento em
educação nunca foi o
necessário

Mas não é de hoje que a transição do sistema educacional
para o mundo do trabalho está em crise, nem a primeira vez em que a indústria
nacional se ressente de profissionais qualificados para ocupar suas vagas. Toda
vez que a economia cresce acima dos 4% o problema se repete. Agora, se os investimentos
do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) forem de fato realizados
– cerca de R$ 500 bilhões – a falta de mão-de-obra pode aumentar.
E reduzir o ritmo de peças-chave da economia. “O investimento em
educação nunca foi o necessário e todo mundo sabe que isso
é um freio para o crescimento”, diz Walber Paschoal da Silva, diretor
do Centro Tecnológico da Universidade Federal Fluminense.

O que ainda não é consenso são os caminhos e possibilidades
para reverter a tendência ou inibir seus impactos em curto prazo. Em tempos
de rápidas transformações, resta saber quem vai ter mais
fôlego para acompanhar as mudanças.

No caso das universidades públicas, o problema é a falta de investimentos.
Dados da Associação Nacional de Dirigentes das Instituições
Federais de Ensino Superior (Andifes) indicam que, no período de 1995
a 2001, as 54 instituições federais de ensino superior públicas
perderam 24% dos recursos para custeio (pessoal, água, luz, telefone
e materiais diversos) e 77% de recursos para investimento em salas de aula,
laboratórios, computadores e acervo bibliográfico, apesar do crescimento
no número de alunos.

Além disso, a calcificada cultura acadêmica, o corporativismo
e a burocratização dos processos no setor público desanimam
a esperar uma imediata resposta às demandas de mercado. “Nas públicas,
o processo de mudanças é lento, em função das várias
instâncias. Os professores são titulados, são de ponta,
incentivados por órgãos de fomento, como a Capes e o CNPq, mas
a velocidade da academia é diferente. Os alunos já saem defasados”,
diz Horacídio Leal Barbosa Filho, diretor-executivo da Associação
Brasileira de Metalurgia, que também reclama da ênfase na formação
de pesquisadores. “Nos Estados Unidos, 95% dos doutores estão na
indústria. Aqui acontece o contrário.”

Já no ensino superior privado um dos principais problemas é o
descompasso entre o tempo do mercado e o interesse dos estudantes. Manter cursos
para os quais não há demanda imediata pode ser uma equação
insustentável. “As instituições privadas têm
uma visão mais pragmática do mercado, o que é natural”,
analisa o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub)
e reitor da Uerj, Nival Nunes de Almeida.

Em 2004, o Centro Universitário do Instituto Mauá de Tecnologia
fechou o curso de engenharia de metalurgia porque dava prejuízo. O Brasil
estava recém-saído das chamadas “décadas perdidas”,
patinando em uma economia com baixas taxas de crescimento até o início
dos anos 2000. O cenário atingiu em cheio as universidades e, em particular,
os cursos de engenharia. “Não havia estímulo para o ingresso
em carreiras que requerem maior investimento pessoal. A procura pela engenharia
metalúrgica era de três, quatro alunos e nenhuma universidade privada
manteria um curso com essa demanda”, justifica Otávio de Mattos
Silvares, reitor do Centro Universitário do Instituto Mauá de
Tecnologia.

A ironia é que atualmente o setor de mineração e metalurgia
é um dos promissores expoentes da economia brasileira nos próximos
anos, puxado pelo crescimento asiático. Só a Vale, a maior empresa
nacional da atualidade, deve injetar no mercado US$ 11 bilhões neste
ano e, a julgar pelo plano de investimentos anunciado, a empresa mantém
o ritmo, com a previsão de ampliar a oferta de seus principais produtos.

Na mesma época a Mauá encerrou também o curso de engenharia
sanitária – outro a despontar agora diante da ênfase crescente
em gestão ambiental.


O reitor do Instituto
Mauá, Otávio
Silvares: curso de
engenharia metalúrgica
fechado por falta de
procura

Não é por acaso que o setor é um dos que mais se ressente
de profissionais especializados. E trata de correr atrás do prejuízo.
A própria Associação Brasileira de Metalurgias e Materiais
(ABM) ajuda a promover cursos de pós-graduação, em parceria
com universidades em São Paulo (FEI), Minas Gerais (Ufop, UFMG, PUC-MG)
e Rio de Janeiro (PUC-RJ). A Associação reclama que do ensino
superior saem apenas 140 engenheiros de metalurgia por ano, disputados não
só pela indústria, mas também pelas áreas de investimento
e pesquisa. Mas reconhece que o ritmo do mercado pegou todo mundo de surpresa.

O problema é que o descompasso entre o ambiente acadêmico e o
setor produtivo continua. “Hoje, não há estímulo,
por exemplo, para a engenharia eletrotécnica, curso que tem historicamente
uma baixa procura”, diz Silvares. “O mercado de trabalho não
abre novas perspectivas. Isso em um país onde a matriz energética
está sendo discutida”, alerta.

Uma sociedade moderna não pode funcionar sem pesquisadores de alto nível
e a formação de novos cientistas. Mas também não
pode prescindir de técnicos especializados, de profissionais generalistas
e mão-de-obra de base. Há espaços e oportunidades que precisam
ser vislumbrados e explorados pelo ensino superior. É essa visão
conciliada que aponta para a nova identidade do ensino acadêmico contemporâneo.

Engenharia em risco

A engenharia virou o retrato das discrepâncias do Brasil. São
1.400 cursos no país – metade deles criada a partir dos anos 2000. Da
China, saem 30 engenheiros por ano para cada 100 formados. Nos Estados Unidos
e no Japão, para cada mil pessoas economicamente ativas há 25
engenheiros. No Brasil são seis engenheiros para cada mil pessoas economicamente
ativas.

Pelo menos no campo das engenharias, o descompasso entre a realidade do mundo
acadêmico e do setor produtivo era anunciado há tempos.

Há dez anos, ao apresentar a proposta de Reengenharia do Ensino de Engenharia,
Waldimir Longo, hoje pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos
da UFF, lembrava que os grandes desafios da sociedade pós-industrial
estão intimamente relacionados à geração de novos
conhecimentos científicos e tecnológicos e sua rápida difusão
na sociedade e no setor produtivo. Partia do exemplo japonês.

Longo cita um estudo de 500 inovações ocorridas entre 1953 e
1973, que demonstra que o tempo médio decorrido entre as invenções
e as respectivas inovações era de 7,7 anos na Inglaterra, 7,4
anos nos EUA, 5,2 anos na Alemanha e de 3,4 anos no Japão. “Tecnicamente,
a explicação está na engenharia, que transforma a esmagadora
maioria de inventos oriundos de qualquer área em bens de serviço,
ou seja, em inovações. Competência em engenharia de processos
e de produtos é fundamental e tem sido, no caso japonês, elemento
capaz de superar suas desvantagens comparativas.”

Para reduzir o impacto de tamanha deficiência, a Abenge resgatou, ao
lado da CNI, os princípios defendidos por Longo, reeditados como parte
do programa Inova Engenharia. Agora, a Abenge aguarda o encaminhamento do projeto
enviado em outubro ao Banco Mundial, que propõe o financiamento de US$
3 milhões para políticas de incentivo à inovação.
“O problema tem sido transformar as diretrizes em ações”,
aponta João Sérgio Cordeiro, da Universidade Federal de São
Carlos, presidente da Associação Brasileira de Ensino de Engenharia
(Abenge). “É preciso vontade política para concretizar mudanças
estruturais, que passam, inclusive, pela formação do professor.
Temos desafios e alunos inseridos no século XXI, mas professores que
ainda estão presos à mentalidade do século XX”, completa.

Dez anos depois, o país continua sem os engenheiros de base e, menos
ainda, sem engenheiros ligados à alta tecnologia.

Fonte: Revista Ensino Superior

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