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Política Internacional – Hamas x Israel: uma guerra sem vencedores

by Lucas Gomes

Na noite da sexta-feira, 26 de dezembro de 2008, o ministro da Defesa de Israel,
Ehud Barak, deixou o trabalho para comparecer a um programa humorístico
de televisão. Seu aparente relaxamento era uma tática dissimulatória
de um governo prestes a entrar em guerra. Nos dias anteriores, Barak dedicara
seu tempo a planejar uma ofensiva militar contra o Hamas, o grupo terrorista
com braços políticos que controla a Faixa de Gaza, uma fatia de
território palestino no litoral do Estado de Israel. A inteligência
do Exército israelense mapeara as bases do Hamas, seus campos de treinamento
e seus depósitos de armas. Desde o dia 19 de dezembro, terminara o prazo
da trégua acertada entre os dois lados. Apesar dos rumores de que Israel
atacaria, o Hamas estava relaxado, pois o clima parecia calmo. Momentos antes
de ir ao programa para despistar o inimigo, Barak decidira que era o momento
de lançar a operação.

No dia seguinte, Israel fez o mais pesado ataque da história a Gaza,
um pequeno território de 362 quilômetros quadrados, onde se espreme
1,5 milhão de palestinos. As Forças Armadas israelenses lançaram
bombas sobre mais de 300 alvos, apontados como instalações militares
do Hamas, em quatro cidades. As bombas também destruíram 40 túneis
construídos pelos palestinos para burlar o fechamento imposto por Israel
da fronteira de Gaza com o Egito. Os túneis são usados pelos palestinos
para transportar alimentos e outros gêneros essenciais, que o bloqueio
israelense restringe. De acordo com Israel, servem também para o contrabando
de armas fornecidas pelo Irã para abastecer ações terroristas
do Hamas. Os ataques resultaram em mais de 380 mortos e 1.700 feridos, entre
eles, segundo as Nações Unidas, pelo menos 60 civis – mulheres
e crianças incluídas.


Bombeiros palestinos ajudam a identificar feridos e mortos numa instalação
de segurança do Hamas atingida
pelos mísseis. Foto: Hatem Omar/AP

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Anwar Balousha, morador do campo de refugiados de Jabalia, perdeu cinco filhas
entre 4 e 17 anos, depois que um míssil israelense atingiu uma mesquita
ao lado de sua casa. Com a ajuda de vizinhos, ainda conseguiu salvar a mulher
e quatro filhos. As Forças Armadas israelenses afirmam que a mesquita
esconderia um depósito de armas. O enterro das cinco meninas, envoltas
em bandeiras verdes do Hamas, foi acompanhado por centenas de pessoas, que gritavam:
“Joguem bombas sobre Tel-Aviv”. “Vamos deixá-los sentir
a dor da nossa vingança. Há um consenso em Israel a favor de nos
matar. Ninguém falou uma palavra para parar as agressões”,
disse Balousha.

Os ataques fizeram com que os palestinos tentassem escapar das bombas israelenses
rompendo a fronteira com o Egito. Policiais egípcios dispararam tiros
contra uma multidão para tentar conter a invasão. Em Gaza, os
hospitais estão superlotados e três deles foram danificados pelos
bombardeios. Os feridos com menor gravidade recebem alta para liberar os leitos
para quem está pior. Não adianta muito, já que faltam remédios.
“Sofremos uma enorme escassez de medicamentos para tratar os feridos”,
diz Moawiya Hasanein, chefe dos serviços de emergência na Faixa
de Gaza. O brasileiro Mohamed Abdel Malik El-Assr, de 17 anos, vive em Gaza
há dois anos. Estuda em uma escola do Hamas e teve de sair às
pressas da sala de aula quando o ataque começou. “Temos luz apenas
duas horas por dia em casa e fazemos fogueiras para cozinhar”, disse ao
jornal O Globo. “Cheguei a um ponto em que não sinto nem
medo. Quando os aviões começam a sobrevoar Gaza, corro para a
rua, já que não faz diferença ficar em casa ou fora.”

A reação do Hamas foi disparar morteiros contra as cidades israelenses
perto de Gaza, como Ashdod e Ashkelon. Os ataques mataram pelo menos três
pessoas em Israel. O kibutz Bror Chail, conhecido como “kibutz dos brasileiros”
pela grande presença de imigrantes do Brasil, tem sido um dos alvos,
segundo afirmou o morador Tzvi Chazam, originário de São Paulo.
“Há dias em que o alarme contra foguetes toca 50 vezes”,
diz ele. “Atacamos o Hamas porque a situação era insustentável.”

O ataque israelense era iminente desde o fim da trégua de seis meses,
acertada em junho com a mediação do Egito. Ela fora rompida várias
vezes pelos dois lados. Assim que o prazo terminou, o Hamas avisou que não
aceitava mais os termos do acordo, porque Israel não interrompia o bloqueio
que isolara Gaza. De lá para cá, o Hamas passou a lançar
foguetes sobre o território israelense, disseminando o terror entre a
população local. O revide era líquido e certo – especialmente
para dar um recado a outros inimigos na região. “No passado, as
pessoas não mexiam com Israel porque tinham medo das consequências.
Agora, a região está cheia de retórica provocativa sobre
o fato de Israel ser um tigre de papel”, diz Mark Heller, pesquisador
do Instituto de Estudos de Segurança Nacional da Universidade de Tel-Aviv.
“Esta operação é uma tentativa de restabelecer a
percepção de que, se você provocar ou atacar, terá
de pagar um preço desproporcional.”

A imagem de que Israel não teria mais os dentes afiados vem de 2006,
quando o grupo terrorista libanês Hezbollah lançou foguetes em
direção a Israel e capturou um soldado numa incursão na
fronteira entre os dois países. Israel retaliou e lançou uma ofensiva
de 34 dias, antes de negociar. O Hezbollah conseguiu fixar a imagem de que venceu
o conflito, porque causou danos graves ao inimigo. Aproveitou-se para ganhar
prestígio na política libanesa. Preocupado com a perda, Israel
tenta ser mais eficaz em Gaza. Desde o início, o governo afirma que demorou
a reagir às “provocações”. “O Hamas usou
esse tempo (a trégua de seis meses) para reforçar suas bases militares,
desenvolver mais foguetes”, diz o embaixador interino de Israel no Brasil,
Raphael Singer. “Eles voltaram a atacar, e isso chegou a um ponto que
não dá mais, temos de reagir”.

A reação israelense estaria ligada também ao calendário
eleitoral. Em fevereiro, Israel escolherá o novo chefe de governo. O
primeiro-ministro Ehud Olmert, do Partido Kadima, deixará o posto. Há
tempos Olmert era pressionado pela direita israelense a empregar mais força
contra o Hamas, mas optava pela saída negociada. A candidata de seu partido
é a ministra das Relações Exteriores, Tzipi Livni. Ela
concorrerá com o comandante dos ataques, o ministro da Defesa, Ehud Barak,
do Partido Trabalhista. Ambos usarão os resultados da ofensiva em seus
debates eleitorais. “Somos vítimas de um genocídio com objetivos
eleitorais”, afirma Ibrahim Alzeben, embaixador da Autoridade Nacional
Palestina no Brasil. “Nossas vítimas são propaganda eleitoral
israelense. Eles matam mais palestinos para ganhar mais votos.”

Além da política interna, outro elemento crucial para explicar
a ofensiva israelense é externo. A pouco mais de duas semanas do fim
do governo de George W. Bush nos Estados Unidos, Israel tinha uma das últimas
chances de obter o apoio incondicional americano para um ataque. A partir do
dia 20, com a posse de Barack Obama, os israelenses ainda não sabem como
– e se – a posição americana mudará.

Do outro lado da fronteira que separa Israel de Gaza, o Hamas tentará
repetir a estratégia do Hezbollah – e fixar a imagem de vencedor
no conflito. Seu principal objetivo é mostrar ao público local
que não adianta negociar com Israel – posição adotada
pelo Hamas desde sua criação, em 1987 (leia o quadro ao lado).
O Hamas sempre discordou do Fatah – facção fundada e comandada
pelo líder palestino Iasser Arafat até a sua morte – e procurou
sabotar todos os acordos com Israel. Sua missão nunca foi complicada,
pois as negociações entre israelenses e palestinos sempre foram
tensas, interrompidas por agressões. A situação se agravou
a partir das eleições de 2006, quando o Hamas ganhou 74 das 132
cadeiras do Parlamento palestino e tomou o poder, até então nas
mãos do Fatah. No ano seguinte, o Hamas entrou em conflito armado com
o Fatah e expulsou-o de Gaza. Hoje, o Fatah controla a Cisjordânia, a
outra metade do território palestino, e a presidência da Autoridade
Nacional Palestina, em poder de Mahmoud Abbas.

Ao longo de sua história, o Hamas ampliou sua atuação.
Do começo como grupo terrorista, transformou-se numa organização
social, que mantém escolas próprias, antes de chegar a partido
político. Essa prática traz dividendos políticos para o
Hamas em Gaza, um território minúsculo, com uma das mais altas
densidades populacionais do mundo: mais de 4.100 pessoas ocupam 1 quilômetro
quadrado. Cerca de 80% dos palestinos em Gaza podem ser considerados pobres.
Dois terços estão desempregados. Em Gaza, cada mulher tem, em
média, 5,6 filhos – no Brasil, a taxa de natalidade é de
1,8 filho por mulher. O abastecimento de comida é feito por organizações
humanitárias. Nos últimos dois meses, nem elas conseguiram entregar
a quantidade suficiente de suprimentos, devido ao bloqueio israelense. Em novembro,
a usina que fornece energia elétrica parou por falta de combustível.
Os bancos foram fechados, por falta de dinheiro para fornecer aos correntistas.
Basta somar isso ao fato de a região ser alvo de constantes ações
militares israelenses – que matam civis e crianças – para
explicar a popularidade do Hamas.

De imediato, a guerra de Israel ao Hamas, além de interromper o precário
cessar-fogo, significa um recuo nas tentativas de diminuir a tensão no
Oriente Médio ensaiadas em 2008. Em maio, um acordo entre as facções
políticas internas no Líbano afastou o país de uma guerra
civil. Síria e Israel haviam também iniciado negociações
indiretas de paz, intermediadas pela Turquia. Até o início do
conflito, havia a expectativa de que sírios e israelenses anunciassem
o início de negociações diretas. Com os ataques, a Síria
anunciou a suspensão de qualquer diálogo.

Somos vítimas de um genocídio com objetivos
eleitorais
”, diz o embaixador palestino no Brasil.

A reação dos países árabes precisa ser analisada
com cautela. Publicamente, seus governos atacam Israel. Mas a Liga Árabe
convocou uma reunião para examinar a situação para quatro
dias após o início dos ataques. A falta de pressa pode ser encarada
como uma demonstração de que os árabes não têm
tanto interesse assim em ajudar o Hamas. Os árabes têm divergências
históricas e profundas com Israel, mas também com o grupo palestino.
Governos laicos da região, como o Egito, veem o Hamas como um risco,
um grupo radical que poderia influenciar organizações semelhantes
e desestabilizar seus próprios países.
A guerra deve causar problemas também aos Estados Unidos. De início,
ela deve diminuir consideravelmente o espaço que o governo Obama tem
para abrir uma nova fase nas negociações no Oriente Médio.
Não bastasse a missão de ter de lidar com a maior crise econômica
desde a Depressão de 1929, e com duas guerras em andamento – Iraque
e Afeganistão –, Obama tomará posse com mais uma crise urgente
no colo – e sem muitos instrumentos para resolvê-la. “Os ataques
tornaram uma situação já complexa ainda mais difícil”,
diz Aaron David Miller, estudioso do Centro Woodrow Wilson, em Washington. “Obama
herdará uma crise, mas sem meios para conseguir avanços rápidos
ou fáceis.”

A eleição de Obama despertara esperanças de que seu governo
fosse capaz de dar um novo impulso à paz no Oriente Médio. Em
muitos países árabes, sua vitória foi percebida como a
oportunidade de uma inflexão na política do governo Bush para
a região, considerada demasiadamente pró-Israel. No começo
de sua campanha rumo à Casa Branca, Obama chegou a manifestar posição
favorável à abertura de diálogo com grupos como o Hamas,
considerado terrorista pelos EUA. Ainda durante a campanha, depois de receber
críticas, Obama mudou sua posição. Durante uma visita a
Israel, endossou a retaliação israelense aos foguetes lançados
pelo Hamas contra seu território. “Se alguém manda foguetes
na minha casa, onde minhas duas filhas dormem à noite, farei todo o possível
para parar isso”, disse Obama em visita a Sderot, pequena cidade no sul
de Israel, alvo constante dos foguetes do Hamas. “Esperaria que os israelenses
fizessem o mesmo.” Se as expectativas de uma mudança na orientação
dos EUA já poderiam ser consideradas exageradas antes dos bombardeios
de Israel, o conflito em Gaza restringe ainda mais a margem de manobra do governo
Obama. Depois dos primeiros ataques, Obama manteve o silêncio, sob a alegação
de que Bush ainda está no comando.

No longo prazo, as consequências da ação de Israel contra
o Hamas ainda são difíceis de discernir. Nos quatro primeiros
dias, com o uso de sua imensa força de represália, os israelenses
obtiveram uma maciça vitória militar contra um inimigo bem mais
pobre e fraco que o Hezbollah. O Hamas sofreu um imenso revés com a demolição
de quase todas as suas instalações civis e militares e a morte
de centenas de militantes e integrantes de suas forças de segurança.
Seus principais líderes tiveram de se esconder para não virar
alvo de bombardeios.

Mas a vitória militar não é garantia de que Israel não
venha a sofrer consequências políticas desastrosas. É improvável
que Abbas, o líder do Fatah, com quem Israel gostaria de fazer a paz,
seja capaz de assumir o poder em Gaza no lugar do Hamas. Nas ruas das cidades
palestinas e de muitas capitais de países árabes, a reação
popular, em geral, foi de fúria contra Abbas, visto como aliado de Israel.
“Quem ousar retornar à Faixa de Gaza a bordo de um tanque israelense
será condenado como traidor”, disse Ramadan Shallah, secretário-geral
da organização radical Jihad Islâmica.

Mesmo árabes e muçulmanos críticos do Hamas passaram
a ver o grupo radical com mais simpatia depois da ação israelense.
Essa fúria pode se voltar contra outras lideranças moderadas nos
países árabes – o presidente do Egito, Hosni Mubarak, em
particular. Depois dos bombardeios de Israel, o líder do Hezbollah, Hassan
Nasrallah, popular entre as massas árabes por causa da resistência
a Israel em 2006, convocou manifestações de rua pró-Hamas,
acusou o Egito de cooperar com Israel nos ataques a Gaza e praticamente pregou
a derrubada de Mubarak.

O fortalecimento dos radicais islâmicos segue um padrão que se
repete a cada incursão militar de Israel. Diretor do Instituto Issam
Fares de Política Pública e Assuntos Internacionais da Universidade
Americana de Beirute, Rami Khouri publicou um artigo, na semana passada, em
que lembra como os ataques de Israel a Gaza desprezam lições históricas.
Segundo Khouri, cinco tendências se manifestam após cada ação
militar de Israel:

1) Israel destrói momentaneamente a infraestrutura
militar e civil de árabes e palestinos, mas eles se recuperam dos golpes
e, anos depois, voltam com vontade de contra-atacar e com um domínio
bélico maior.
2) As ofensivas de Israel levam à autodestruição
lenta dos grupos árabes mais moderados, que acabam substituídos
por inimigos mais duros – como aconteceu com o Fatah, trocado pelo Hamas.

3) Novos inimigos surgem em locais onde Israel dispunha antes
de aliados estratégicos. No passado, Irã e Líbano foram
parceiros dos israelenses. Hoje, o regime do Irã e o Hezbollah, no Líbano,
são os dois mais radicais inimigos de Israel.
4) O sofrimento dos palestinos comuns nas ações
militares dos israelenses os torna um alvo fácil para o recrutamento
de organizações terroristas e extremistas.
5) As políticas de Israel são uma estufa para
o surgimento de movimentos radicais islâmicos de oposição
aos regimes políticos nos países árabes.

Todas essas tendências se repetem no atual ataque de Israel a Gaza.
É pouco provável, portanto, que alguém saia vitorioso dessa
guerra.

Créditos de textos e imagens: Revista Época

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