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Senadores se dividem sobre criação de cotas nas universidades federais

by Lucas Gomes

A audiência pública para debater o projeto de cotas para as universidades
públicas e para as instituições federais de ensino técnico
de nível médio, realizada nesta quarta-feira (18), na CCJ (Comissão
de Constituição, Justiça e Cidadania) do Senado, mostrou
que os parlamentares estão divididos sobre a medida.

O último debate antes da votação do projeto na comissão
deve ocorrer na próxima quarta-feira (25), com a presença
do ministro da Igualdade Racial, Edson Santos de Souza.

O projeto, que já foi aprovado na Câmara em novembro de 2008,
prevê 50% de vagas reservadas para egressos da rede pública. O
texto também diz que as vagas devem ser preenchidas por candidatos autodeclarados
negros ou indígenas, “em número no mínimo igual à
proporção de pretos, pardos e indígenas” na população
do Estado onde fica a instituição de ensino, segundo dados do
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O senador Wellington Salgado (PMDB-MG) declarou, nesta quarta, que votará
a favor do projeto se ele estabelecer apenas cotas sociais, para pobres e para
os que estudaram em escolas públicas. O parlamentar é contrário
à idéia de fazer reservas de vagas pelo critério racial.

Já o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) defendeu as cotas para negros
e minorias. “Precisamos pensar que os negros bem-sucedidos na nossa sociedade
são exceção. Os negros têm barreiras intransponíveis”,
afirmou. “Vejo nessa lei uma generosidade.”

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) acredita que a aprovação
do projeto pode incentivar o racismo no país. “O debate foi muito
rico, mas dá para ver a profundidade e a gravidade das consequências
que podem ter o projeto. Podemos criar o início de uma política
oficial que inclua o racismo e isso é muito perigoso para o país
como um todo e como nação”, disse.

Para o senador Lobão Filho (PMDB-MA), há entendimento de que
a reserva de 50% das vagas nas universidades federais para alunos de escolas
públicas é necessária. Ele argumentou que os dispositivos
que garantem as cotas para as minorias não mudarão significativamente
o quadro atual das universidades. Lobão Filho pediu que os senadores
aprovem o projeto como veio da Câmara para evitar que a proposta volte
novamente para os deputados. “Esse projeto tramitou por dez anos na Câmara.
Se modificarmos, ele voltará e ficará lá por mais 20 anos
ou nunca mais será votado”, alertou.

A senadora petista Ideli Salvatti (SC) também cobrou que o projeto seja
logo votado e sem alterações. “Ele não acaba com o
problema, mas representará um passo muito importante.”

Debate no Senado

Por quase cinco horas, os parlamentares ouviram argumentos a favor e contra
ao projeto de lei.

O juiz federal e professor voluntário da rede de pré-vestibulares
comunitários Educafro, Willian Douglas, defendeu a adoção
da política de cotas para os negros como forma de reduzir as desigualdades
no país. Para ele, os ricos estão na escola pública e os
pobres na particular. “Temos que tratar os desiguais desigualmente”,
disse. “Não podemos aceitar que os brancos pobres sejam discriminados,
mas os negros pobres são ainda mais discriminados. Eles precisam de algo
mais”. Emocionado, ele afirmou que colocar um negro pobre ao lado de um
branco rico para prestar o vestibular é como “entregar um fusca
para um e uma ferraria para o outro”.

Segundo ele, as pessoas que ingressaram nas universidades públicas por
meio das políticas afirmativas tiveram notas iguais ou melhores do que
a média e faltaram menos do que os demais alunos. O procurador do Rio
de Janeiro e professor da Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-Rio) Augusto Werneck também defendeu as cotas e disse
que a aprovação do projeto pode “apagar uma mancha terrível
da nossa história”.

A representante do Movimento Nação Pardos e Mestiços Euderli
Castro de Sá Alves defendeu que a melhor solução para dar
acesso às minorias seria a adoção de investimentos maciços
em educação. “As cotas vão gerar conflitos. Todos
somos capazes de conquistar nossos espaços”, afirmou. Segundo Euderli,
com as cotas, representantes do movimento negro estão perseguindo representantes
de outras minorias que são contrários à reserva de vagas.

Para o sociólogo e doutor em geografia humana Demétrio Magnoli,
a discussão sobre cotas sai do âmbito racial e inclui o significado
de políticas democráticas. Para ele, reservar cotas raciais é
uma “demagogia barata”. “Se for pela reparação
pelo período de escravidão, é desconhecer a história,
a genética. Brancos têm antepassados negros assim como negros têm
descendentes brancos”, argumentou. “A verdadeira finalidade desse
projeto é produzir raças e fazer o que a história do Brasil
não fez”, afirmou acrescentando que a política de cotas vai
criar uma divisão racial no país.

Para o coordenador Nacional do Movimento dos Sem Universidade (MSU), Wellington
do Carmo Faria, a reserva de vagas não invalida a discussão sobre
a necessidade de uma reforma educacional mais ampla. Para ele, as cotas não
são excludentes. “Elas reúnem a diversidade”, pontuou.
“Tem que haver reservas de vagas para os negros, mas também para
pardos e índios”, acrescentou.

A representante indígena Rosane Fernandes Kaingang, mestranda em direitos
humanos, afirmou que só conseguiu se formar em pedagogia graças
a um convênio entre a instituição de ensino e a Fundação
Nacional do Índio (Funai). “Se queremos melhorar a qualidade de
vida [dos povos indígenas], temos que pensar em medidas específicas
para as minorias, índios, negros e pobres.” Ela afirmou que ainda
há preconceito no Brasil e as cotas podem ser uma ferramenta para diminuir
as diferenças. “Como o Estado Brasileiro quer ser multi-racial se
não admite a convivência com os diferentes?”, questionou rebatendo
o argumento de que a política de reserva de vagas vai criar uma divisão
racial.

O cientista político Bolívar Lamounier afirmou que o projeto
aprovado pela Câmara e em tramitação no Senado é
“frontalmente” inconstitucional. “Quando se subtrai vagas para
alguns competidores a Constituição está sendo violada”,
observou. Ele argumentou ainda que o projeto vai criar a figura jurídica
da raças “que não existe no país há mais de
100 anos”. Lamounier acrescentou que a aprovação da lei vai
criar conflitos, não só na disputa por vagas nas universidade,
mas também no mercado de trabalho. “A definição de
quem terá o privilégio para o acesso às cotas vai gerar
conflito. Vamos semear o conflito racial. Vai ser criada a racialização
do direito brasileiro”, ressaltou.

Fonte: Agência Brasil | Agência Senado

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