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Wladimir Cazé fala sobre poesia e literatura de cordel

by Lucas Gomes


Wladimir Cazé

Wladimir Cazé (1976) publicou Microafetos (poesia, Edições
K, São Paulo, 2005), A filha do Imperador que foi morta em Petrolina
(cordel, Edições K, São Paulo, 2004) e ABC do Carnaval
(cordel, Edições K, Salvador, 2009). Publicou o poema “Os
pássaros
” no suplemento “A Tarde Cultural
(Salvador/Bahia, abril de 2008). Participou do 4º Mayo de Las Letras, em
San Miguel de Tucumán (Argentina). Integra o coletivo de escritores Corte,
que promove recitais e debates sobre literatura em Salvador. Mantém o
blog Silva horrida – Guia de cidades (http://www.silvahorrida.blogspot.com).

Em entrevista a Leonardo Campos*, o poeta nos fala sobre sua obra, o lugar
da poesia hoje e a literatura de cordel. Leia a seguir.

Leonardo Campos – Seu trabalho é direcionado ao Cordel. Em
poucas linhas, como você definiria esta modalidade?

Wladimir Cazé – Trabalho bastante com literatura de
cordel, mas não só. Também escrevo uma poesia (como em
Microafetos, de 2005, e no meu segundo livro de poemas, inédito)
que reputo tributária à tradição modernista construtiva
brasileira. Considero o cordel um gênero poético ou modelo formal
como qualquer outro, tão à disposição do poeta quanto,
por exemplo, o haicai, o poema-piada, o poema visual ou o poema sonoro (para
citar alguns formatos que cultivo) ou o soneto.
As estruturas elementares da literatura de cordel (poesia oral rimada
e narrativa, geralmente composta em estrofes de 6, 7 ou 10 versos, de 5, 7 ou
10 sílabas, com variações a partir desses modelos básicos
)
permeiam o inconsciente coletivo brasileiro há muitíssimo tempo.
No século 16, quando era proibido publicar livros aqui e poucas eram
as obras impressas que vinham de Portugal para a Colônia, toda a literatura
brasileira se resumia a essa narrativa oral rimada que remonta à Idade
Média, com o romance de cavalaria ibérico ou o cantar de escárnio.
Para poetas que produzem numa época em que a poesia tem audiências
cada vez menores, é vantagem tática poder lançar mão
de uma forma literária que apresenta as palavras ao leitor ou ao ouvinte
de um modo com o qual ele está relativamente familiarizado. Considero
o cordel uma expressão popular dinâmica, que se transforma para
acompanhar a época atual. Na minha escrita, a poesia de cordel, sem perder
as características poéticas que lhe são próprias,
se investe da variedade de influências que venho adquirindo em minha trajetória
de leitor e escritor de poemas (desde as várias gerações
modernistas brasileiras e seus desdobramentos até as letras de canções
da música popular).

LC – Em sua opinião, qual a relação do cordel
com outras linguagens, como cinema e teatro?

WC – Auxiliado por colaboradores das áreas de música
e artes visuais, tenho me concentrado nas possibilidades de associação
entre poesia, narrativa, música e arte gráfica. O folheto de cordel
tradicional é um formato que reúne todas essas linguagens. Os
versos do poema contam os episódios de uma história. Uma musicalidade
característica emerge das entrelinhas do ritmo do texto e da leitura
em voz alta do mesmo, com possível acompanhamento de instrumento musical.
E a arte gráfica (encomendada a artistas como Sergim de Sá e Roney
George, que fizeram a imagens para meus cordéis) exprime visualmente
o poema na ilustração da capa do folheto (e no cartaz, nas imagens
de divulgação em diversos suportes, etc.)… Além dessas
linguagens artísticas que são sintetizadas num folheto de cordel,
há também a performance do poeta na apresentação
da obra em recital.
A convergência dessas e de outras linguagens é um caminho que tanto
poetas de cordel quanto poetas pós-construtivistas brasileiros contemporâneos
estão tomando, apropriando-se de novas ferramentas (como o PDF, o MP3
e o Youtube) para veicular literatura. Da mesma forma que os músicos
utilizam o Myspace, os escritores estão à procura de novas ferramentas
para alcançar seu público. Da mesma forma que a cultura hip hop
(música, rap, grafite, dança), o cordel é hoje literatura
urbana multimídia.

LC -Você se inspira em alguém / algo para escrever seus
poemas?

WC – Tudo o que leio me influencia. Minhas principais referências
(meus ancestrais, digamos assim) são os livros Vaqueiros e cantadores
(Cascudo), A
educação pela pedra
(Cabral) e Crônica do viver
baiano seiscentista
(Gregório), mas minhas estantes de livros estão
em constante renovação. Tenho lido muita poesia brasileira atual,
artigos de crítica literária e entrevistas.
A quebra da rotina é a mola propulsora mais frequente para o nascimento
de um texto novo. Também me inspiram ocorrências do dia-a-dia,
fatos históricos, lugares, minha namorada e música (rock, jazz,
peças eruditas, batidas eletrônicas e batuques tradicionais fornecem
células rítmicas cujo efeito estético busco de algum modo
materializar em palavras).

LC – Uma pergunta que venho fazendo a todos os entrevistados, relacionada
ao tema literatura: o que você acha da literatura brasileira contemporânea?

WC – Fala-se muito em marasmo ou decadência da literatura,
mas isso não é verdade. Quem for procurar bons autores vai encontrar
muitos. Eu poderia citar inúmeros escritores em atividade, mas direi
apenas que gosto dos trabalhos de Antonio Risério, Ariano Suassuna, Augusto
de Campos, Claudio Willer, Franklin Maxado, João Gilberto Noll, Julio
Castañon Guimarães e Manoel de Barros (das gerações
de veteranos); e de André Fernandes, André Setti, Estevão
Azevedo, Gustavo Rios, Lupeu Lacerda, Paulo Bullar, Patrick Brock e Sandro Ornellas
(das gerações emergentes).

LC – E sobre os eventos literários no país? Você
acha que são interessantes, como Bienal etc?

WC – Bienal do Livro da Bahia, Festa Literária Internacional
de Paraty/FLIP, FestiPOA Literária, Porto de Galinhas, Jornada Literária
de Passo Fundo. Todas essas iniciativas são necessárias para a
difusão de literatura, consagram o livro como mercadoria e aproximam
as pessoas que levam esse negócio adiante.
Participar de eventos de literatura é fundamental para a formação
de um escritor e a atração de novos leitores. Comigo funcionou
assim: na minha estréia como cordelista, levei para a 2ª FLIP o
folheto A filha do Imperador que foi morta em Petrolina (Edições
K, 2004), que foi citado na imprensa nacional.
Outro tipo de evento indispensável são recitais de literatura
contemporânea. Neles, mesmo quem não costuma ler livros de escritores
não-consagrados acaba por ter contato com o trabalho das novas gerações,
ao escutar um trecho de um poema ou um parágrafo de um conto (e pode
vir a se interessar em conhecer melhor a obra de algum desses escritores).

LC – Ser poeta nos dias de hoje é complicado?

WC – O público de poesia é minúsculo.
Poesia se tornou um negócio restrito a um grupo muito pequeno de pessoas.
Há uma quantidade crescente de poetas, enquanto o rigor e a inovação
requeridos como valores-chave da tradição da poesia construtiva
pairam como sombras, que quase paralisam o debate e a circulação
de textos de outras vertentes. Por outro lado, como a poesia não se prende
a fins mercadológicos, ela fica disponível para uma reinvenção
constante de seus próprios fundamentos, ocupando setores de experimentação
do novo e de ousadia interdisciplinar que tinham sido abandonados pelas vanguardas
tardias.

LC – Como você classificaria o “lugar” de poeta nos
dias atuais? Considera uma profissão?

WC – O poeta perdeu a posição de “antena
da raça” que tinha anteriormente. Hoje ele é uma figura
exótica que se dedica a um ofício que soa obscuro e hermético
para a maior parte das pessoas. Mesmo assim sinto que há espaços
não preenchidos no sistema literário e estou tentando ocupá-los.

*Graduando em Letras Vernáculas com Habilitação em Língua
Estrangeira Moderna – Inglês – UFBA | Membro do grupo de pesquisas “Da
invenção à reivenção do Nordeste” –
Letras – UFBA | Pesquisador na área de cinema, literatura e cultura

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