Home EstudosLivros A legião estrangeira (Conto das obras Felicidade clandestina e A legião estrangeira), de Clarice Lispector

A legião estrangeira (Conto das obras Felicidade clandestina e A legião estrangeira), de Clarice Lispector

by Lucas Gomes

O conto começa com a protagonista lembrando-se de Ofélia e seus pais que conhecera, mas há muito tempo não via mais. “Estou tentando falar daquela família que sumiu há anos sem deixar traços em mim”.

A protagonista, preocupada com a família que foi embora sem dizer para onde, surpreendeu-se com o aparecimento de um pinto na sua casa, doado por alguém, não disse quem, bem na véspera do natal.

Conta a protagonista, da admiração de todos na casa, seu marido e seus filhos, todos ficaram surpresos, tentando adivinhar o que o pinto estava fazendo ali nessa ocasião. “Mas o natal é amanhã, disse acanhado o menino mais velho. Sorrimos desamparados curiosos”.

A protagonista narradora define o fato do pinto como um sentimento que vai se modificando como a água que vai se transformando a cada ocasião que se lhe apresenta: “mas sentimentos são de um instante. Em breve como a mesma água já é outra quando o sol a deixa mais leve, e já é outra quando se enerva e tenta morder uma pedra, é outra ainda no pé que mergulha – em breve já não tínhamos no rosto apenas aura e iluminação. Em torno do pinto estávamos bons e ansiosos”.

Ela, a protagonista narradora, fala da bondade e o efeito que ela provoca em cada pessoa de sua família e nela. No marido rapidez e severidade, nos meninos, um ardor, e nela protagonista, intimida. Como a água os sentimentos iam se transformando. “Daí a pouco olhamos enredados pela falta de habilidades de sermos bons, e o sentimento já era outro, da falta de bondade para tínhamos no rosto a responsabilidade de uma aspiração, o coração pesado de um amor que já não era mais livre. Passado o momento do pinto, os adultos já o tinham esquecido, mas os meninos não, ficara uma indignação.

Não só indignação, mas também acusação de que nada fazíamos pelo Pinto e pela humanidade”. Constrangidos, pai e mãe ainda não haviam dito para os filhos que as coisas são assim mesmo. Então a protagonista confessa o quanto é difícil dizer para os filhos de que as coisas eram assim mesmo as aceitávamos.

“E o pinto continuava ali sobre a mesa, piando cheio de medo. Não tinha como acalmá-lo porque ele não conhecia sentimentos”. Nesse momento em que o pinto estava ali sobre a mesa com medo, a protagonista desejou que o pinto fosse igual os humanos e sentisse como os humanos o sentimento do amor e soubesse que ali, ele, como obra de Deus, estava sendo amado.

“E o menino menor não suportou mais, e perguntou: você quer ser a mãe dele? Eu disse que sim” Os quatro meninos ficaram então esperando que ela tomasse uma atitude em favor do pinto. Ela, a protagonista narradora fala dos sentimentos e do amor que o pinto estava provocando na família. Ela como mãe, como o nascimento é próprio das mães. Tentou isolar-se do problema.

Diante de tamanha crise no amor a protagonista se presta a uma reflexão e percebe que um dia, sem ela saber com certeza a amaram.

Então estendeu a mão e pegou o pinto.

Ao pegar o pinto lhe veio à lembrança novamente Ofélia. Agora ela relembrava não só Ofélia. Mas também seus pais. Com carinho relembrou do dia no banco da praça em que conversava com a mãe de Ofélia, uma mulher trigueira que fazia os homens a olhar pela segunda vez, do seu desejo de fazer um curso para fazer bolos. Lembrou-se também do pai de Ofélia, homem bem apanhado com o firme desejo de se dar bem com seu ramo de negócio, gerente de hotel ou até mesmo como dono de um.

Mas quem eram as personagens que compunham aquela família misteriosa?

A protagonista conta que o contato com a família se fez através de Ofélia. Ofélia, menina inteligente, como descreve a narradora, sentava-se com jeito, tinha opinião formada sobre tudo.

Dava conselhos para a educação dos filhos, dava instruções e advertências. Banana não se mistura com leite. Mata. Para tudo tinha uma resposta. A última palavra sempre era dela. Tinha o hábito de dar opinião sobre tudo, criticar procedimentos e analisar.

Uma vez chegou a chamar a protagonista de esquisita. Esquisita porque comprava verduras demais para a semana e acabava estragando na geladeira, outra vez porque e comprou de menos e não chegava até o fim da semana. Tudo isso irritava a protagonista que sempre tentava induzida ao erro, sempre em vão, salvo um dia quando lhe foi perguntado o que era geografia e ela respondeu: “Geografia é um modo de estudar”. O erro lhe valeu conselhos como: vai errando devagar. É errado que se aprende.

Ofélia era uma menina inteligente, mas a protagonista desejava livrar-se dela: existe uma menina mais antipática? Um dia parecia que este dia se aproximava e rapidamente.

Bateram a porta da casa para a surpresa da protagonista narradora, lá estava a mãe de Ofélia.

Por acaso Ofélia Maria esta aí?

Recebendo resposta afirmativa, a mãe de Ofélia parecia estar ofendida e reprovando as visitas de Ofélia na casa da vizinha. Esta atitude da mãe deixou preocupada a protagonista, pois nunca havia feito nada que desagradasse a menina. Enquanto elas iam embora ela percebeu o quanto a mãe protegia a filha. Finalmente, pensou ela, Ofélia não vira mais aqui. A mãe dela deve me odiar, pensa que eu quero roubar a sua filha.

Não foi o que aconteceu, Ofélia continuou a visitar a casa da amiga. Voltava sempre para reparar nos erros da amiga dar-lhe conselhos.

O que Ofélia realmente queria? Nem mesmo a protagonista tinha a resposta.

Mais tarde Ofélia apareceu para a visita costumeira. Assuntou-se com a presença do Pinto e fez perguntas, todas respondidas.

A partir daí o pinto gerou uma situação de consciência na protagonista. A menina inteligente virou criança. A protagonista que antes via a menina como chata, agora a passa ver como uma criança que quer resposta da vida. A menina se sentiu impelida a roubar o pinto, que segundo sua dona, esta atitude mostrou que a menina tinha inveja porque ela não tinha aquele pinto.

“Depois que o tremor da cobiça passou, o escuro dos olhos tremeu todo: não era a um rosto sem cobertura que eu a expunha agora eu a expusera ao melhor do mundo: a um pinto.

Sem me verem, seus olhos quentes me fitavam numa abstração intensa que se punha em íntimo contato com minhas intimidades”.

A menina ali, diante da protagonista, estava cheia de dúvidas, de espanto, com a pergunta estampada no rosto e nos olhos cuja resposta a protagonista não dava por conta da moralidade.

A protagonista foi percebendo a angústia da menina. Como também a sua angústia de ver aquela menina ali diante dela se transformando numa criança e desejando ser dela ou se ala mesma. Ofélia voltou à pergunta: “É um pinto?

Ele está na cozinha.

Você pode ir à cozinha brincar com o pintinho”.

Aqui a protagonista deixa para a menina a escolha de ir ou não ir: “sei que não deveria ter dado a escolha.

Só vão ver o pintinho se você quiser”.

A partir daí para diante a protagonista faz uma análise psicológica do aceitar e do odiar.

Era preciso que a menina a odiasse para que ela, a protagonista pudesse resistir a seu ódio, ao seu sofrimento.

Reclama a protagonista: ao me usar me machucava com força; ela me arranhava ao tentar agarrar-se a minhas paredes lisas. Afinal sua voz soou em baixa e lenta raiva: – Vou ver o pinto na cozinha.

Com a dignidade e a elegância de sempre foi até a cozinha, mas voltou logo.

“Mas é um pintinho, disse. Ri, Ofélia olhou-me ultrajada. De repente riu, rimos juntas. Ofélia pôs o pintinho no chão e começou a brincar com ele, se corria atrás dele”.

Passada a êxtase pelo pinto, finalmente Ofélia resolveu ir embora. Depois de ir à cozinha levar o pinto despediu-se da amiga e saiu. A narradora protagonista conta assim o final da história de Ofélia: “Relutante foi afastando devagar a cadeira do caminho. Até parar devagar à porta da cozinha. No chão estava o pinto morto. Ofélia, inutilmente tentei eu atingir o coração da menina calada. OH! Não se assuste muito, às vezes a gente mata por amor, mas juro que um dia a gente esquece, juro. Eu estava agora cansada, sentei-me no banco da cozinha.
Sentada como se todos esses anos eu tivesse com paciência esperado na cozinha, Como na páscoa nos é prometido, em dezembro ele volta. Ofélia é que não voltou: Cresceu. Foi ser a princesa hindu por quem no deserto sua tribo espera”.

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