Da janela mais alta de minha casa
, de Alberto Caeiro, heterônimo
de Fernando Pessoa, pertence à obra O guardador de Rebanhos.
Com um sujeito poético que está conformado, aceitando que os
seus versos estejam naturalmente destinados à humanidade, despede-se
deles, resignado e consciente de que eles são parte de um todo e não
de um bem pessoal:
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.
É um momento solene, que encerra em si mesmo um misto de tristeza e
alegria. Tristeza por terminar algo, alegria por começar algo melhor.
Os versos do sujeito poético foram escritos para que toda a gente os
possa ler (Escrevi-os e devo mostrá-los a todos), do mesmo modo
que a Natureza está exposta a todos os olhares:
…a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.
Também os versos são qualquer coisa natural, cujo destino é
partir “para a humanidade”, explicitando-se a ideia de que o determinismo
das leis da Natureza é extensivo aos versos do “Poeta da Natureza”.
Nas duas últimas estrofes da composição poética,
o sujeito poético incita os seus versos a partirem para o seu destino
e espelha a ideia de que a Natureza é cíclica e renovável.
Assim, também o eu passa, mas ficará como o Universo, perpetuando
a sua passagem pela vida através dos seus versos. ilusão metafísica.
Poema na íntegra:
Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade.
E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.
Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.
Quem sabe quem os terá?
Quem sabe a que mãos irão?
Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.
Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.
Passo e fico, como o Universo.