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Liberdade, Liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel

by Lucas Gomes

A realidade instalada no Brasil a partir do golpe de 1964 deu um novo rumo ao teatro de Millôr Fernandes: defensor do livre arbítrio, ele se torna, desde o início, um ferino questionador do esquema repressor que dominava o país. O primeiro fruto desta atitude foi Liberdade, Liberdade, peça escrita com Flávio Rangel.

A obra tentou traduzir o inconformismo da nação perante o arbítrio e a repressão do regime, inaugurando um estilo de espetáculo que viria a ser chamado “teatro de resistência”.

Liberdade, Liberdade recorre a 56 personagens para rever e reavaliar este tema, aplicando-o à realidade atual. Em cena, os atores se revezam na interpretação de textos clássicos de autores como Sócrates, Marco Antonio, Platão, Abraham Lincoln, Martin Luther King, Castro Alves, Anne Frank, Danton, Winston Churchill, Vinícius de Moraes, Geraldo Vandré, Jesus Cristo, William Shakespeare, Moreira da Silva e Carlos Drummond de Andrade, entre outros.

O resgate dos períodos históricos passa também por 30 canções ligadas ao assunto, interpretadas ao vivo por uma banda musical. Nas palavras de Cecília Meirelles, também parte do texto, o espetáculo trata da “liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”.

A colagem de textos de vários autores numa peça de dramaturgia já era adotada no teatro moderno, mas, à época no Brasil, se constituía numa novidade.

Embora bastante questionado na época, por ser mais um show do que propriamente uma peça de teatro, Liberdade, Liberdade revelou-se uma iniciativa seminal, que influenciou fortemente a dramaturgia da década.

Resumo

“Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta,
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda.” (Cecília Meirelles)

* * *

“Não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-las”. (Voltaire, filósofo francês)

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“Pode-se enganar algumas pessoas todo o tempo; pode-se enganar todas as pessoas algum tempo; mas não se pode enganar todas as pessoas todo o tempo.” (Abraão Lincoln, presidente norte-americano)

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“Se Hitler invadisse o inferno, eu apoiaria o demônio.” (Winston Churchill, primeiro-ministro inglês)

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Conquista do ser humano – o direito ao lazer:
Hora de comer – comer!
Hora de dormir – dormir!
Hora de vadiar – vadiar!
Hora de trabalhar? – Pernas pro ar, que ninguém é de ferro!

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“O mal que os homens fazem vive depois deles. O bem é quase sempre enterrado com seus ossos.” (Shakespeare)

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A liberdade e a puta são as coisas mais cosmopolitas debaixo do sol.

* * *

Mas, afinal, o que é a liberdade? Eu lhes garanto que a liberdade existe. Não só existe, como é feita de concreto e cobre e tem cem metros de altura. A liberdade foi doada aos americanos pelos franceses em 1866. Recebendo a liberdade dos franceses, os americanos a colocaram na ilha de Bedloe, na entrada do porto de Nova Iorque. Esta é a verdade indiscutível. Até a agora a liberdade não “penetrou” no território americano. Quando Bernard Shaw esteve nos EUA foi convidado a visitar a liberdade, mas recusou-se afirmando que seu gosto pela ironia não ia tão longe. Aquelas coisas pontudas colocadas na cabeça da liberdade ninguém sabe o que sejam. Coroa de louros certamente não é. Antigamente era costume coroar-se heróis e deuses com coroas de louros. Mas quando a liberdade foi doada aos EUA, nós, os brasileiros, já tínhamos desmoralizado o louro, usando-o para dar gosto no feijão. A confecção da monumental efígie custou à França trezentos mil dólares. Quando a liberdade chegou aos EUA, foi-lhe feito um pedestal que, sendo americano, custou muito mais do que o principal:
quatrocentos e cinqüenta mil dólares. Assim, o preço da liberdade é de setecentos e cinqüenta mil dólares.

* * *

Discurso de Hernán Cortez (colonizador espanhol na América):

“Soldados de Espanha! Antes de tudo há que lutar! As caravelas, mandei-as afundar, para não terdes vós outros qualquer veleidade de voltar. Há que lutar com as armas que tendes à mão. E se vo-las romperem em violento combate, então há que brigar a socos e pontapés. E se vos quebrarem os braços e as pernas, não olvideis os dentes. E se havendo feito isso, a morte chegar, mesmo assim ainda não tereis dado a última medida de vossa devoção, não! é preciso que o mau cheiro de vossos cadáveres empeste o ar e torne impossível a respiração dos inimigos de Espanha!”
– Acho que vou me mudar para os EUA.
– EUA? por quê?
– Vou viver na matriz.

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– Eu não sei por que vocês reclamam tanto. Eu acho que o país está muito melhor.
– Melhor como?!
– Muito melhor do que no ano que vem!

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Sentença condenatória de Tiradentes:

“Que seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca e ali morra morte natural para sempre e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e pregada em poste alto até que o tempo a consuma: e o seu corpo será dividido em quatro quartos e pregado em postes pelo caminho de Minas, onde o réu teve suas infames práticas. Declaram o réu infame, e seus filhos e netos, sendo seus bens confiscados. A casa em que vivia será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique.”

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Winston Churchill, em discurso ao povo inglês durante a Segunda Guerra Mundial: “Só posso oferecer-vos sangue, trabalho, suor e lágrimas.”

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Declaração Universal dos Direitos do Homem:

“Todos os seres humanos nascem iguais e livres em dignidade e direitos, sem distinção de raça, sexo, cor, idioma, religião, opinião política.
Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa.
Ninguém será submetido a torturas e a tratos cruéis.
Ninguém poderá ser arbitrariamente preso, detido ou desterrado.
A vontade do povo é a base da autoridade do poder público.
Todos são iguais perante a lei.”

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Às vezes, no fim de uma batalha, nem se sabe quem venceu; ou o vencedor parece derrotado. Galileu Galilei cedeu diante da Inquisição, mas a Terra continuou girando ao redor do Sol.

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A última palavra em vida de algumas celebridades:

“O resto é silêncio.” (Hamlet)
“Meu pai, por que me abandonaste?” (Cristo)
“Mais luz.” (Goethe)
“Resisto!” (Prometeu)

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