O amor não tem importância.
No tempo de você, criança,
uma simples gota de óleo
povoará o mundo por inoculação,
e o espasmo
(longo demais para ser feliz)
não mais dissolverá as nossas carnes.
Mas também a carne não tem importância.
E doer, gozar, o próprio cântico afinal é indiferente.
Quinhentos mil chineses mortos, trezentos corpos
[de namorados sobre a via férrea
e o trem que passa, como um discurso, irreparável:
tudo acontece, menina,
e não é importante, menina,
e nada fica nos teus olhos.
Também a vida é sem importância.
Os homens não me repetem
nem me prolongo até eles.
A vida é tênue, tênue.
O grito mais alto ainda é suspiro,
os oceanos calaram-se há muito.
Em tua boca, menina,
ficou o gosto do leite?
ficará o gosto de álcool?
Os beijos não são importantes.
No teu tempo nem haverá beijos.
Os lábios serão metálicos,
civil, e mais nada, será o amor
dos indivíduos perdidos na massa
e só uma estrela
guardará o reflexo
do mundo esvaído
(aliás sem importância).
Um dos poemas mais interessantes e fortes do livro. De intensa carga negativa que
reforça as idéias contidas nos anteriores, como o reforço do mundo ser um mundo
caduco (em “Elegia 1938” e “Mãos dadas”), tempo em que não se diz mais: meu amor
(em “Os ombros suportam o mundo”), tudo está decomposto e nada mais tem importância,
pois a vida é tênue, pequena, frágil e ligeira, não adiantando gritar, pois nenhum
grito será ouvido; as pessoas não se solidarizam mais: Os homens não me repetem /
nem me prolongo até eles; há uma frieza nas relações pessoais: Os lábios serão
metálicos, e o mundo está acabado e sem importância.
Através deste poema Drummond transmite a mensagem de que desde o berço
o destino está marcado: o amor, a carne, a vida e os beijos não têm a importância
imediata que a sociedade de consumo lhe dá.
No poema é elaborado um tipo de conhecimento baseado no determinismo e nas
experiências negativas centradas num tipo de discurso dogmático: “o amor não tem
importância(…) nem a carne não tem importância(…)”. Tudo isto, à primeira
vista parece uma antífrase profetizante que nos mostra um poeta descrente da
autenticidade do amor a partir dos comportamentos mecanizados e formalizados
adotados pelos homens de seu tempo, que priorizavam a mecanização sobre os
sentimentos puros e naturais.