Home EstudosLivros Elegia 1938 (Poema da obra Sentimento do mundo), de Carlos Drummond de Andrade

Elegia 1938 (Poema da obra Sentimento do mundo), de Carlos Drummond de Andrade

by Lucas Gomes

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações no encerram nenhum exemplo.

Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,

e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas de dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota

e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

Neste poema o poeta volta a falar de um “mundo caduco”, da existência de
uma “grande máquina”, sobre caminhar “entre os mortos”, e usa a segunda
pessoa do sinhgular como se estivesse falanddo consigo mesmo: “A literatura
estragou tuas melhores horas de amor”
, e sentencia de modo inusitado:
“Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição / porque
não podes sozinho dinamitar a ilha de Manhattan.”
. Esta ilha, referência
à cidade de Nova Iorque, símbolo de um capitalismo tão injusto.

Ao contemplar a realidade e mergulhar profundamente na sua existência buscando
integrar-se à humanidade, vemos muitas vezes no livro Sentimento do mundo,
o eu-lírico desdobrando-se na terceira pessoa, ou mesmo num “tu” problemático,
como se fosse uma poética de auto-referência, cheia de seiredade e paradoxal
humor diante da realidade que parece tão errada, mas que exige uma percepção
prática. Drummond conversa com seu leitor, irmana-se. Mostra-nos talvez que a
eternidade é uma palavra expressa, porém de obscura compreensão.

“Elegia” era o nome dado pelos gregos a um tipo cujo tema estava ligado à morte.
Seu tom era, portanto, sempre triste, de lamentação. O ano de 1938 identifica-se
com um período de grande desenvolvimento industrial e uma grave crise social e
política, que teria como uma das suas decorrências a Segunda Guerra Mundial. A
esse quadro o poeta refere-se como um “mundo caduco”.

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