Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações no encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas de dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.
Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.
Neste poema o poeta volta a falar de um “mundo caduco”, da existência de
uma “grande máquina”, sobre caminhar “entre os mortos”, e usa a segunda
pessoa do sinhgular como se estivesse falanddo consigo mesmo: “A literatura
estragou tuas melhores horas de amor”, e sentencia de modo inusitado:
“Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição / porque
não podes sozinho dinamitar a ilha de Manhattan.”. Esta ilha, referência
à cidade de Nova Iorque, símbolo de um capitalismo tão injusto.
Ao contemplar a realidade e mergulhar profundamente na sua existência buscando
integrar-se à humanidade, vemos muitas vezes no livro Sentimento do mundo,
o eu-lírico desdobrando-se na terceira pessoa, ou mesmo num “tu” problemático,
como se fosse uma poética de auto-referência, cheia de seiredade e paradoxal
humor diante da realidade que parece tão errada, mas que exige uma percepção
prática. Drummond conversa com seu leitor, irmana-se. Mostra-nos talvez que a
eternidade é uma palavra expressa, porém de obscura compreensão.
“Elegia” era o nome dado pelos gregos a um tipo cujo tema estava ligado à morte.
Seu tom era, portanto, sempre triste, de lamentação. O ano de 1938 identifica-se
com um período de grande desenvolvimento industrial e uma grave crise social e
política, que teria como uma das suas decorrências a Segunda Guerra Mundial. A
esse quadro o poeta refere-se como um mundo caduco.