Conto narrado em terceira pessoa, onde há duas histórias justapostas: a que nos conta o narrador,
envolvendo as crianças; e a que Brejeirinha inventa sobre o Audaz Navegante. O conto desenvolve,
portanto, duas narrativas absolutamente simétricas e correspondentes, a do narrador onisciente e a
de Brejeirinha sobre as mesmas personagens e ações, Zito, a namorada, a separação e o reencontro.
A intenção é privilegiar a linguagem e o universo infantil, seus jogos e brincadeiras.
Guimarães Rosa olha o mundo neste conto através de Brejeirinha, personagem central.
Neste conto os barbarismos são explorados poeticamente.
Logo no início do conto, quando o narrador procura situar o leitor dentro do “espaço”,
é apresentada a personagem “Mamãe”. Pelo tratamento, pode-se compreender que o narrador se
inclui como personagem da cena, sem manter um distanciamento de quem narra fatos
experimentados por outros.
Zito é o elemento “de fora”; portanto aquele que rompe a harmonia. Metáfora do desejo,
Zito é símbolo do pai ausente e desdobra-se na figura do “audaz navegante”. Pode-se, então,
compreender que a narrativa de Brejeirinha como uma construção que, a um só tempo, denuncia
a falta (do pai) e tenta, pela linguagem, pela fantasia, reverter a perda em conquista,
uma situação na qual a passividade (sofrer a perda) transforma-se em poder: impor a saída
(do navegante).
Enredo
Os acontecimentos giram em torno de quatro crianças: três meninas Pele, Ciganinha e
Brejeirinha, irmãs e um menino Zito.
É de manhã e a mãe das meninas está às voltas com as lides da casa. Nurka, a cachorrinha,
dorme. As crianças ainda estão em casa, porque, lá fora, chove.
O narrador nos informa a respeito das crianças: Pele, meiga e prestativa; Ciganinha, linda, o
retrato da mãe; Zito, imaginativo, sonhava ir-se embora, teatral; Brejeirinha,
a menor e mais arteira.
Brejeirinha, como se pressentisse os sonhos de Zito, diz -Zito, você podia ser o pirata,
inglório marujo, num navio intacto, para longe, longe no mar, navegante que o nunca-mais,
de todos? Empolgada, a menina começa a contar sua história: narra a partida de um
Audaz Navegante que deixa a todos que ama para descobrir os lugares, que nós não vamos
nunca descobrir. A história termina com todos chorando por causa da partida do “Aldaz”.
A história é interrompida por Pele: -Você é uma analfabetinha aldaz, referindo a
pronúncia inadequada da menina. Ciganinha não gostou da história: Por que você inventou
essa história de tolice, boba, boba?
Brejeirinha responde: – Porque depois pode ficar bonito, ué!
Mas o tempo melhorou, a mãe ia visitar uma doente e as crianças pediram para
ir riacho.
Mamãe deixava, elas não eram mais meninas de agarra-a-saia. Zito devia
acompanhá-las, pois já era um meiozinho homem, leal de responsabilidades.
As crianças dirigem-se alegres para o riacho: Zito dando o braço a Ciganinha,
por vezes, muito, as mãos se encontravam. Pele se crescia, elegante. E ágil ia
Brejeirinha com seu casaquinho coleóptero. Ela andava pés-para-dentro, feito periquitinho,
impávido.
Já no riacho e em meio a brincadeiras, Brejeirinha pede a atenção de
Zito e Ciganinha. Queria continuar sua história. Dessa vez, o Aldaz é pego de
surpresa pelo mar, que leva seu navio.
Mas a menina perde o fio da história, e Pele, impaciente, aponta um estrume seco de vaca,
dizendo eha o seu aldaz navegante, ali. É aquele…
Em cima do estrume ressequido chamado por Brejeirinha de bovino,
crescera um cogumelo.
A menina enfeita o bovino com florezinhas. Todos riem e batem palmas:
-Pronto. É o Aldaz Navegante…
Depois disso, Brejeirinha ainda continua a história. Conta que o “Aldaz” sozinho e
temeroso deu um pulo onipotente…Agarrou, de longe a moça, em seus braços…Então,
pronto […] Agora, acabou-se, mesmo: eu escrevi “Fim”.
A chuva recomeçava e cercava o bovino. O Aldaz logo partiria,
levado pelas águas. As crianças decidem mandar recados por ele: -Zito põe um
moeda. Ciganinha, um grampo. Pele, um chicle. Brejeirinha um cuspinho, é o seu
estilo. E a estória? Haverá, ainda tempo para recontar a verdadeira estória? Brejeirinha
ainda inventa outro final. Dessa vez, o Aldaz e sua amada partem juntos, desde
o início.
A chuva aumentava e Brejeirinha, assustada, tranqüiliza-se quando vê
a mãe, “fada, inesperada, surgia, ali de contraflor”. Juntos observam a partida
do bovino: Olha! Lá se vai o “Aldaz Navegante”.