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Capítulo dos Chapéus (Conto de Histórias sem Data), de Machado de Assis

by Lucas Gomes

Neste conto Machado de Assis discorre sobre um desejo reprimido que reaparece, deslocado, mas que
perturba a jovem Mariana. Ela e Sofia, sua amiga, são as duas mulheres que representam os dois mundos
que colidiam no Brasil da segunda metade do século XIX.

Em Capítulo dos Chapéus aparecem a frivolidade e ostentação da época de Machado de Assis.

Este interessante conto põe a nu a posição da mulher na nova sociedade que se forma no Brasil dessa
segunda metade do século XIX, por meio de uma prosa irônica, mas que não deixa de revelar um tom trágico,
por meio de uma tarde na vida da pacata Mariana.

A história do conto é simples: Mariana, “esposa do bacharel Conrado Seabra”, pede ao marido que troque o
chapéu que costuma usar todos os dias. O marido, diante não de um pedido mas da teima da esposa, acha
absurda sua atitude e responde-lhe ironicamente, humilhando-a. Conrado desconhece o fato de a solicitação
de Mariana ter origem em uma colocação feita pela pai dela: De noite, encontrando a filha sozinha,
abriu-lhe o coração, pintou-lhe o chapéu mais baixo como a abominação das abominações e instou com ela
para que o fizesse desterrar
.

Humilhada, repleta de despeito, Mariana resolve espairecer, indo visitar uma amiga, Sofia – “alta, forte,
muito senhora de si”. Num ato de fraqueza, confessa a Sofia o motivo de sua visita e a amiga a convence a
irem juntas passear na Rua do Ouvidor. No entanto, o passeio revela-se perturbador e Mariana, angustiada,
anseia por voltar para a segurança do seu lar. Ao chegar em casa, porém, o marido comprou um chapéu novo
e Mariana, ainda assustada, pede-lhe que volte a usar o chapéu de sempre.

O conto é dominado pelas figuras de duas mulheres: Mariana e Sofia. Personalidades opostas, elas
representam dois mundos diferentes, mas próximos entre si, presentes na nova configuração da realidade
brasileira da segunda metade do século XIX. Mariana é a mulher infantilizada e alienada num ambiente
doméstico; sua vida resume-se a casa e seus objetos: Móveis, cortinas, ornatos supriam-lhe os filhos;
tinha-lhes um amor de mãe; e tal era a concordância da pessoa com o meio que ela saboreava os trastes na
posição ocupada, as cortinas com as dobras do costume, e assim o resto
. Sua caracterização evidencia
o quanto está de acordo com os ideais de feminilidade de um mundo marcado pela figura do patriarca: era
uma criatura passiva, meiga, de uma plasticidade de encomenda, capaz de usar com a mesma divina
indiferença tanto um diadema régio como uma touca
. Ou seja, é uma criatura feita de clichês que
servem para reafirmar o oposto, a virilidade masculina. Sua vida estreita, concorda com suas leituras:
Os hábitos mentais seguiam a mesma uniformidade. Mariana dispunha de mui poucas noções, e nunca lera
senão os mesmos livros: a Moreninha, de Macedo, sete vezes; Ivanhoé e o Pirata, de Walter Scott, dez
vezes; e Mot de l´enigme, de Madame Craven, onze vezes
.

Em oposição à sua figura, há Sofia, uma mulher da nova sociedade: independente, resoluta, seus limites
vão além da vida doméstica, estendendo-se para a rua: Sofia, prática daqueles mares, transpunha, rasgava
ou contornava as gentes com muita perícia e tranqüilidade
. Mais ainda, Sofia era honesta, mas
namoradeira: o termo é cru e não há tempo de compor um mais brando. Namorava a torto e a direito, por
necessidade natural, um costume de solteira
. A relação das duas mulheres com os maridos segue esse
caráter de oposição. Sofia domina o marido: Olhe eu cá vivo, muito bem com o meu Ricardo; temos muita
harmonia. Não lhe peço coisa que ele não faça logo; mesmo quando não tem vontade nenhuma, basta que eu
feche a cara, obedece logo. Não era ele que teimaria assim por causa de um chapéu! Pois não! Onde iria
ele parar! Mudava de chapéu, quer quisesse, quer não
.

Sofia possui certa consciência de seu desejo e aproveita-se do fato de ser objeto de desejo dos outros
homens: sai para ser vista, seu olhar se desloca incessantemente para capturar o olhar do outro, numa
postura ativa: Muitos eram os olhos que a fitavam quando ela ia à câmara, mas os do tal secretário
tinham uma expressão mais especial, mais cálida e súplice. Entende-se, pois, que ela não o recebeu de
supetão; pode mesmo entender-se que o procurou curiosa
.

Sofia encarna o novo papel da mulher: a vida social é muito importante e o que vale é ver e ser vista.

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