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Um moço muito branco (Conto de Primeiras estórias), de Guimarães Rosa

by Lucas Gomes

Este conto é introduzido por uma precisão espaço-temporal atípica em Guimarães Rosa e pode
ser classificado como fantástico.

Em Um moço muito branco, novamente surge a evocação ao mistério que se perde
em descrições factuais. Nos deparamos com o jogo de luz e sombra. Novamente
alguém estranho precisa aparecer para lançar algum tipo de luz nova sobre a comunidade
cega. De forma muito tênue, o narrador mostra que do grotesco e assustador pode surgir um
ser delicado e claro de visão, ou seja, dos escombros de um possível terremoto, aparece um
homem muito branco, que reacenderá, sem que o saiba, alguns feixes de luz apagados.

Um moço muito branco é uma revelação, porque nos traz um personagem que
revela aos outros o que eles têm em si mesmos, e que raramente é tocado. Este
personagem, caracterizado por ser muito branco “Tão branco; mas não branquicelo,
senão que de um branco leve, semidourado de luz: figurando ter por dentro da pele
uma segunda claridade”
, é responsável pela mudança da perspectiva de
vida das pessoas do lugar. Novamente temos a inserção, na obra de Guimarães Rosa,
de uma criatura singular, fora dos padrões sociais e até mesmo estéticos. A presença
desta criatura é mostrada como fruto de uma catástrofe, de um “fenômeno luminoso”
projetado no espaço, e que gerou um terremoto que sacudiu os altos, quebrou
e entulhou casas, remexeu vales, matou gente sem conta…
.

Os relatos são feitos, inicialmente, a partir de elementos comprobatórios, revelando
uma intenção narrativa de ser o mais verossímil possível, mas que depois se dilui
ao descompromisso com o factual, para penetrar novamente nas camadas mais sutis
dos acontecimentos. Ou seja, os fatos, com datas e locais específicos, são verdadeiros
pretextos para a revelação de outras verdades que serão narradas, as quais pertencem
ao tempo próprio da narrativa, bem como de suas necessidades e intenções.

A história acontece num passado já distante. O narrador preocupa-se em fornecer datas e
lugares precisos para dar mais exatidão à insólita história do moço. Elke mesmo admite
que: da maneira ainda hoje se conta, mas transtornado incerto, pelo decorrer do tempo,
porquanto narrado por filhos ou netos dos que eram rapazes, quer ver que meninos,
quando em boa hora o conheceram
.

A chegada do moço, cuja procedência permanece desconhecida até o final do conto,
coincide com a ocorrência de uma série de fenômenos naturais. Isso, somado ao
inusitado de seus traços individuais, a seu estranho desaparecimento e ao fato
de que todos se transformam diante de sua presença, aproxima sua imagem à de um
ser especial, enviando de outro planeta ou do plano divino.

Assim começa a estória: NA NOITE de 11 de novembro de 1872, na comarca do
Serro Frio, em Minas Gerais, deram-se fatos de pavoroso suceder, referidos nas folhas da
época e exarados nas Efemérides.

Nessa estória ocorre um jogo entre o conhecido e o desconhecido. O narrador apresenta
muitas informações sobre a comunidade, porém, ao falar do protagonista, as pinceladas são mais
evocativas, impressionistas, o que mostra a profunda diferença entre este e a comunidade.
Neste jogo fica evidenciado o que é do cotidiano e o que é do inusitado, o que é ausência
de luz, e o que é presença luminosa. Trata-se de um verdadeiro contraste entre os aspectos
da imanência (vida da comunidade) e da transcendência (chegada do moço branco). Ao se
referir às pessoas do lugar, a narração caminha menos solta, e se prende a retratar com
mais realismo os seus costumes. Mas, no que diz respeito ao moço branco, o narrador
faz outros contornos, sugere, evoca, provocando uma distinção entre o protagonista e os outros.

Enredo

O conto fala de um moço que apareceu, não se sabe de onde, na Fazenda do Casco, de Hilário
Cordeiro, homem justo e bom que o acolheu.

Seu aparecimento ocorreu uma semana depois que estranhos fenômenos sucederam na comarca de
Serro Frio, em Minas Gerais, no ano de 1872: Dito que um fenômeno luminoso se projetou no
espaço, seguido de estrondos e a terra se abalou, num terremoto que sacudiu os altos, quebrou
e entulhou casas, remexeu vales, matou gente sem conta […]
.

O moço chegou pela manhã, maltrapilho, e dele o que mais chamou a atenção de todos foi
a cor da pele: Tão branco; mas não branquicela, senão que de um branco leve, semidourado
de luz: figurando ter por dentro uma Segunda claridade
.

O moço – filho de nenhum homem – não falava , não ouvia e tinha perdido a memória.
Todos se compadeceram e gostaram dele. Especialmente José Kakende, negro de idéia
conturbada
que dizia ter testemunhado uma aparição, nas margens do Rio do Peixe,
na véspera das catástrofes. Só quem, de início, não simpatizou com o moço foi Duarte Dias,
homem de gênio forte, além de maligno e injusto, sobre prepotência […].

Levaram o moço à missa e todos repararam nele. A tudo assistia calado como se conseguisse,
em si, mais saudade que as demais pessoas, saudade inteirada, a salvo do entendimento
.

Na saída da missa, surgiu Duarte Dias, com alguns companheiros, requerendo a custódia do
moço, pois julgava que ele era da família dos Rezendes, seus parentes. Mas Hilário
Cordeiro não concordou, mantendo o moço consigo.

Hilário Cordeiro parecia ter sido recompensado por seu zelo, pois sua vida melhorou:
eis que tudo lhe passou a dar sorte, quer na saúde e paz, em sua casa, seja no assaz
prosperar dos negócios, cabedais e haveres
.

O moço também encantou a filha de Duarte, Viviana, moça muito bonita, mas triste.
Ele colocou a palma da mão no seio de Viviana e ela a partir dessa hora, despertou em
si um enfim de alegria, para todo o restante de sua vida, donde um Dom
.

Mas foi por ocasião “da missa da Dedicação de Nossa Senhora das Neves e vigília da
Transfiguração”, que Duarte surpreendeu seus conhecidos. Chorando, implorava a custódia
do moço, alegando que por ele sentia uma “fortíssima afeição”. Vendo isso, o moço,
“claro como o sol”, o pegou pela mão e saiu com ele. Diz-se que o moço o conduziu a
uma “grupiara de diamantes ou um panelão de dinheiro”. O certo é que Duarte Dias
nunca mais foi o mesmo. Transformou-se num homem “sucinto, virtuoso e bondoso”.

O moço desapareceu no dia de Santa Brígida. Conta-se que José Kakende o ajudou,
acendendo nove fogueiras, como o moço determinou. “Com a primeira luz do sol,
o moço se fora, tidas asas”.

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