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Brasil – Assembléia Constituinte de 1823 (5) – Harmonia e conflito de poderes

by Lucas Gomes


D. Pedro

Durante os primeiros tempos, os trabalhos evoluíram em aparente harmonia.
O Imperador e a Assembléia tratavam-se com respeito e existia um clima
de colaboração, a ponto de a meia dúzia de Leis ordinárias
que chegaram a ser concluídas terem sido sancionadas sem nenhuma objeção.
Internamente, foi elaborado e parcialmente debatido o projeto de Regimento Interno
e foram constituídas as comissões de Poderes, Redação
do Diário, Legislação, Fazenda, Instrução Pública,
Polícia, Colonização, Comércio Agricultura Indústria
e Artes, Marinha e Guerra, Estatística e Diplomacia, Saúde Pública,
Política Interna, Eclesiástica, Redação de Leis e
Minas e Bosques.

Previamente, logo no primeiro dia de sessão ordinária, fora conformada
a comissão principal; aquela que teria a responsabilidade de elaborar
o projeto da futura Constituição. Mais uma vez, Antônio
Carlos obteve a maior votação: 40 votos. O seguiram Antônio
Luiz Pereira da Cunha (Rio de Janeiro), com 30 votos, Pedro de Araújo
Lima (Pernambuco), com 20, José Ricardo da Costa Aguiar de Andrada (São
Paulo), com 19, Manoel Ferreira da Câmara Bittencourt e Sá (Minas
Gerais), com 18, Francisco Muniz Tavares (Pernambuco), com 16, e José
Bonifácio, também com 16.

A comissão trabalhou durante quatro meses. O projeto, contando 272 artigos,
foi apresentado por Antônio Carlos, na qualidade de relator, na sessão
de 1º de setembro. Após a definição da mecânica
de discussão, em 15 do mesmo mês passou a ser debatido artigo por
artigo.

Mas o clima já não era o mesmo. Inicialmente, houve acusações
de morosidade. Na impaciência do momento, os quatro meses gastos na elaboração
do projeto e a meticulosa discussão de cada um dos seus artigos criavam
justificados receios. Até que ponto seria, politicamente, possível
prolongar a imagem de uma monarquia constitucional sem a existência efetiva
de uma Constituição? José Bonifácio chegou a sugerir
que o imperador enviasse uma mensagem exigindo maior pressa. Nessa ocasião,
foi o próprio D. Pedro – depois tão freqüentemente acusado
de autoritário – quem se negou, ponderando que isso iria interferir na
autonomia da Assembléia.

Porém, ambos os partidos continuavam a agir. Os Andradas, no centro
do poder, eram também o centro da inveja e do ressentimento. Especialmente,
o todo-poderoso José Bonifácio enfrentava perigosos inimigos.
De um lado estavam os “portugueses”. Do outro, os liberais “exaltados”,
que, apesar da derrota de Gonçalves Ledo, ainda tinham forte presença
na Constituinte. Bonifácio não ocultava, na Assembléia,
que, na sua concepção, a Coroa era superior a ela. Isso lhe atraía
a inimizade dos outros deputados, à que ele respondia com receio e até
desdém.

Bonifácio desconfiava, essencialmente, de qualquer autoridade eleita.
Com clara visão aristocrática, pensava que os governantes deviam
ser preparados para tal função – talvez essa seja a razão
principal de, na hora da abdicação, D. Pedro tê-lo escolhido
como tutor do seu filho, o futuro imperador – e desprezava a “incauta ignorância
política” que, no seu entender, existia na Assembléia “como
sempre houve e há de haver em tôdas as Asembléas de qualquer
nação que seja”.

Esses conflitos se acirraram com a intervenção da imprensa. Havia
publicações de todas as posições, mas acusava-se
à Coroa de impor restrições aos meios opositores e utilizar
o Diário do Governo para socavar a autoridade da Assembléia. De
fato, as publicações eram cada vez mais virulentas. Em 23 de maio,
acusava-se alguns deputados de desorganizadores, aconselhava-se o imperador
a usar o poder absoluto enquanto a Constituição não fosse
concluída e até se sustentava o direito de – a exemplo de Luís
XVIII – o próprio D. Pedro mandar fazer e outorgar uma Constituição.
Como resposta aos desmandos que ocorriam na Constituinte – reais, aparentes
ou, simplesmente, exagerados – sustentava-se que a nação conferira
ao imperador poderes ilimitados e que este apenas os delegara à Assembléia,
sobre cujas decisões podia exercer um veto absoluto e até dissolvê-la,
se necessário fosse.

Fazendo-se eco dessas publicações, transcendeu que, entre as
forças aquarteladas no Rio Grande do Sul, circulavam escritos acusando
à Assembléia, em seu conjunto, de sustentar princípios
republicanos, estimular a desordem e – o que poderia ter um efeito mais direto
nos bolsos dos principais formadores de opinião – de querer libertar
os escravos, o que motivou um acirrado debate no seio da Constituinte, onde
os próprios Andradas viram-se obrigados a defender a posição
do governo.

Antônio Carlos tentou separar do governo a publicação questionada,
alegando que, embora se chamasse Diário do Governo e fosse utilizada
para dar difusão aos atos oficiais, tratava-se de um empreendimento privado,
de propriedade dos secretários da Guerra e dos Estrangeiros, não
podendo o governo interferir nos artigos publicados sem ferir à liberdade
de imprensa. José Bonifácio respondeu aos que o acusavam de sufocar
os meios opositores alegando não haver lei alguma contra a liberdade
de imprensa e sim – aludindo ao decreto de 18 de junho de 1822 – uma feita especialmente
para protegê-la. Segundo ele, os periódicos faliam por sua própria
ineficiência: “Se alguns escriptores publicarão folhas que
depois não continuarão, foi porque uns perderão na sua
publicação, e outros até ficaram endividados com a imprensa”.

Tantos conflitos acabariam socavando a influência dos Andradas junto
do imperador. Tanto José Bonifácio quanto Martim Francisco foram
destituídos do gabinete, permanecendo apenas na Assembléia. Isso
radicalizou ainda mais as posições. Repentinamente jogados na
oposição, os Andradas se entrincheiraram na sua posição
de deputados e, com o conhecimento privilegiado que lhes dera sua passagem pelo
poder, criaram um periódico de oposição, O Tamoyo, cujo
nome lembrava a resistência dos índios tamoios, miticamente levantada
como símbolo da nacionalidade em luta contra a opressão estrangeira.
Era o que faltava para que a guerra da imprensa adquirisse caraterísticas
explosivas.

Embora a demissão dos Andradas fosse estimulada pelos “exaltados”,
foi o “partido português” quem mais lucrou com a sua saída,
passando a ocupar os lugares vacantes e a imprimir uma perigosa guinada na política
do Império. Em Portugal, a situação, tinha mudado radicalmente.
O infante D. Miguel, irmão de D. Pedro, liderara um movimento militar
de restauração monarquista, derrogando a Constituição
de 1822 e reimplantando o absolutismo.

Com D. João VI novamente no poder, desaparecia – pelo menos em tese
– a ação das Cortes, que provocara a ruptura com o Brasil. Não
faltava quem imaginasse – com esperança ou com receio, dependendo do
ponto de vista e dos interesses que defendesse – a existência de negociações
secretas entre pai e filho, o que não é de todo improvável
ter acontecido.

A Assembléia receava a existência de um projeto de recolonização,
aprofundando assim o abismo que, cada vez mais, a separava do imperador. Por
sua parte, os “portugueses” que o rodeavam, sentindo nela uma ameaça
à sua recentemente adquirida posição de influência,
iam transformando-se de liberais em absolutistas e procuravam fortalecer o poder
da Coroa, em detrimento do equilíbrio de poderes previsto no Projeto
de Constituição.

Não cabe nos limites deste estudo uma análise pormenorizada dos
inúmeros incidentes que balizaram a deterioração da harmonia
entre os poderes. Baste dizer – já sintetizadas as linhas mestras do
conflito – que, em 12 de novembro, o imperador assinou o decreto de dissolução:

“Havendo eu convocado, como tinha direito de convocar, a Assembléa
Geral Constituinte e Legislativa, por Decreto de 3 de Junho do anno proximo passado,
afim de salvar o Brazil dos perigos, que lhe estavam imminentes; e havendo esta
Assembléa perjurado ao tão solemne juramento, que prestou a Nação,
de defender a integridade do Imperio, sua independencia, e a minha dynastia: Hei
por bem, como Imperador, e Defensor Perpetuo do Brazil, dissolver a mesma Assembléa,
e convocar já uma outra na fórma das Instrucções,
feitas para a convocação desta, que agora acaba; a qual deverá
trabalhar sobre o projecto de constituição, que eu lhe hei de em
breve apresentar; que será duplicadamente mais liberal, do que o que a
extinta Assembléa acabou de fazer”.

Leis e Projetos da Assembléia

Nos seis meses e nove dias que durou a sua existência, a Constituinte
elaborou o projeto de Constituição e chegou a discutir e aprovar
os primeiros 24 artigos. Mas a Assembléia Geral não era apenas
Constituinte. Tinha também função legislativa e, como tal,
chegou a elaborar 38 projetos de lei. Eles versavam, dentre outros assuntos,
a isenção impositiva da produção de ferro e outros
minerais, bem como dos produtos da lavoura na Bahia, o controle de preços
dos medicamentos, a proteção às viúvas dos militares
mortos em ação, a liberdade de imprensa etc.

Especial ênfase parece ter sido colocada no ensino, com a proposta de
elaboração de um tratado de educação, a regulamentação
do estudo e da formatura dos estudantes de medicina e cirurgia e, especialmente,
com o projeto de Antônio Gonçalves Gomide, deputado por Minas Gerais,
para se abrir uma subscrição destinada à criação
de universidades em Olinda e São Paulo. Durante o período colonial,
a Coroa resistira duramente ao estabelecimento de universidades fora do território
continental português. Os deputados sabiam, por experiência própria,
das dificuldades enfrentadas para obter formação superior em Évora
ou Coimbra. Existia, ainda, a situação de beligerância com
Portugal. Declarada a Independência, não havia razão que
justificasse continuar enviando os filhos a estudar no país que até
pouco tempo atrás era o opressor e ainda constituía um inimigo
em potência.

Alguns desses projetos foram arquivados pela própria Assembléia.
Outros continuaram em preparação, mas a dissolução
interrompeu o seu tratamento. Apenas meia dúzia de leis chegaram a ser
aprovadas. As votações ocorreram em 25 e 30 de agosto, 1º,
4 e 27 de setembro e 14 de outubro, sendo todas elas sancionadas conjuntamente
pelo imperador em 20 de outubro de 1823.

São as seguintes:

1. Estabelecimento provisório da forma que deveria ser observada na
promulgação dos Decretos da Assembléia.

2. Revogação do Decreto de 16 de fevereiro de 1822, que criara
o Conselho de Procuradores de Província.

3. Proibição de os Deputados á Assembléia exercerem
qualquer outro emprego durante a sua Deputação, ou pedirem e aceitarem
para si ou para outrem qualquer graça ou emprego.

4. Revogação do Alvará de 30 de Março de 1818,
sobre sociedades secretas.

5. Declaração de pleno vigor da legislação pela
qual se regia o Brasil até 25 de Abril de 1821, bem como das leis promulgadas
por D. Pedro, como Regente e Imperador, daquela data em diante, e de determinados
decretos das Cortes Portuguesas, na lei especificados.

6. Estabelecimento provisório da forma de governo das Províncias,
criando para cada uma delas um Presidente e um Conselho.

Veja também: Assembléia
Constituinte de 1823
|
A constituição outorgada
| A
convocação
|
A instalação
| Harmonia e conflito de poderes |
O contexto político

Fontes: Tribunal de Justiça da Bahia | Prefeitura do Rio de Janeiro
– Secretaria da Educação

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