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Brasil – Assembléia Constituinte de 1823 (4) – A instalação

by Lucas Gomes


D. Pedro

A 17 de abril de 1823 tiveram lugar as sessões preliminares. No dia 3 de
maio reunia-se a Assembléia Constituinte em solenidade no Rio. A cidade,
em expectativa, se preparara cobrindo suas ruas principais com folhagens e flores.
Os balcões e janelas das casas ostentavam, em clima barroco, colchas de
damasco e cetim. D. Pedro I, dirigindo-se “aos dignos representantes da nação,”
declarou: “É hoje o dia maior que o Brasil tem tido; dia em que ele
pela primeira vez começa a mostrar ao mundo que é Império,
e Império livre”.

Quando foi instalada (3 de maio de 1823), a Assembléia Geral Constituinte
e Legislativa já não era mais a mesma. Oficialmente planejada
para legislar e elaborar a Constituição de um Reino Unido, visando
estabelecer uma sorte de confederação com Portugal, Algarve e,
eventualmente, outras áreas de colonização portuguesa,
ao assumir suas funções, encontrou-se na ímproba tarefa
de organizar um Império, independente e em estado de beligerância
com a península.

Previamente (desde 17 de abril) a Assembléia – então com 52 deputados
– efetuou três sessões preparatórias durante as quais foram
escolhidos presidente e secretário – ainda interinos – conferidos os
diplomas, aprovada a fórmula de juramento e elaborado o projeto de Regimento
Interno. O imperador concorreu logo após o meio-dia, acompanhado da sua
Corte, iniciando sua fala com palavras esfuziantes:

“É hoje o dia maior, que o Brazil tem tido; dia em que elle pela
primeira vez começa a mostrar ao mundo, que é imperio, e imperio
livre. Quão grande é meu prazer, vendo juntos representantes de
quasi todas as provincias fazerem conhecer umas ás outras seus interesses,
e sobre elles bazearem uma justa e liberal constituição”.
“Deveriamos já – continuou D. Pedro, justificando as atitudes adotadas
– ter gozado de uma representação nacional; mas a nação
não conhecendo há mais tempo seus verdadeiros interesses, ou conhecendo-os,
e não os podendo patentear, visto a força e predominio do partido
Portuguez, que sabendo mui bem a que ponto de fraqueza, pequenez e pobreza,
Portugal ja estava reduzido e ao maior grau a que podia chegar de decadencia,
nunca quiz consentir (sem embargo de proclamar liberdade, temendo a separação)
que os povos do Brazil gozassem de uma representação igual áquella,
que elles então tinham. Enganaram-se nos seus planos conquistadores,
e desse engano nos provém toda a nossa fortuna”.

O imperador encontrava-se numa difícil situação: de um
lado, precisava mostrar à Assembléia que estava a favor do Brasil
e contra Portugal; de outro, não podia renegar o seu pai e, em definitivo,
a dinastia que o legitimava como governante.

“O Brazil, que por espaço de trezentos e tantos annos soffreu o
indigno nome, de Colonia, e igualmente todos os males provenientes do systema
destruidor então adoptado, logo que o Senhor D. João VI Rei de
Portugal, e Algarves, meu augusto pai, o elevou a cathegoria de Reino, pelo
Decreto de 16 de Dezembro de 1815, exultou de prazer; Portugal bramiu de raiva,
tremeu de medo”.
Porém, a obra estava incompleta: “atraz desta medida politica não
veiu, como devia ter vindo, outra, qual era a convocação de uma
assembléa, que organizasse o novo reino”. Iniciou, assim uma longa
exposição histórica que, começando pelos desentendimentos
entre o Brasil e as Cortes portuguesas, iria justificar a Independência
e a necessidade da Constituição a ser elaborada.

Continuou com uma extensa explanação das realizações
do seu governo, alertou os congressistas para as graves dificuldades ainda existentes
e, finalmente, retomou o tema principal:

“Afinal raiou o grande dia para este vasto imperio, que fará época
na sua historia. Está junta a assembléa para constituir a nação.
Que prazer! Que fortuna para todos nós! Como imperador constitucional,
e mui principalmente como defensor perpetuo deste imperio, disse ao povo no
dia 1º de Dezembro do anno proximo passado, em que fui coroado, e sagrado,
– que com a minha espada defenderia a patria, a nação e a constituição,
se fosse digna do Brazil e de mim”.
Essas palavras – “se fosse digna do Brazil e de mim” – não
eram novas. Como ele mesmo disse, já tinham sido pronunciadas na Fala
da Coroação. Também não parece que fossem, originalmente,
de D. Pedro. José Bonifácio – reputado como autor intelectual
de ambos os discursos – as teria tomado emprestadas da Carta Constitucional
francesa outorgada por Luís XVIII, em 1814. Mesmo assim, desataram uma
tempestade de críticas na Assembléia recém-instalada.

Na sessão do dia 6, Antônio Carlos – identificado, nos Anais da
Constituinte, como “Andrada Machado” – propôs um voto de graças
ao imperador. Diversas vozes se alçaram para objetar que D. Pedro não
era tão gracioso e constitucional como pretendia aparentar nas suas manifestações
mais explícitas. Questionavam a ambigüidade dessa frase, que – na
visão do mineiro José Custodio Dias – fazia do imperador juiz
da bondade da Constituição, quando tal juízo só
poderia competir aos representantes do povo. Outro mineiro, José Antônio
da Silva Maia, propôs que o imperador fosse convidado a se explicar, expondo
exatamente em que condições iria integrar-se ao pacto social e,
caso essas condições não fossem justas e razoáveis,
a Assembléia não as aceitaria, negando-lhe o reconhecimento como
imperador “se não quizesse concorrer com a Assembléa para
o bem do Brasil”. O mesmo opinou o pernambucano Francisco Muniz Tavares,
postulando que, se o imperador não se conformasse com a Constituição
feita pela Assembléia, deveria seguir o que a sua consciência lhe
ditasse, “preferindo antes deixar de reinar entre nós”.

Antônio Carlos, mais experiente que os outros, retomou a palavra, tentando
moderar à discussão. Alegou que, certamente, esse era o intuito
do próprio D. Pedro. “Se feita a constituição sua
magestade recusasse aceitá-la, então ou sua magestade tinha por
si a opinião nacional, nós nos tinhamos desviado do nosso mandato,
e nesse caso nullo era o que tivessemos feito, ou sua magestade não tinha
por si a opinião geral, e nesta hypotese ou havia de annuir á
constituição, que era a vontade geral, ou deixar-nos quod Deus
avertat”. Ou seja, confrontado a uma Constituição adversa
e privado do apoio da Nação, o imperador deveria escolher entre
aceitá-la ou abdicar.

A controvérsia externava um conflito latente nos conceitos de monarquia
constitucional ou monarquia temperada. Buscando um ponto médio entre
a monarquia teocrática e a democracia, postulava-se um poder emanado,
simultaneamente, de Deus e do povo. A consagração divina legitimava
o poder do monarca e sua dinastia, evitando a anarquia e o desgoverno, mas esse
poder, por Deus conferido, não podia ser absoluto a ponto de ir contra
a vontade e as necessidades do povo, posto que Deus investira o monarca da sua
autoridade com a função essencial de cuidar paternalmente dos
seus súditos. Até que ponto esse poder paternal o capacitava a
determinar, por cima da vontade dos povos, o que deveria ser feito, era a fronteira
– não muito clara – entre a monarquia constitucional e o despotismo esclarecido
do século anterior.

Discussões à parte, nem todos confiavam na força da Assembléia
para enfrentar abertamente o imperador. Politicamente, não era prudente.
Não faltavam – mesmo que em minoria – deputados à Assembléia
que comungavam com o absolutismo e mesmo os que não o faziam, temiam
à desordem, à anarquia e à desintegração
territorial que poderia advir da deposição de D. Pedro. Prevaleceu
a moção conciliatória do pernambucano Luiz Inácio
de Andrade Lima: O voto de graças deveria declarar que a Assembléia
“confia que fará uma constituição digna da nação
brasileira, digna de si mesma e do Imperador”. Não alcançaria
para colocar os limites desejados pelos mais radicais, mas servia para salvar
os melindrados brios da Assembléia como órgão de poder
e representante do povo.

Porém, não havia ambigüidade nas palavras de D. Pedro. Elas
eram tão claras quanto a ameaça que iriam deixar pairando sobre
a Assembléia. O imperador – ou José Bonifácio, caso seja
verdade ter sido o redator do discurso – tinha muito claro o tipo de Constituição
e a estrutura de poder que desejava construir:

“Ratifico hoje mui solemnemente perante vós esta promessa – continuara
o imperador logo após o trecho questionado – e espero que me ajudeis
a desempenhal-a, fazendo uma constituição sabia, justa, adequada,
e executavel, ditada pela razão, e não pelo capricho, que tenha
em vista tão sómente a felicidade geral, que nunca póde
ser grande, sem que esta constituição tenha bases solidas, bases
que a sabedoria dos seculos tenha mostrado, que são as verdadeiras, para
darem uma justa liberdade aos povos, e toda a força necessaria ao poder
executivo. Uma constituição em que os tres poderes sejam bem divididos
de fórma, que não possam arrogar direitos, que lhe não
compitam; mas que sejam de tal modo organizados e harmonizados, que se lhe torne
impossivel, ainda pelo decurso do tempo fazerem-se inimigos, e cada vez concorram
de mãos dadas para a felicidade geral do Estado. Afinal uma constituição,
que pondo barreiras inaccessiveis ao despotismo, quer real, quer aristocratico,
quer democratico, afugente a anarchia, e plante a arvore daquella liberdade,
a cuja sombra deva crescer a união, tranquillidade, e independencia deste
imperio, que será o assombro do mundo novo e velho”.
Percebem-se claramente as linhas mestras. D. Pedro queria “uma constituição
sabia, justa, adequada”; porém, ela devia ser, antes de tudo, exeqüível
e baseada na “sabedoria dos seculos”. Queria uma constituição
com três poderes – ainda não aparece o Poder Moderador – que “concorram
de mãos dadas para a felicidade geral do Estado”. Rechaça
o despotismo, porém, não apenas o despotismo real e aristocrático
como também o democrático, que identifica implicitamente com a
anarquia.

“Todas as constituições – acrescentava, em reforço
dessa tese – que á maneira das de 1791 e 1792, têm estabelecido
suas bases, e se têm querido organizar, a experiencia nos tem mostrado,
que são totalmente theoreticas e metaphysicas e por isso inexequiveis;
assim o prova a França, Hespanha, e ultimamente Portugal. Ellas não
tém feito como deviam, a felicidade geral; mas sim, depois de uma licenciosa
liberdade, vemos que em uns paizes já appareceu, e em outros ainda não
tarda a apparecer o despotismo em um, depois de ter sido exercitado por muitos,
sendo consequencia necessaria, ficarem os povos reduzidos á triste situação
de presenciarem, e soffrerem todos os horrores da anarchia”.
Em resumo, o imperador destacava a própria “constitucionalidade”,
se lisonjeava “governando a contento dos Povos” e desejava, no seu “paternal
coração […] que esta leal, grata, briosa e heroica nação
fosse representada n’uma Assembléa Geral Constituinte e Legislativa”.
Não permitiria, porém, que a Assembléia elaborasse uma Constituição
que fosse contra esses princípios e, se necessário, certamente a
dissolveria.

Veja também: Assembléia
Constituinte de 1823
|
A constituição outorgada
| A
convocação
| A instalação | Harmonia
e conflito de poderes
|
O contexto político

Fontes: Tribunal de Justiça da Bahia | Prefeitura do Rio de Janeiro
– Secretaria da Educação

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