Home EstudosSala de AulaHistoria Brasil – A Semana de Arte Moderna

Brasil – A Semana de Arte Moderna

by Lucas Gomes



Capa do catálogo da exposição de
Artes
Plásticas da Semana de Arte
Moderna,
desenhada por Di
Cavalcanti.

A Semana de Arte Moderna realizou-se no Teatro Municipal de
São Paulo nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922. A conferência de Graça
Aranha intitulada “A emoção estética da arte moderna” abriu o evento.
Houve ainda palestras, conferências e discursos de escritores como Ronald de
Carvalho, Menotti Del Picchia, Mário
de Andrade
e Oswald
de Andrade
.

Entre os pintores que participaram da Semana estavam Anita
Malfatti
, Di
Cavalcanti
, Vicente do Rego Monteiro, Oswaldo Goeldi, John Graz, Zina Aita,
Inácio da Costa Ferreira, João Fernando de Almeida Prado, Antônio Paim Vieira
e Alberto Martins Ribeiro. Tomaram parte também os escultores Victor
Brecheret
, Wilhelm Haerberg e Hildergardo Leão Veloso, e os arquitetos Antônio
Garcia Moya e Georg Przyrembel.

Os músicos modernistas que participaram da Semana foram Villa-Lobos,
Guiomar Novaes, Ernani Braga, Frutuoso Viana, Paulina D’Ambrosio, Lucília Villa-Lobos,
Alfredo Corazza, Pedro Vieira, Antão Soares, Orlando Frederico e outros coadjuvantes.
A dança teve a contribuição de Yvonne Daumierie.

Vários outros escritores estiveram presentes, dando apoio aos conferencistas.
Entre eles, Guilherme de Almeida, Agenor Barbosa, Plínio Salgado, Cândido Mota
Filho, Renato de Almeida, Sérgio Buarque de Holanda, Paulo Prado, Henri Mugnier,
Rubens Borba de Morais e Luís Aranha.

A respeito do movimento modernista, os críticos e os estudiosos entram em sintonia
num ponto: a Semana de Arte Moderna, realizada em 1922, em São Paulo, representou
um marco, verdadeiro ponto de inflexão no modo de ver o Brasil.

Não só de ver como de escrever sobre o Brasil. Em geral, os artistas e intelectuais
de 1922 queriam arejar o quadro mental da nossa “intelligentsia”, queriam pôr
fim ao ranço beletrista, à postura verborrágica e à mania de falar difícil e
não dizer nada. Enfim, queriam eliminar o mofo passadista da vida intelectual
brasileira.

Do ponto de vista artístico, o objetivo fundamental da Semana foi acertar os
ponteiros da nossa literatura com a modernidade contemporânea.

Para isso, era necessário entrar em contacto com as técnicas literárias e visões
de mundo do futurismo, do dadaísmo, do expressionismo e do surrealismo, que
formavam, na mesma época, a vanguarda européia. Desse ângulo, o modernismo é
expressão da modernização operada no Brasil a partir da década de 20, que começava
a dar sinais de mudança (vide, no plano político, o movimento rebelde dos tenentes)
de uma economia agro-exportadora para uma economia industrial.

Esse juízo é, do ponto de vista mais geral, certeiro; no entanto, ele não deve
esconder as diferenças no seio do movimento de 22. Diferenças de ordem política,
ideológica e estética. Na verdade, houve duas correntes modernistas: uma de
inspiração conservadora e totalitária, que iria, em 1932, engrossar as fileiras
do integralismo, e outra, mais crítica e dissonante, interessada em demolir
os mitos ufanistas e contribuir para o conhecimento de um Brasil real que não
aparecia nas manifestações oficiais e oficiais da nossa cultura. O pressuposto
essencial de 22, o autoconhecimento do País, tinha a um só tempo de acabar com
o mimetismo mental e denunciar o atraso, a miséria e o subdesenvolvimento. Mas
denunciar com uma linguagem do nosso tempo, moderna, coloquial, aproveitando
o arsenal estilístico e estético das inovações vanguardas européia.

Essas duas correntes se delineiam em 1924, com a publicação do primeiro manifesto
de Oswald de Andrade, Pau-Brasil, no “Correio da Manhã”. Nele já estava
inscrito o lema que guiaria toda a atividade artística e intelectual da ala
crítica modernista: “A língua sem arcaísmos, sem erudição. A contribuição milionária
de todos os erros. Como falamos. Como somos”. A outra corrente, conservadora,
que iria opor-se a Oswald de Andrade, seria conhecida por verde amarelismo,
cujo batismo mostra bem a filiação nacionalista e xenófoba: um canto de amor,
cego e irrestrito, às “glórias pátrias”. Em 1928, essa oposição recrudesce.
E, com ela, a politização do modernismo. Verde-amarelismo transmuta-se em Anta;
Paulo-Brasil deságua no movimento antropofágico.

Neste mês de maio faz 50 anos que o inquieto, o irreverente e zombeteiro Oswald
de Andrade escreveu o manifesto literário antropofágico. De lá para cá muita
coisa mudou no Brasil. Tanto política como culturalmente. Apesar de marcado
ainda por traços de dependência, o País se industrializou nas últimas d écadas;
houve mudanças sociais e econômicas significativas. Se não quisermos apenas
celebrar ingenuamente a data, temos de nos perguntar: teria ainda alguma coisa
a dizer e a ensinar o manifesto literário escrito em 1928?

Para isso, seria preciso situar o núcleo da antropofagia, que Oswald de Andrade,
aliás, nunca formulou clara e explicitamente; seu manifesto foi escrito numa
linguagem elíptica, repleta de ambiguidades e sem ligação explícita entre as
frases. Mas, mesmo assim, dele é possível extrair algumas formulações. O que
o caracteriza é a retratação do caráter assimétrico da nossa cultura, onde coexistiam
o bacharelismo de Rui Barbosa, ou as piruetas verborrágicas de Coelho Neto,
junto com as experiências vanguardistas do pintor Portinari. E hoje, de um lado,
a moda de viola e a música sertaneja; doutro lado, a bossa nova e o cinema novo.
Essa mistura, por assim dizer, era vista como resultado do desenvolvimento histórico
no Brasil que, apesar de unitário, apresenta um abismo entre os aspectos arcaicos
e modernos, entre as favelas e os arranha-céus, entre os guardadores de carro
e os “shopping-centers”, entre Embratel e Piauí.

— O manifesto antropofágico tocou no cerne do capitalismo no terceiro mundo: a
dependência. Ou pelo menos captou seus reflexos no plano da cultura. Denunciou
o bacharelismo das camadas cultas, que permanecem alheadas da realidade do País,
reproduzindo os simulacros dos países capitalistas hegemônicos. Ironizou a consciência
enlatada de largos setores do pensamento brasileiro, que se comprazem, quando
muito, em assimilar idéias, jamais criá-las. Se Oswald de Andrade teve a lucidez
de ridicularizar com o mimetismo que tanto seduz o intelectual solene e bacharel,
ele não caiu no equívoco de fechar as portas do País do ponto de vista cultural.
Ao contrário, sua formulação em torno da “deglutição antropofágica” exige o
remanejamento das idéias mais avançadas do Ocidente em conformidade com a especificidade
de nosso contorno social e político.

Nesse ponto é difícil negar sua atualidade. Ademais, a estrutura social que
a antropofagia reflete e denuncia ainda não mudou em seus aspectos fundamentais.
A industrialização das últimas décadas, realizada sob a égide do capitalismo
concentracionista, aguçou ainda mais o desenvolvimento desigual em nosso País,
trazendo, de um lado, sofisticação e modernização tecnológicas e, doutro lado,
engendrando bóias-frias e marginalidade urbana. O Brasil em que Oswald escreveu
o manifesto antropofágico e o Brasil de hoje é ainda o mesmo, ostentando, entre
outras coisas, “berne nas costas e calosidades portinarescas nos pés descalços”.

— A retomada oswaldina na década de 60 sobretudo pela música popular (através
do movimento tropicalista), tem a sua razão de ser em parte na persistência
dessa estrutura social. Ao contrário da década de 40 – época em que foi injustamente
criticado de escritor desleixado e superficial – Oswald de Andrade goza, nos
dias de hoje, de enorme receptividade, principalmente junto ao público universitário.
Ao lado de Mário de Andrade, que forma o outro pólo da moderna literatura brasileira,
é impossível compreender o sentido e a dinâmica do movimento de 22 sem levá-lo
em conta.

Fonte: FGV | Almanaque da Folha

Posts Relacionados