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Homens e Algas, de Othon D’Eça

by Lucas Gomes

A obra Homens e Algas, último livro de Othon D’Eça, mais do que um livro de memórias é um testemunho onde a ficção e a realidade se encontram numa coletânea de histórias curtas, vincadas pelo vivo contraste entre o cotidiano sofrido, miserável, desesperançado e os tons coloridos da paisagem exuberante. A obra que fala da vida dura dos pescadores de Florianópolis durante a primeira metade do século passado. Retrata o cotidiano sofrido e os obstáculos ultrapassados para a sobrevivência numa terra que, apesar de bela, não permitia desenvolver os métodos que aplicava-se em solo açoriano. Desvenda o modo de ser e de estar de um grupo de criaturas que arranca do mar o ultimo sopro da vida para sobreviver as investidas da pobreza.

Homens e Algas chama atenção pelo formalismo da linguagem e pela extrema sensibilidade com que um homem de formação refinada aborda a vida de privações dos pescadores de Florianópolis, em especial dos que moravam nas vilas do Continente, até então pouco habitadas. Destaca-se ainda pelo forte humanismo para com as personagens que são pescadores.

O livro é de 1957, mas começou a ser escrito em 1938, época em que o autor costumava descansar na casa de férias, na praia de Coqueiros, e criou o hábito de conversar com os moradores da redondeza.

Ao lado da excelsa beleza destas páginas destaca-se o documento humano, a crônica das condições aviltantes em que a vivia e ainda vive o pescador brasileiro. É toda uma população que vegeta à margem da sociedade, no submundo da pobreza, sem remédio, mas conformada com a sorte, debitando à vontade de Deus tudo o que provém das distorções de uma estrutura social injusta.

Para o autor, Homens e algas, como ele afirma em seu “Como um prefácio”, é quase um livro de memórias “escrito com o intuito de gravar verdades vivas e amargas – que valem muito mais que os relevos dos frisos e as galas da imaginação“. Vê-se ainda que ao fixar tipos humanos, linguagem, folclore e vida praieira, Othon d’Eça, além de produzir uma vigorosa literatura regional etnográfica, em todo o seu texto carregado de açorianismos, traz à tona a memória coletiva de uma população desvalida.

Nos contos narrados com simplicidade e originalidade, o autor dá voz à criaturas cuja vida se desenrola junto aos avanços e recuos do mar, sobre a praia, numa relação simbiótica, “homens e algas cuspidos todos numa praia, sob o sol dourado e vivo: as algas pelo mar e os homens pela miséria”.

Na obra, Othon D’Eça relata sua experiência junto aos pescadores por estas praias batidas de ventos e neblinas o — todos-os-dias “de um povo triste e sem esperança que, mesmo fatigados e doentes lançam-se ao mar porque é dele que tiram seu sustento. —E os barcos todos voltarão?“, pergunta d‘Eça. Quem pode responder! — O mar! Grande mar! Amigo e bom! (…) ele lhes dá a mantença e a fartura, às vezes a alegria. Mastambém lhes tira a vida quase sempre“.

Os relatos de Homens e Algas são pungentes, porque repletos de cenas de desespero, de famílias ceifadas por temporais, de homens que morriam na labuta e tinham seus corpos despejados em alguma praia, parcialmente carcomidos, dias depois de sumirem na tormenta, a bordo de canoas a vela sem qualquer segurança.

O estilo é rebuscado, pródigo em adjetivos, como ainda convinha a muitos escritores catarinenses da primeira metade do século passado, presos à formalidade da literatura dos períodos anteriores. Rebuscar parecia dar provas de sabedoria, de erudição, de dominar um vocabulário extenso. Mas o que fica da leitura de Homens e Algas é a grande solidariedade do autor com homens que passavam a vida na miséria, minados pela privação e pela doença, até morrerem no mais absoluto anonimato. E esse destino não perdoava nem jovens e crianças, habituados a ir buscar bem cedo o sustento no mar, à mercê do vento sul e das trovoadas, sem chances de sobreviver diante da grandiosidade das ondas e das borrascas.

Não fiz ficção”, disse Othon d’Eça em depoimento ao jornal Roteiro, de Florianópolis, em 1958. “Não inventei enredos, não criei personagens, não colori com tintas falsas os meus tipos e as minhas paisagens”. Anos depois, ainda inóspito, Coqueiros passou a ser o balneário preferido das famílias da Ilha, com seu “luxo catita”, na expressão do autor. Ali, escreveu ele, “hordas elegantes” expulsaram, “com vagar, método e bangalôs, das suas velhas moradas, os velhos nativos”.

Na memória do escritor, ficaram para sempre as imagens de figuras desmazeladas e sem perspectivas, testemunhas de um tempo difícil, com parte das quais privou de uma amizade sincera e sem afetações.

Créditos: Ed. UFSC | Diário Catarinense

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