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Os Descobrimentos: 2. A Cruzada do Descobrimento e a Ordem dos Templários

by Lucas Gomes

A Ordem combatente dos padres-soldados


Cavaleiro Templário

Conquistada pelos cristãos na Primeira Cruzada, em 1098, Jerusalém
estava de novo cercada pelos árabes em 1116. Foi quando os nobres franceses
Hugo de Poiens e Geoffroi de Saint-Omer juraram, na Igreja do Santo Sepulcro
(o templo dos cristãos), viver em perpétua pobreza e defender
os peregrinos que vinham à Terra Santa. Nascia a Ordem dos Cavaleiros
Pobres de Cristo, renomeada, em 1119, como Ordem dos Cavaleiros do Templo –
a Ordem dos Templários.

Na época, várias organizações católicas
congregavam devotos sob regimento próprio. A dos Templários, entretanto,
era diferente: seus membros eram monges-guerreiros. As normas da Ordem eram
secretas e só conhecidas, na totalidade, pelo comandante-em-chefe (o
grão-mestre) e pelo papa. Desde o início, os templários
foram desobrigados de obedecer aos reis. Podiam, assim, ter interesses próprios.
Ao entrar na companhia, o novato conhecia só uma parte das regras que
a guiavam e, à medida em que era promovido, sempre em batalha, tinha
acesso a mais conhecimentos, reservados aos graus hierárquicos superiores.
Ritos de iniciação marcavam as promoções. Foi essa
estrutura que permitiu, mais tarde, à Ordem de Cristo manter secreto
os conhecimentos de navegação no Atlântico.

Banqueiros pobres

Enquanto as cruzadas empolgaram a Europa, os templários receberam milhares
de propriedades por doação ou herança e desenvolveram intensa
atividade econômica. Nos seus feudos, introduziram métodos racionais
de produção e foram os primeiros a criar linhagens de cavalos
em estábulos limpos. Uma rede de postos bancários logo se espalhou
por vários países. Peregrinos a caminho da Terra Santa depositavam
seus bens no ponto de partida e ganhavam uma carta de crédito com o direito
de retirar o equivalente em moeda local em qualquer estabelecimento templário.
Daí para gerirem as finanças de reis como o da França foi
um passo.

Mas a sua exuberância gerou inveja. Enquanto houve cruzadas, os templários
exibiram orgulhosamente o manto branco com a cruz vermelha – a mesma que depois
as naus portuguesas usariam. Com a queda da Cidade Santa, em 1244, e a expulsão
das tropas cristãs da Palestina, em 1291, a mística se dissipou
e a oposição monárquica tornou-se explícita. Nas
décadas seguintes, a confraria seria extinta em toda a Europa. Com a
exceção de Portugal.

Calúnia e difamação contra os guerreiros

O rei da França, Felipe IV, o Belo, devia dinheiro à Ordem dos
Templários. Os templários franceses eram os mais poderosos da
Europa. Controlavam feudos e construções no interior e em Paris.
Entre eles, o Templo, um conjunto de igrejas e oficinas que, reformado em 1319,
virou o presídio da Bastilha, mais tarde destruído durante a Revolução
Francesa.

As derrotas no Oriente Médio alimentaram uma onda de calúnias
segundo as quais os cavaleiros teriam feito acordos com os muçulmanos,
fugido de campos de batalha e traído os cristãos. Aproveitando
o clima, em 13 de outubro de 1307, Felipe invadiu, de surpresa, as sedes templárias
em toda a França. Só em Paris foram detidos 500 cavaleiros, muitos
sendo degolados.

Dois processos foram abertos: um dirigido pelo rei contra os presos e o outro
conduzido pelo papa Clemente V contra a Ordem. O papa era francês, morava
em Avignon e era aliado do rei. Torturas brutais e confissões arrancadas
pela Inquisição viraram peças difamatórias escandalosas.
O sigilo da Ordem foi usado contra ela e as etapas dos rituais de iniciação
foram convertidas em monstruosidades. Os santos guerreiros foram acusados de
cuspir na cruz, adorar o diabo, cultuar Maomé, manter práticas
homossexuais e queimar crianças. Todos os seus bens foram confiscados.
Esperava-se uma fortuna, mas, como pouco foi efetivamente recolhido, criou-se
a lenda de que tesouros teriam sido transferidos em segurança para outro
país.

Santuário de fugitivos

Para muitos, esse país teria sido Portugal. O rei D. Diniz (1261-1325)
decidiu garantir a permanência da Ordem em terras portuguesas: sugeriu
uma doação formal dos seus bens à Coroa, mas nomeou um
administrador templário para cuidar deles. Nem o processo papal nem a
execução do grão-mestre Jacques de Molay, em 1314, o intimidaram.
Em 1317, reiterando que os templários não haviam cometido crime
em Portugal, D. Diniz transferiu todo o patrimônio dos cruzados para uma
nova organização recém-fundada: a Ordem de Cristo.

Assim, Portugal virou refúgio para perseguidos em toda a Europa. De
vários países chegavam fugitivos, carregando o que podiam. O castelo
de Tomar virou a caixa-forte dos segredos que a Inquisição não
conseguiu arrancar. Dois anos depois, em 1319, um novo papa, João XXII,
reconheceu a Ordem de Cristo. Começava para os cavaleiros uma nova era,
com uma nova missão.

De cavaleiros a funcionários do Estado

Nas primeiras décadas de existência da Ordem de Cristo, os ex-templários
estabeleceram estaleiros em Lisboa, fizeram contratos de manutenção
de navios e dedicaram-se à tecnologia náutica, aproveitando o
conhecimento adquirido no transporte marítimo de peregrinos entre a Europa
e o Oriente Médio durante as cruzadas. Ao mesmo tempo, preparavam planos
para voltar à ação, contornando a África por mar
e, aliando-se a cristãos orientais, expulsar os mouros do comércio
de especiarias.

Em 1416, quando assumiu o cargo de grão-mestre, D. Henrique lançou-se
à diplomacia. Passaram-se cem anos desde que os templários haviam
sido condenados nos processos de Paris e o Vaticano estava preocupado com a
pressão muçulmana sobre a Europa, que crescera muito no século
XIV. Com isso, em 1418, o Infante consegue do papa um aval ao projeto expansionista.
Daí em diante, cada avanço para o sul e para o oeste será
seguido da negociação de novos direitos. Em um século,
os papas emitiram onze bulas privilegiando a Ordem com monopólios da
navegação na África, posse de terras, isenção
de impostos eclesiásticos e autonomia para organizar a ação
da Igreja nos locais descobertos.

Até a metade do século XV, os cavaleiros saíram na frente,
sem esperar pelo Estado português. Uma vez iniciada a colonização,
eventualmente doavam à família real o domínio material
dos territórios, mantendo o controle espiritual. À corte, interessada
em promover o desenvolvimento da produção de riquezas e do comércio,
cabia então consolidar a posse do que havia sido descoberto.

Pilhando mouros

No Marrocos, os novos cruzados atacaram Tânger, em 1437, e Alcácer-Ceguer,
em 1458. O ímpeto guerreiro preponderou sobre o mercantilismo real até
1461, quando o cavaleiro Pedro Sintra encontrou ouro na Guiné. Aí,
a pressão comercial da monarquia começou a ficar maior. Mesmo
assim, ainda houve expedições contra os mouros marroquinos em
Asilah e Tânger, outra vez, em 1471. Mas à medida que foi sendo
consolidado o comércio na rota das Índias, a partir da sua descoberta
em 1498, a coroa foi absorvendo gradualmente os poderes da Ordem. Até
que em 1550 o rei D. João III fez o papa Júlio III fundir as duas
instituições. Com isso, o grão-mestre passa a ser sempre
o rei de Portugal, e o seu filho tem o direito de sucedê-lo também
no comando dos cruzados.

Outros parceiros entram no jogo

A Ordem de Cristo controlou o conhecimento das rotas e o acesso às tecnologias
de navegação enquanto pôde. Mas com o ouro descoberto na
Guiné, em 1461, o monopólio da pilotagem passa a ser cada vez
mais desafiado. A partir de então, multiplicaram-se os contratos com
comerciantes e as cessões de domínio ao rei para exploração
das regiões descobertas. Aos poucos, a sabedoria secreta guardada em
Tomar foi sendo passada para mercadores de Lisboa, Flandres e Espanha. Portugal
naquela época fervilhava de espiões, especialmente espanhóis
e italianos, que procuravam os preciosos mapas ocultados pelos cruzados.

Enquanto o tesouro de dados marítimos esteve sob a sua guarda, a estrutura
secreta da Ordem garantiu a exclusividade para os portugueses. Em Tomar e em
Lagos, os navegadores progrediam na hierarquia apenas depois que a sua lealdade
era comprovada, se possível em batalha. Só então eles podiam
ler os relatórios reservados de pilotos que já haviam percorrido
regiões desconhecidas e ver preciosidades como as tábuas de declinação
magnética, que permitiam calcular a diferença entre o pólo
norte verdadeiro e o pólo norte magnético que aparecia nas bússolas.
E, à medida que as conquistas avançavam no Atlântico, eram
feitos novos mapas de navegação astronômica, que forneciam
orientação pelas estrelas do Hemisfério Sul, a que também
unicamente os iniciados tinham acesso.

Competição acirrada

Mas o sucesso atraía a competição. A Espanha, tradicional
adversária, também fazia política no Vaticano para minar
os monopólios da Ordem, em ação combinada com seu crescente
poderio militar. Em 1480, depois de vencer Portugal numa guerra de dois anos
na fronteira, os reis Fernando, de Leão, e Isabel, de Castela, começaram
a se interessar pelas terras d’além- mar. Com a viagem vitoriosa de Colombo
à América, em 1492, o papa Alexandre VI, um espanhol de Valencia,
reconheceu em duas bulas, as Inter Caetera, o direito de posse dos
espanhóis sobre o que o navegante genovês havia descoberto. E rejeitou
as reclamações de D. João II de que as novas terras pertenceriam
a Portugal. O rei não se conformou e ameaçou com outra guerra.
A controvérsia induziu os dois países a negociarem, frente a frente,
na Espanha, em 1494, um tratado para dividir o vasto novo mundo que todos pressentiam:
o Tratado
de Tordesilhas
.

Vitória da experiência em Tordesilhas

Na volta da viagem à América, em 1493, Cristóvão
Colombo fez uma escala em Lisboa para visitar o rei de Portugal, D. João
II. Um gesto corajoso. O soberano estava dividido entre dois conselhos: prender
o genovês ou reclamar do papa direitos sobre as terras descobertas.

Para sorte de Colombo, decidiu pela segunda alternativa. Como a reivindicação
não foi atendida, acabou sendo obrigado a enviar os melhores cartógrafos
e navegadores da Ordem de Cristo, liderados pelo experiente Duarte Pacheco Pereira,
a Tordesilhas, na Espanha, para tentar um tratado definitivo, mediado pelo Vaticano,
com os espanhóis. Apesar de toda a contestação a seus atos,
a Santa Sé ainda era o único poder transnacional na Europa do
século XV. Só ela podia mediar e legitimar negociações
entre países.

O cronista espanhol das negociações, frei Bartolomeu de las Casas,
invejou a competência da missão portuguesa. No livro História
de las Indias
, escreveu: “Ao que julguei, tinham os portugueses
mais perícia e mais experiência daquelas artes, ao menos das coisas
do mar, que as nossas gentes
“. Sem a menor dúvida. Era a vantagem
dada pela estrutura secreta da Ordem.

Não deu outra. Portugal saiu-se bem no acordo. Pelas bulas Inter
Caetera
, os espanhóis tinham direito às terras situadas mais
de 100 léguas a oeste e sul da ilha dos Açores e Cabo Verde. Pelo
acordo de Tordesilhas, a linha divisória imaginária, que ia do
pólo norte ao pólo sul, foi esticada para 370 léguas, reservando
tudo que estivesse a leste desse limite para os portugueses – o Brasil inclusive.

Trabalhando em silêncio

Graças à Ordem e à sua política de sigilo, os portugueses
sabiam da existência das terras na parte do globo onde hoje está
o Brasil sete anos antes da viagem de Cabral. E, trinta anos antes da viagem
de Colombo, todos os mapas lusitanos mostravam ilhas com o nome de “Antílias”,
a oeste de Cabo Verde. O mais famoso cartógrafo italiano da época,
Paolo Toscanelli, escreveu a um amigo português, em 1474, falando da “Ilha
de Antília, que vós conheceis”. Nesse ano, também
houve notícia de que o navegador cruzado João Vaz da Corte Real
explorou o Caribe e foi até a Terra Nova (o Canadá). Mas os documentos
comprobatórios dessa viagem, como quase tudo da Ordem, nunca foram encontrados.

O mistério da origem do nome Brasil

Diz a tradição que o nome Brasil vem de pau-brasil, madeira cor-de-brasa.
Mas a tradição é insuficiente quando se sabe que, desde
1339, o nome Brasil aparece em mapas. No século XIV, os planisférios
dos cartógrafos Mediceu, Solleri, Pinelli e Branco mostravam uma Ilha
Brasil, sempre a oeste dos Açores. O historiador brasileiro Sérgio
Buarque de Holanda acreditava que a origem do nome é uma lenda céltica
que fala de uma “terra de delícias”, vista entre nuvens.

A primeira carta geográfica onde aparecem referências seguras
ao Brasil real é o mapa de Cantino. Nele se podem ver papagaios, florestas
e o contorno do litoral desde o norte até o sudeste. O trabalho foi encomendado
pelo espião italiano Alberto Cantino, em 1502, a um cartógrafo
de Lisboa e enviado ao seu senhor, o Duque de Ferrara. É um mistério
como ele foi feito. Afinal, as únicas viagens oficiais de espanhóis
e portugueses ao Brasil até 1502 foram as de Vicente Pinzón, ao
estuário do Amazonas, e Pedro Álvares Cabral, até onde
hoje é a Bahia. Como explicar, então, a presença, na carta,
do desenho do litoral desde Cabo Frio até o Amazonas?

Quem andou por aqui?

Fruto
provável do suborno do cartógrafo, a se julgar pela conta salgada
apresentada por Cantino ao duque, o mapa deixa claro que já havia conhecimento
profundo das terras a oeste do Atlântico. Além de 4000 quilômetros
de litoral brasileiro aparecem no mapa a Flórida, a Terra Nova (hoje
Canadá) e a Groenlândia. Historiadores portugueses modernos, como
Jorge Couto e Luciano Pereira da Silva, acham que Duarte Pacheco Pereira, o
navegador que negociou Tordesilhas e autor do importante livro Esmeraldo de
Situ Orbius, sobre as navegações portuguesas, escrito em 1505,
deixou indicações de que esteve no Brasil. Teria visitado a costa
do Maranhão e a foz do Amazonas, em 1498, quatro anos depois de Tordesilhas.
Mesmo assim há questões do mapa de Cantino não-respondidas.
A única certeza é que entre a versão e o fato agiam em
sigilo os cavaleiros da Ordem de Cristo – cuja documentação jamais
foi encontrada.

Do outro lado do Mar Tenebroso

Águas fervilhantes, ares envenenados, animais fantásticos e canibais
monstruosos espreitavam a imaginação dos que desciam o Atlântico
em direção ao sul.

Quando o navegador da Ordem de Cristo, Gil Eanes, passou o Cabo Bojador, um
pouco ao sul das Ilhas Canárias, em 1434, mais do que realizar um avanço
náutico, estava desmontando uma mitologia milenar. Acreditava-se que
depois do cabo, localizado no que é hoje o Saara Ocidental, começava
o Mar Tenebroso, onde a água fumegaria sob o sol, imensas serpentes comeriam
os desgraçados que caíssem no oceano, o ar seria envenenado, os
brancos virariam pretos, haveria cobras com rostos humanos, gigantes, dragões
e canibais com a cabeça embutida no ventre.

O estrondo das ondas nos penhascos do litoral, que podia ser ouvido a quilômetros
de distância, as correntes fortíssimas e as névoas de areia
reforçavam o pânico dos pilotos. Quando finalmente reuniu coragem
e viu que do outro lado não havia nada de especial, Eanes abriu o caminho
para o sul.

A vanguarda do ideal cruzado

Dois cavaleiros em um só cavalo era o símbolo do voto de pobreza
dos templários. As regras da Ordem obrigavam-os a combater mesmo quando
estivessem em minoria. Toda a sua carreira era um treinamento para lutar em
condições desvantajosas.

Na Palestina, os padres-combatentes da Ordem dos Templários participaram
de numerosas batalhas, como a de Daniete, em 1229, retratada na gravura de Gustave
Doré. Na pintura medieval, Felipe IV, o Belo (1268-1314), rei da França,
recebe leis enviadas pelo papa francês Clemente V. Os dois conspiraram
juntos para extinguir os templários.

Em 18 de março de 1314, depois de torturas infames e confissões
forjadas pela Inquisição, o grão-mestre Jacques de Molay
e vários líderes templários foram queimados em praça
pública em Paris.

Os dois cavaleiros em um só cavalo também apareciam no sinete
da Ordem, usado para identificar as mensagens oficiais da organização.
A maior parte dos documentos, no entanto, jamais foi encontrada.

Um símbolo milenar

Os cruzados tomaram como emblema uma das cruzes mais antigas da cristandade.

Cruz copta: No século II, uma dissidência cristã,
chamada copta, adotou esta cruz.

Cruz templária: Em 1119, a Ordem dos Templários
criou um distintivo derivado da cruz copta.

Em busca do reino perdido

Com a ideia de reconquistar Jerusalém, os portugueses passaram
décadas procurando o lendário reino do Preste João, que
seria um núcleo cristão remanescente em terras orientais. Por
fim, em 1492, encontraram, na Etiópia, uma monarquia cristã.

O rei D. João II, que governou de 1481 a 1495, estimulou a atividade
mercantil e a colonização dos territórios africanos, contendo
o ímpeto guerreiro dos cruzados da Ordem de Cristo.

Em 1541, os cristãos etíopes pediram ajuda a Portugal contra
os turcos. O rei português mandou uma expedição de 400 soldados,
liderada por Cristóvão Gama. Gama morreu, mas os cristãos
venceram. Os portugueses foram recompensados e muitos ficaram na Etiópia.
Em 1544, o rei etíope, Galawdewos, escreveu a D. João III, agradecendo
a ajuda.

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