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Brasil – Assembléia Constituinte de 1823 (3) – A convocação

by Lucas Gomes


D. Pedro

Era neste clima de desavenças, onde pontuavam desconfianças e a interferência de outros fatores – como a presença do chamado Partido Português – que se impunha organizar politicamente o novo Estado. Uma Assembléia Constituinte já havia sido convocada, em junho de 1822, como forma de resistência à pressão das Cortes portuguesas no sentido de recolonizar o Brasil.

As Cortes de D. João VI não chegaram a ser convocadas, D. Pedro, menos ligado às tradições portuguesas, preferiu convocar “uma Assembléa Luso-Braziliense, que investida daquella porção de Soberania, que essencialmente reside no Povo deste grande, e riquissimo Continente, constitua as bases sobre que se devam erigir a sua Independencia, que a Natureza marcara, e de que já estava de posse e a sua União com todas as outras partes integrantes da Grande Familia Portugueza, que cordialmente deseja”.

O documento já tem o sabor de uma declaração de independência. Não visa, entretanto, o desligamento completo do Reino do Brasil mas apenas “manter uma justa igualdade de direitos entre elle e o de Portugal, sem perturbar a paz, que tanto convem a ambos, e tão propria é de Povos irmãos”. Em essência, é a mesma proposta de cunho federativo que os deputados brasileiros apresentaram às Cortes em Lisboa. O Brasil não queria o isolamento nem a guerra. Apenas não abria mão da condição de Reino Unido a que D. João o elevara em 1815.

Concretamente, o decreto – de 3 de Junho de 1822 – convocava uma “Assembléa Geral Constituinte e Legislativa, composta de Deputados das Provincias do Brazil novamente eleitos na fórma das instrucções, que em Conselho se acordarem, e que serão publicadas com a maior brevidade”.

As instruções a que o decreto se refere foram publicadas em 19 de junho, com a assinatura de José Bonifácio de Andrada e Silva, “Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Reino do Brazil e Estrangeiros”, o mesmo que, fazendo parte da Junta Provisória de São Paulo, coordenara a eleição dos deputados às Cortes e redigira as instruções que eles levaram à metrópole. Tendo ganhado a confiança de D. Pedro a partir do episódio do “Fico”, já era a figura mais importante da Regência e seria o principal articulador da convocatória.

José Bonifácio não era um democrata. Embora imbuído de princípios constitucionalistas, não abria mão de certos cuidados de cunho aristocrático. Tinha horror à desordem e profundo receio pela democracia, aliás, bastante justificado pelas experiências que conseguira observar durante sua permanência na Europa. As Instrucções, assim orientadas, visavam dar participação aos representantes da Nação, porém sem abrir possibilidades de que essa representação derivasse em anarquia ou desintegração.

A forma das eleições compunha um sistema de filtros sucessivos que iriam assegurar que apenas representantes aceitáveis integrassem à Assembléia. Era, em suma, uma versão modernizada dos “homens bons” da antiga legislação portuguesa, já não explicitamente amarrada a restrições de sangue, raça ou religião, mas ainda centrada nos estamentos da sociedade que se julgava mais capacitados para exercer a função de governo.

O processo seria indireto, sendo os eleitores escolhidos pelo povo das diversas freguesias em eleições “presididas pelos Presidentes das Camaras com assistencia dos Parochos”. Sendo os censos existentes muito antigos e falhos, optou-se por estimar os “fogos” ou residências familiares: “Toda a Povoação ou Freguezia, que tiver até 100 fogos, dará um Eleitor; não chegando a 200, porém si passar de 150, dará dous; não chegando a 300 e passar de 250, dará tres, e assim progressivamente”. Os párocos deveriam “affixar nas portas das suas Igrejas Editaes, por onde conste o numero de seus fogos”, ficando, em decorrência, “responsaveis pela exactidão”.

Era autorizado a votar “todo o Cidadão casado e todo aquelle que tiver de 20 annos para cima sendo solteiro, e não for filho-familia” sendo imprescindível “ter pelo menos um anno de residencia na Freguezia onde derem o seu voto”. Excluídos do voto eram “aquelles que receberem salarios ou soldadas por qualquer modo que seja”, excetuando-se dessa restrição “unicamente os Guarda-Livros e primeiros caixeiros de casas de commercio, os criados da Casa Real, que não forem de galão branco, e os Administradores de fazendas ruraes e fabricas”. Eram, igualmente, excluídos do voto “os Religiosos Regulares, os Estrangeiros não naturalisados e os criminosos”.

Para ser eleitor, eram precisos “(além das qualidades requeridas para votar) domicilio certo na Provincia, ha quatro annos inclusive pelo menos […] 25 annos de idade, ser homem probo e honrado, de bom entendimento, sem nenhuma sombra de suspeita e inimisade á Causa do Brazil, e de decente subsistencia por emprego, ou industria, ou bens”.

Para ser Deputado, além das qualidades exigidas para Eleitor, as Instruções determinavam: “Que seja natural do Brazil ou de outra qualquer parte da Monarchia Portugueza, comtanto que tenha 12 annos de residencia no Brazil, e sendo estrangeiro que tenha 12 annos de estabelecimento com familia, além dos da sua naturalização; que reuna á maior instrucção, reconhecidas virtudes, verdadeiro patriotismo e decidido zelo pela causa do Brazil”. Especialmente importante era a ressalva em virtude da qual poderiam “ser reeleitos os Deputados do Brazil, ora residentes nas Córtes de Lisboa, ou os que ainda para alli não partiram”. Esse artigo permitiria a participação de algumas das principais figuras da Constituinte, tais como Vergueiro, Feijó e Antônio Carlos de Andrada.

Os Eleitores deveriam reunir-se, para eleger os deputados, “dentro de 15 dias depois da sua nomeação […] no Districto que lhes for marcado”. Para facilitar seu deslocamento, seriam “suspensos pelo espaço de 30 dias, contados da sua nomeação, todos os processos civis em que elles forem autores ou reus”. A eleição dos deputados seria feita “por cedulas individuaes, assignadas pelo votante, e tantas vezes repetidas, quantas forem os Deputados que deve dar a Provincia”.

Verificado, pelo Colégio Eleitoral, que os deputados indicados nas cédulas preenchessem os requisitos exigidos, lavrava-se um termo com a “relação dos Deputados que sahiram eleitos naquelle districto, com o numero de votos, que teve, em frente do seu nome”, o qual era encaminhado à Câmara da capital da Província respectiva, fechado, selado e assinado por todo o Colégio. Centralizadas as cartas na capital, seriam abertas “em presença dos Eleitores da Capital, dos Homens bons e do Povo […] fazendo reconhecer pelos circumstantes que ellas estavam intactas” e, “apurando as relações pelo methodo já ordenado”, publicaria “aquelles que maior numero de votos reunirem”, recorrendo à sorte em caso de empate.

A nomeação era irrecusável. Entretanto, ao tempo da apresentação, diversos deputados eleitos obtiveram dispensa alegando doença ou idade avançada.

Os deputados – em número de 100 – estavam distribuídos da seguinte maneira:

Província Cisplatina (atual Uruguai): 2
Rio Grande do Sul: 3
Santa Catarina: 1
São Paulo: 9
Mato Grosso: 1
Goiás: 2
Minas Gerais: 20
Rio de Janeiro: 8
Espírito Santo: 1
Bahia: 13
Alagoas: 5
Pernambuco: 13
Paraíba: 5
Rio Grande do Norte: 1
Ceará: 8
Piauí: 1
Maranhão: 4
Pará: 3

Porém, a instabilidade da situação política e militar impediria a realização das eleições na Cisplatina, Piauí, Maranhão e Pará. A Bahia conseguiu eleger 11 deputados, ficando impedida de completar a representação porque Salvador se encontrava ocupada pelas tropas de Madeira de Mello. Por outra parte, dos 88 deputados eleitos, 5 não assumiram seus postos, nem foram substituídos, o que reduziria a Assembléia a uma composição total de 83 integrantes.

Considerando a dificuldade de se realizarem eleições num país tão vasto e convulsionado por situações políticas tão diferenciadas, determinou-se que, para instalar a Assembléia, bastaria que estivessem reunidos 51 Deputados, ou seja, a metade mais um dos representantes previstos. Os outros tomariam assento “á proporção que forem chegando”.

Fontes: Tribunal de Justiça da Bahia | Prefeitura do Rio de Janeiro – Secretaria da Educação

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