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Demografia – Imigração Japonesa: 2. Gerações

by Lucas Gomes

OS ISSEIS

Ir para o Brasil, fazer dinheiro nas lavouras de café e retornar ao
Japão o mais breve possível não era um sonho para muitas
famílias japonesas no início do século XX: era a única
saída. “Naquele tempo, o Japão era uma nação
exaurida pela explosão populacional e pelos gastos provocados por guerras
recentes, travadas contra a China e a Rússia”, explica o advogado
e estudioso da imigração japonesa, Masato Ninomiya. Na cidade,
o índice de desemprego era dramático. No campo, os lavradores
que não tinham tido suas terras confiscadas por falta de pagamento de
impostos mal conseguiam sustentar a família. Diante desse cenário,
o governo japonês era o primeiro interessado em estimular a emigração.
“No Brasil, existe uma árvore que dá ouro: o cafeeiro. É
só colher com as mãos”, diziam cartazes do período.
Da parte do Brasil, o interesse pela vinda dos japoneses devia-se principalmente
à interrupção, em 1902, do fluxo de imigrantes italianos,
que deixou as fazendas cafeeiras precisando desesperadamente de braços.
Foi essa equação que possibilitou que, em 1908, camponeses, carpinteiros,
pequenos comerciantes e donos de fabriquetas à beira da falência
se tornassem “soldados da fortuna”, como escreveu o presidente da
Companhia Imperial de Emigração, Ryu Mizuno, no diário
de bordo do Kasato Maru – o primeiro navio de imigração
japonês a aportar no Brasil, trazendo 165 famílias.

1 Yoshiko Hanashiro (99 anos) – 2 Gen
Oura (58 anos) – 3 Eiichi Hirota (86 anos) – 4
Hirofumi Ikesaki (76 anos) – 5 Jun Suzaki (58 anos) –
6 Kozo Kawabata (60 anos) – 7 Fujiko
Kawabata (57 anos) – 8 Kazumi Kawamorita (43 anos) –
9 Tokie Nakamura (52 anos) – 10 Takashi
Nakamura (57 anos) – 11 Osamu Matsuo (69 anos) –
12 Kihachiro Hase (59 anos) – 13 Yasuo
Fukuda (73 anos) – 14 Tamie Kitahara (64 anos) –
15 Masayassu Gondo (79 anos) – 16 Mika
Obara (54 anos) – 17 Koji Naruyama (53 anos) –
18 Mutsuko Morise (59 anos) – 19 Misako
Shimizu (54 anos)

Quem são: imigrantes japoneses
que chegaram ao Brasil entre 1908 e 1973
Quantos são: 12% da comunidade
nipo-brasileira
Miscigenados*: 0%
Faixa etária: entre 35 e 100
anos ou mais
Profissões mais comuns: agricultores,
comerciantes e prestadores de serviço (a maioria já aposentada)
*Têm pelo menos um ascendente não japonês
Fonte: “Pesquisa da população de descendentes
de japoneses residentes no Brasil” (1988), Célia Oi, historiadora

Antes de embarcarem, todos eram obrigados a passar por uma espécie de
quarentena no Porto de Kobe (429 quilômetros a oeste de Tóquio),
onde faziam exames médicos e tinham aulas básicas de português.
Alguns aproveitavam para comprar mudas de roupas ocidentais nas lojas das proximidades.
A hora da partida – embalada pela canção de despedida Hotaru
no Hikari (“À luz dos vagalumes”) e pelo Hino Nacional do Japão
– era ainda mais triste quando um integrante da família era obrigado
a ficar em terra, impedido de viajar por causa de alguma doença. “O
tracoma, um tipo de conjuntivite, separou muitas famílias naquele tempo”,
conta o antropólogo Koichi Mori (veja reportagem). As viagens não
ofereciam nenhum conforto, como relata o jornalista Jorge Okubaro, em seu livro
O Súdito: “(…) crianças mais jovens viajavam no colo da
mãe (…) Dormiam todos, homens e mulheres, adultos e crianças,
sobre esteiras estendidas no chão do cargueiro, em condições
promíscuas”. Banho com água doce, só duas vezes por
semana, conta o autor, “e cada pessoa só podia usar três baldes
de água”.

Em condições normais, a viagem demorava dois meses. Ao chegarem
à Hospedaria de Imigrantes, em São Paulo, para onde eram levados
depois do desembarque no Porto de Santos, os japoneses percebiam as primeiras
mudanças: “Em vez do banho na banheira de madeira, com que estavam
acostumados, eles viam o chuveiro pela primeira vez. No lugar do arroz, eram
apresentados ao pão francês”, relata a historiadora Célia
Oi. Da Hospedaria de Imigrantes, os viajantes seguiam de trem para as fazendas
de café no interior do estado. Lá chegando, o mato alto, o sol
a pino, os pernilongos e as camas de palha dos alojamentos se encarregavam de
dirimir qualquer dúvida que restasse quanto à dureza da realidade
que estava por vir. A expectativa de acumular dinheiro rapidamente ia se desfazendo
à medida que eles iam recebendo os primeiros pagamentos: descontadas
as parcelas da dívida da viagem, mais os gastos com alimentos e remédios
(sempre comprados na própria fazenda), não sobrava quase nada.
“Os imigrantes se sentiam tratados como escravos. Muitos fugiram por causa
disso”, diz Célia Oi.

A vida só começou a melhorar depois que eles passaram a trabalhar
na chamada “lavoura de parceria”: em contrato com um proprietário
de terras, os trabalhadores se comprometiam a desmatar o terreno, semear o café,
cuidar da plantação e devolver a área dali a sete anos,
quando a segunda colheita estaria no ponto. Em troca, ficavam com os lucros
da primeira safra (a cultura do café é bianual) e de tudo o que
plantassem além do café. Esse tipo de contrato foi o que permitiu
que muitos japoneses comprassem suas primeiras terras. Embora a essa altura
eles já estivessem aqui havia uma década – bastante tempo
para quem planejava ficar por, no máximo, três anos –, o
sonho de voltar ao Japão permanecia vivo e fazia com que a maior parte
dos imigrantes educasse os filhos à maneira japonesa: dentro de casa,
só se conversava na língua materna e, no contraturno da escola
brasileira, as crianças freqüentavam os “nihon-gakus”,
escolas onde aprendiam a ler e a escrever em japonês. Ao contrário
do planejado, no entanto, apenas 10% dos quase 190 000 japoneses que imigraram
antes da II Guerra Mundial voltaram para a terra natal. O restante ficou para
sempre no Brasil – e ajudou a construir a história da segunda geração
de japoneses no país.

A HISTÓRIA DE MITSUE, A FILHA DEIXADA NO PORTO


O REENCONTRO. Mitsue Nemoto (à dir.) reencontra
pela primeira vez no Japão a irmã, Adélia Fusata,
que emigrou para o Brasil em 1936.

Em 1936, Adélia Fusata tinha só 5 anos de idade, mas nunca esqueceu
a cena: de dentro do navio, ela via centenas de pessoas no porto acenando para
os parentes que partiam. O mar estava cheio de fitas coloridas: os passageiros
seguravam uma das extremidades das tiras nas mãos e lançavam a outra
na direção da terra para que os parentes agarrassem. Assim, unidos
pelas tiras que iam arrebentando à medida que o navio ganhava distância,
todos cantavam Hotaru no Hikari – a canção da despedida. Ao
lado de Adélia, sua mãe soluçava.
A família estava indo para o Brasil incompleta. Sua irmã mais
velha, Mitsue, de 8 anos, havia sido impedida de embarcar na última hora,
depois que os exames médicos indicaram que ela tinha tracoma, espécie
de conjuntivite altamente contagiosa. Como centenas de famílias que viveram
o mesmo drama na ocasião, a de Adélia não pôde voltar
atrás diante do diagnóstico: já havia vendido tudo, nada
mais lhe restava no Japão. Assim, combinou-se que a pequena Mitsue ficaria
com um tio, morador de Osaka. Ele planejava vir para o Brasil no ano seguinte
e poderia trazê-la. Foi o pai quem levou a menina do Porto de Kobe, onde
a família se preparava para a partida, para a casa do tio. Mitsue lembra:
“Ele disse que todos teriam de viajar, mas que dali a pouco voltariam.
Pôs umas moedas na minha mão e mandou que eu fosse comprar um doce.
Quando eu voltei, ele já tinha ido embora”.

Passaram-se 36 anos antes que Mitsue voltasse a ver a família. Uma sucessão
de infortúnios explica a separação. Primeiro, o tio que
deveria levá-la ao Brasil resolveu adiar a viagem. Depois, a guerra estourou.
O tio foi convocado e morreu no campo de batalha. Mitsue passou a viver com
a avó, em Hokkaido, depois com a viúva do tio, em Osaka, e, mais
tarde, com uma mulher que a empregou como governanta, em Tóquio. Tantas
mudanças de endereço, mais as dificuldades que a família
enfrentava no Brasil e a precariedade da comunicação daquele tempo
fizeram com que ela ficasse anos sem notícias dos pais e irmãos.
“Pensava que todos haviam morrido.” Foi só em 1971, quando
já tinha 43 anos e estava casada, morando em Tóquio, que um parente
distante bateu à sua porta trazendo uma carta que havia chegado para
ela em Hokkaido. A data era de anos antes, mas o remetente, descobriu Mitsue,
continuava o mesmo. No ano seguinte, ela embarcou para o Brasil. Junto com a
bagagem, levava uma faixa de pano em que havia escrito, em japonês: “Eu
sou Mitsue”. Planejava abri-la quando desembarcasse no Brasil, com medo
de que a família não a reconhecesse.

Foi com a faixa enrolada debaixo do braço que a irmã a encontrou,
assustada, num canto do Aeroporto de Viracopos, em Campinas. Depois disso, Mitsue
voltou ao Brasil outras duas vezes. “Ir era sempre bom, mas a hora da partida
era muito triste.” Até hoje, seus olhos se enchem de lágrimas
quando ela se lembra da última despedida. A mãe já estava
doente nessa ocasião. Antes de morrer, gravou uma fita cassete, que mandou
para Tóquio. Na gravação, dizia ter saudade do tempo em
que todos da família viviam juntos e Mitsue, pequena, vinha dormir junto
com ela, à noite.

No mês passado, Mitsue reencontrou a irmã, Adélia, pela
primeira vez no Japão. Desde aquele dia no Porto de Kobe, Adélia
nunca mais havia voltado à terra natal. Ela juntou as economias e aproveitou
o convite de uma associação envolvida na comemoração
do centenário da imigração para rever a irmã. Adélia
está com 76 anos; Mitsue, com 79. O reencontro das duas em Tóquio
foi alegre, barulhento e cheio de abraços. “A vida separa, mas também
junta”, disse Adélia.

OS NISSEIS

A segunda geração de japoneses no Brasil é dividida em
dois grupos. O primeiro é formado pelos filhos mais velhos dos imigrantes,
aqueles que viveram a tensão da II Guerra Mundial e trabalharam pesado
ao lado dos pais – no campo e, depois, nos pequenos comércios na
cidade. O segundo grupo é composto dos filhos mais jovens, que, por ser
ainda pequenos no período da guerra, acabaram poupados da maior parte
do sofrimento e, ao contrário dos primogênitos, puderam completar
os estudos. A história deles é semelhante à dos japoneses
de terceira geração.

1 Aurea Imai (44 anos) – 2 Alice K
(51 anos) – 3 Cristina Sano (43 anos) – 4
Eduardo Fujii (42 anos) – 5 Gertrudes Akikubo (82 anos)
6 Hideko Honna (52 anos) – 7
Yugo Mabe (52 anos) – 8 Seisim Miyashiro (72 anos) –
9 Alice Miyashiro (82 anos) – 10 Kiko
Miyashiro (74 anos) – 11 Hideomi Nakamura (77 anos) –
12 Horacio Yamauchi (57 anos) – 13 Mari
Kanegae (50 anos) – 14 Ruy Ohtake (69 anos) – 15
Sergio Watanabe (30 anos) – 16 Lumi Toyoda (62 anos)
17 Hugo Kawauchi (56 anos) – 18
Jun Sakamoto (42 anos) – 19 Otavio Hosokawa (58 anos)
20 Yotaka Fukuda (62 anos)

Quem são: filhos dos imigrantes
japoneses
Quantos são: 31% da comunidade
nipo-brasileira
Miscigenados*: 6%
Faixa etária: entre 15 e 80
anos
Profissões mais comuns: agricultores,
comerciantes e prestadores de serviço, no caso dos mais velhos; técnicos
e profissionais liberais das áreas de exatas e biológicas,
no caso dos mais jovens.
* Têm pelo menos um ascendente não
japonês
Fonte: “Pesquisa da população de descendentes
de japoneses residentes no Brasil” (1988), Célia Oi, historiadora

Os filhos mais velhos padeceram as conseqüências de um antiniponismo
que vinha sendo gestado antes mesmo de o Kasato Maru aportar em Santos. No começo
do século XX, grupos formados, entre outros setores, por representantes
das oligarquias agrícolas do Norte e Nordeste acreditavam que era preciso
“branquear o Brasil” para torná-lo um país desenvolvido
– e a vinda dos japoneses estava na contramão desse projeto. “Além
disso, os japoneses eram vistos como um povo de vocação expansionista,
o que inspirava cuidados”, diz o historiador Rogério Dezem. Essas
ressalvas ideológicas acabaram ficando em segundo plano, a princípio,
em função do imperativo econômico: os cafezais paulistas
precisavam de mão-de-obra. Mas quando Getúlio Vargas implantou
sua política nacionalista, durante o Estado Novo (1937-1945), o antiniponismo
saiu do discurso e foi colocado em prática: em 1938, o governo ordenou
o fechamento dos nihon-gakus – as escolas onde os filhos de imigrantes
aprendiam não só a ler e escrever em japonês, mas a ser
e agir como japoneses. Em 1941, foi a vez de os jornais da comunidade serem
fechados e, no ano seguinte, por causa da guerra, a embaixada japonesa cerrou
as portas. Em 1942, o Brasil entrou oficialmente no conflito – tendo o
Japão do outro lado do front. Famílias japonesas que moravam em
áreas consideradas de segurança nacional, como a cidade de Santos
ou bairros da região central de São Paulo, como a Liberdade, foram
obrigadas a deixar suas casas às pressas e mudar-se para o interior do
estado. A interiorização dos imigrantes fazia parte da chamada
“geopolítica do controle”.

Mesmo com o fim da guerra e da ditadura varguista, a situação
não se acalmou. A própria comunidade japonesa se dividiu: de um
lado, ficaram os que aceitavam a derrota do Japão (os makegumi, ou derrotistas);
de outro, os que acreditavam que a rendição do arquipélago,
anunciada nas rádios, não passava de propaganda americana (os
kachigumi, ou vitoristas). O ceticismo de alguns em relação à
derrota do Japão não era de todo irracional. Afinal, em 2.600
anos de história, o país nunca havia perdido uma guerra e estava
em vantagem naquele conflito até 1941 – exatamente o ano em que
os jornais japoneses foram fechados. As publicações brasileiras,
que a maioria dos imigrantes e descendentes de segunda geração
não lia, não eram consideradas confiáveis. O Brasil não
estava do lado inimigo? E quem já ouvira falar em bomba atômica?
Tudo parecia uma grande invenção. Os vitoristas chegaram a fundar
uma organização na-cionalista com o objetivo de juntar dinheiro
para propagandear o “espírito de invencibilidade” japonês.
A Shindo Renmei, ou Liga do Caminho dos Súditos, chegou a ter 30.000
sócios registrados. Um braço radical dessa instituição
foi responsável por um dos episódios mais trágicos da história
da imigração japonesa no Brasil. Entre os anos de 1946 e 1947,
por considerarem que os derrotistas eram traidores da pátria, extremistas
da Shindo Renmei mataram 23 pessoas e feriram 147. Ainda em 1946, quase 400
deles foram condenados à prisão.

A vida aos poucos foi voltando ao normal, mas, a essa altura, os parentes dos
imigrantes japoneses que viviam no Japão já haviam mandado cartas
para o Brasil, relatando a situação difícil em que se encontrava
o país no pós-guerra. Para a maioria quase absoluta das famílias
que aqui estavam, era o fim do sonho de retornar ao Japão. Os imigrantes
se convenceram, então, da necessidade de preparar os filhos – ao
menos os caçulas – para ascender na sociedade brasileira. Para
isso, mudaram de cenário – foram do campo para a cidade. É
no ambiente urbano que começa a história da terceira geração.

OS SANSEIS

Os sanseis, como são chamados os netos dos imigrantes, são os
primeiros descendentes de japoneses a nascer majoritariamente na área
urbana. No início da década de 60, a população nipo-brasileira
das cidades já superava a do campo. Como a grande maioria das famílias
que se mudaram para São Paulo e cidades do Paraná tinha pouquíssimos
recursos e era chefiada por isseis e nisseis, era obrigatório que o negócio
a ser montado atendesse a pelo menos dois requisitos: não podia exigir
grande investimento inicial nem conhecimentos avançados de português.
Assim, boa parte dos colonos passou a se dedicar ao pequeno comércio
ou à prestação de serviços básicos. Nessa
segunda categoria, as tinturarias foram a melhor opção.

1 Adriana Ogata (34 anos) – 2 Alex
Hanazaki (33 anos) – 3 Alyne Kumasaka (22 anos) –
4 Karina Okamoto (20 anos) – 5 Fausto
Kendi (41 anos) – 6 Andrea Furushima (33 anos) –
7 Fernanda Takai (36 anos) – 8 Fumiko
Ito (46 anos) – 9 Fausto Shiraiwa (31 anos) – 10
Erika Yamauti (31 anos) – 11 Glenda Yamauti (26 anos)
12 Jum Nakao (41 anos) – 13
Sheila Nakamatsu (22 anos) – 14 Mika Takahashi (19 anos)
15 Cynthia Iwanaga (16 anos) – 16
Celso Kamura (48 anos) – 17 Key Sawao (43 anos) –
18 Raquel Uendi (29 anos) – 19 Hélio
Matsuda (47 anos) – 20 Renata Koike (23 anos) –
21 Taiane Tanaka (25 anos) – 22 Letícia
Sekito (32 anos) – 23 Sabrina Sato (26 anos)

Quem são: netos dos imigrantes
japoneses
Quantos são: 41% da comunidade
nipo-brasileira
Miscigenados*: 42%
Faixa etária: menos de 50 anos
Profissões mais comuns: profissionais
liberais das áreas de exatas e biológicas.
* Têm pelo menos um ascendente não
japonês
Fonte: “Pesquisa da população de descendentes
de japoneses residentes no Brasil” (1988), Célia Oi, historiadora

Na década de 70, 80% dos 3 500 estabelecimentos que lavavam e passavam
as roupas dos cidadãos de São Paulo pertenciam aos japoneses.
“O negócio era conveniente para as famílias, porque elas
podiam morar nos fundos da tinturaria e fazer todo o serviço sem precisar
contratar funcionários. Além disso, a comunicação
exigida pela atividade era breve e simples”, diz a antropóloga Célia
Sakurai. A rede de tinturarias da capital paulista tornou-se tão organizada
que, em 1950, conseguiu eleger o primeiro deputado estadual descendente de japoneses
do Brasil, Yukishigue Tamura. Trabalho não faltava, já que, como
lembra Hirofumi Ikesaki, cuja família era dona da Tinturaria Moderna
de Santana, “para irem ao cinema, os homens tinham de usar terno e chapéu;
e as mulheres vestiam saias plissadas, complicadas de cuidar”.

Outro ramo que prosperou entre os japoneses recém-chegados às
cidades foi o do comércio de frutas e hortaliças. O trabalho com
quitandas e barracas de feira era facilitado pelo contato que os japoneses urbanos
tinham com os que haviam ficado no campo – os fornecedores eram, em geral,
amigos ou parentes. Qualquer que fosse a atividade escolhida pela família,
porém, cabia sempre aos primogênitos a tarefa de trabalhar ombro
a ombro com os pais. O costume era fruto da tradição japonesa
de delegar ao filho mais velho a continuação da atividade familiar
– e também da necessidade de ajudar a custear os estudos dos irmãos
mais novos. Assim, enquanto os mais velhos trabalhavam, os caçulas ingressavam
em cursos técnicos (como o de contabilidade, principalmente, já
que era mais fácil lidar com números do que com o português).
No que se refere às faculdades, as preferidas eram engenharia, medicina
e direito, que garantiam dinheiro e prestígio social. Em 1958, os descendentes
de japoneses já representavam 21% dos brasileiros com formação
acima da secundária. Em 1977, eles, que eram 2,5% da população
de São Paulo, somaram 13% dos aprovados na Universidade de São
Paulo, 16% dos que passaram no Instituto Tecnológico de Aeronáutica
(ITA) e 12% dos selecionados na Fundação Getulio Vargas (FGV).

Os reflexos da crise econômica da década de 80, mais as conseqüências
do Plano Collor e a demanda do Japão por mão-de-obra, fizeram
com que, entre 1980 e 1990, cerca de 85 000 japoneses e descendentes residentes
no Brasil decidissem tentar a vida do outro lado do mundo. Em busca de um futuro
que não enxergavam aqui, eles lotaram as linhas de produção
das fábricas japonesas, dispostos a trabalhar duro e voltar mais prósperos
para a terra natal – mais ou menos como haviam feito seus antepassados
no início daquele século.

OS YONSEIS

Para os jovens, adolescentes e crianças que compõem a quarta
geração de japoneses no Brasil, o que restou de herança
dos seus antepassados não vai muito além da carga genética
que resultou em um par de olhos puxados, rosto arredondado e cabelos lisos e
escuros. “A maior parte dos yonseis não tem mais vínculos
significativos com a comunidade japonesa”, afirma o coordenador da comissão
jovem da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, Claudio Kurita. Além
do passar do tempo, outros motivos contribuem para isso. Um deles é o
fato de que apenas 12% dos jovens da quarta geração hoje moram
com os avós e só 0,4% deles vivem com os bisavós. Até
recentemente, era comum que nos lares japoneses convivessem pelo menos três
gerações. A mudança da comunidade para o ambiente urbano
também teve papel fundamental no processo de abrasileiramento dos nikkeis,
afirma a socióloga Amélia Shimidu, no livro Assimilação
e Integração dos Japoneses no Brasil. No ambiente rural, a proximidade
entre os membros da comunidade e a força das relações familiares
fazem com que as tradições japonesas permaneçam mais vivas,
ao contrário do que ocorre na cidade, onde em geral as relações
são mais impessoais, diz a pesquisadora. Como 90% dos yonseis vivem na
região urbana, tendem a assimilar mais os costumes brasileiros do que
os japoneses.

1 Anderson Hashimoto (23 anos) – 2
Barbara Maruno (23 anos) – 3 Laís Oyama (8 anos)
4 Camila Maeda (24 anos) – 5
Giovanna Yamaka (14 anos) – 6 Priscila Yamada (24 anos)
7 Bruna Yazaki (10 anos) – 8
Bianca Yazaki (10 anos) – 9 Laryssa Maeda (9 anos) –
10 Mirian Shiozuka (25 anos) – 11 Cristina
Kawakita (29 anos) – 12 Claudio Kurita (28 anos) –
13 Douglas Gomi (12 anos) – 14 Leticia
Tacaoca (36 anos) – 15 Victor Nomura (19 anos) –
16 Henrique Tsubota (8 anos) – 17 Victória
Tsubota (8 anos) – 18 Letícia Aida (9 anos) –
19 Julia Aniya (4 anos) – 20 Larissa
Ishi (3 anos) – 21 Vitor Hideki (5 anos) – 22
Gustavo Katsuo (5 anos) – 23 Beatriz Haga (18 anos) –
24 Filipe Segui (1 ano) – 25 Caio Furushima
(2 anos) – 26 Sabrina Yoshioka (7 anos) – 27
Henry Yoshioka (4 anos)

Quem são: bisnetos dos imigrantes
japoneses
Quantos são: 13% da comunidade
nipo-brasileira
Miscigenados*: 61%
Faixa etária: menos de 35 anos
Profissões mais comuns: estudantes
e profissionais liberais nas áreas de exatas, biológicas e
humanas.
* Têm pelo menos um ascendente não
japonês
Fonte: “Pesquisa da população de descendentes
de japoneses residentes no Brasil” (1988), Célia Oi, historiadora

Alguns hábitos, no entanto, resistem – e os culinários
estão entre os mais renitentes, como mostra uma pesquisa de 2002, que
levantou a influência da cultura de origem em estudantes nikkeis da Universidade
Federal do Paraná (um terço deles, yonsei). De acordo com a autora,
Rosa Maria Zagonel, embora os pratos brasileiros predominem no cardápio
dos membros dessa geração, eles mantêm o hábito de
comer freqüentemente o gohan (arroz branco japonês, sem tempero)
e de consumir shoyu, verduras e legumes cozidos à maneira oriental. A
pesquisa mostrou, ainda, que a maioria desses jovens não fala japonês,
mas entende palavras e expressões domésticas básicas. Algumas
práticas ligadas ao culto dos ancestrais, um dos pilares do budismo e
do xintoísmo, também sobrevivem: muitos conservam em casa o butsudan,
altar em que se colocam as fotos dos mortos da família, para quem os
parentes oferecem água, comida e orações. Outra prática
que persiste é a de levar, em velórios, um envelope preto e branco
(o koden) com contribuição em dinheiro para os familiares do morto
– um gesto ao mesmo tempo prático, já que visa a ajudar
nas despesas dos funerais, e simbólico, por significar solidariedade
diante da perda.

A mais recente pesquisa sobre a população de descendentes de
japoneses residentes no Brasil indica também que os yonseis são
muito mais receptivos do que as gerações anteriores ao casamento
com não-descendentes (novo censo será coordenado, no ano que vem,
pelo pesquisador Reimei Yoshioka). O fato de os próprios yonseis já
terem, em sua maioria, um não-japonês na árvore genealógica
(caso de 61% deles) leva a crer que os olhinhos puxados podem estar com os dias
contados. Eles deverão ficar mais e mais redondos nas próximas
décadas.

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