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Os indianos: 6. Grandes rios, grandes civilizações

by Lucas Gomes



O delta do Ganges é o maior do mundo. Esta imagem da NASA mostra o delta
e
sedimentos que correm para a Baía de Bengala. Alimentado por chuvas de
monção e
degelo do Himalaia, os rios transbordaram frequentemente. Estas inundações
muitas
vezes causam danos catastróficos, mas também enriquecer o solo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os grandes rios engendraram as grandes civilizações: o Nilo,
egípcio; o Tigre e Eufrates, sumerianos; o rio Amarelo, chinês;
o Indo, indiano. Contudo, neste vasto subcontinente indiano sete vezes maior
do que a França e hoje dez vezes mais povoado, dois rios são responsáveis
por esta civilização; se esta eclodiu efetivamente na bacia do
Indo, em compensação, será na do Ganges, principalmente
no decurso dos séculos seguintes, que se sucederão uma série
de dinastias que farão questão de estabelecer aí suas capitais.

Além
disso, na mitologia indiana, o Ganges é chamado de Santa Mãe e
é considerado como a réplica, aqui na terra, da Via Láctea;
todo o crente aspira ir um dia em peregrinação, mergulhar seu
corpo no rio sagrado, e talvez obter o insigne favor de morrer às suas
margens, de aí ser incinerado e ter as cinzas misturadas às suas
águas. Ainda hoje, com as suas escadas (ghats), mergulhando no rio, Benares
(imagem ao lado) é a cidade santa onde os peregrinos vão aos milhões
purificar-se e procurar a esperança de uma vida melhor para sua próxima
reencarnação. Assinalemos, no entanto, que esta água purificadora
está terrivelmente poluída. Bernard Shaw, humoristicamente cáustico,
dizia que os próprios micróbios não podiam viver ali!

Estes rios traziam a esperança, mas também a vida e a morte.
Na fornalha indiana fustigada pela excessiva monção, não
há vida sem água, sem rega; os rios e os riachos arrastam esta
água preciosa. Criadores de vida, os rios podem igualmente tomá-la
de súbito, pois seu humor é estranhamente caprichoso e vagabundo:
em algumas horas, acontece encherem-se e arrastarem tudo; de se deslocarem também
e de se fixarem a quilômetros do leito original anterior!

A água comanda tudo, sobretudo a implantação da aldeia
ou da cidade, quando se pode estar seguro de a reter em bacias suficientes.
Uma fonte é um tesouro, não é, pois, de admirar que as
mais antigas divindades fossem as Nagas, estes gênios-serpentes de várias
cabeças, apostados perto das fontes e bacias para as proteger. Ainda
hoje os camponeses os veneram.

A vida só é possível pela água, com o Indo abrasado
no seu vapor, sob um sol implacável e uma atmosfera demasiado poeirenta,
secas e fome espreitam o camponês e ainda febres e doenças temíveis;
as epidemias matavam às centenas de milhares. A média de vida
dos Indianos era e é ainda dramaticamente baixa; uma criança que
nascia tinha poucas possibilidades de chegar à velhice. Por outro lado,
o seu nascimento acorrentava-a definitivamente à sua condição
social, medíocre para a quase totalidade dos seres, mantendo-a aí
em virtude da disciplina férrea imposta pelo sistema das castas. Era
preciso portanto resignar-se a esta amarga constatação: que a
vida só é sofrimento, que o universo inteiro só encerra
sofrimento. Assim sendo, como não poderia ela ficar obcecada por visões
paradisíacas, supraterrestres, feitas de palácios suntuosos e
de parques verdejantes onde vivem deuses e heróis de plástico
ideal, que nem a fome nem a doença atormentam e que escaparam ao seu
karma se libertaram da constrangedora cadeia? Com efeito, a arte indiana só
mostra seres perfeitos, bem nutridos, de formas volumosas, sem taras nem imperfeições,
parecendo ignorar a angústia, a fome, a dor, o desgosto. Por isso, eles
já estão próximos dos deuses; a perfeição
das formas humanas participa igualmente do divino. Este universo intemporal
e ideal da arte, povoado de seres sobrenaturais, joviais e de plástica
agradável, tem paradoxalmente aos olhos dos Indianos mais existência
do que os seus semelhantes imediatos e contemporâneos, tão imperfeitos
e efêmeros; os acontecimentos terrenos e os indivíduos têm
pouca realidade e significação, uma vez que estão condenados
a desaparecer. Os conceitos abstratos e gerais, em contrapartida, pelo fato
da sua perenidade e de sua inalterabilidade, são os únicos reais
e válidos, assim como só as leis e os costumes de instituição
divina têm um caráter absoluto e indiscutível. Daí
o aspecto profundamente espiritualista do pensamento indiano.

Além disso, esta concepção que rebaixa a vida humana
à condição de simples elo de uma cadeia ininterrupta de
reencarnações, conduz à aceitação de tudo
e, ainda, à paralisia da vontade, pois que para a eternidade, o tempo
e a evolução não têm sentido. Por outro lado, as
vidas anteriores decidiram tudo e a existência atual, momentânea,
esta curta e penosa aventura, é só o fruto dos méritos
anteriores. Daí a indiferença dos hindus pelas realidades contingentes
e sua atração pelo ideal e a alta espiritual idade, como o testemunha
toda a sua arte que não se preocupou nunca em exprimir as sensações
passageiras; sua nobreza e dignidade derivam desta atitude eminentemente espiritual
e religiosa, profundamente firmada na alma indiana. Daí, igualmente esta
continuidade exemplar, esta homogeneidade e coerência excepcionais, que
observamos na evolução da arte e que lhe asseguraram sua perenidade
mesmo depois que contatos brutais com culturas estrangeiras tivessem alterado
e abalado, por várias vezes, o caráter monolítico da indianidade
sempre “una” na sua diversidade.

Pelo
grande desfiladeiro de Khyber (imagem ao lado), ao longo de milênios,
se expandirão os Árias, os Gregos de Alexandre, os Citas, os Hunos,
os Turcos; depois pelo mar virão os Europeus. Em nenhum momento, apesar
das inevitáveis perturbações e desvios, a indianidade foi
desenraizada deste subcontinente fechado sobre si mesmo, entre mares e o Himalaia.
Tanto por fatores religiosos como pela constante fidelidade às tradições
milenares, esta continuidade foi igualmente favorecida pelos dados geográficos.

Fechada sobre si mesma, sem dúvida! A Índia terá um esplendor
universal sem equivalente em sua época, que se prolonga até hoje.
Por toda a Ásia até à China e ao Japão, a Índia,
sem o desejar, representou um poderoso papel civilizador, sem ter tido nunca
o mínimo interesse imperialista, o que merece ser dito. Este fervilhante,
mas sereno centro de cultura, marcou todo o Extremo Oriente com a sua visão
e pensamento; o budismo, nascido na Índia, depois de sete séculos,
sai do próprio solo, floresce ainda em muitos países da Ásia,
que modelou profundamente. O Sudeste da Ásia traz no mais alto grau a
marca da civilização indiana e uma cultura tão perfeita
como a dos Khmers, que procede dela quase totalmente.

Esta Índia que imaginamos como um bloco monolítico pela sua
notável homogeneidade de cultura, não conhece, de resto, a unidade
política senão de maneira breve e descontínua, por três
vezes somente: com a dinastia Maurya, pouco antes da nossa era; com a dos Guptas,
nos séculos IV e V, e com os Mongóis, estes de origem não
indiana e ainda por cima muçulmanos, desde o século XVI ao XVIII.
Por três vezes somente – cinco ou seis séculos no máximo,
dos vinte últimos – a união política foi realizada. Nos
intervalos, pequenos reis e príncipes erguiam efêmeras capitais,
mas também templos assombrosos. No conjunto, foi regra geral a fragmentação
política e não a unidade.

Isso, naturalmente, condicionou e explica a diversidade aparente do estilo
indiano, que subsiste como expressão de províncias muito diversas,
separadas por milhares de quilômetros. Não esqueçamos nunca
que a Índia é um subcontinente imenso, de climas diversos e paisagens
que vão do deserto aos vales glaciares, com populações
de várias raças, falando línguas diferentes de maneira
que hoje é-lhes necessário o inglês para se compreenderem
entre si e que o cimento que ligou todos os Indianos foi sempre o bramanismo,
sendo o budismo e jainismo dois dos seus rebentos. O dia em que uma religião,
o islamismo, conseguiu desviar das suas raízes uma parte da população,
a Índia explodiu: em 1947, o Paquistão muçulmano desmembrou-se;
depois de 1970, o Bangladesh, província oriental do Paquistão,
separou-se por sua vez deste último.

Seguiremos a civilização indiana de há quarenta séculos
a esta parte, porque podemos considerar, que desde a primeira fase proto-histórica,
os germes iniciais da indianidade são reconhecíveis. Dividiremos,
grosseiramente, em três grandes painéis o longo e muito complexo
desenrolar desta civilização, que se confunde com a do seu pensamento
totalmente impregnado de religiosidade e de espiritualidade, uma vez que mistura
o divino e o humano.

Aparecida por volta de 2500 a.C., forja, durante um milênio, misteriosamente,
sua própria visão e concepções. Depois, durante
dois milênios caóticos, origina uma série de culturas diferentes
atingindo seu ponto culminante nos séculos IV e V, durante o período
gupta. Enfim, durante o último milênio, seguiremos sua decadência
entrecortada por alguns belos períodos.

Nota: É preciso entender por Indiano o habitante da
Índia e, por hindu, o adepto da religião hinduísta, que
é uma forma evoluída do antigo bramanismo. Nem todos os Indianos
são forçosamente hindus.

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