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Os Descobrimentos: 1. A Cruzada do Descobrimento

by Lucas Gomes

Como a Ordem de Cristo, organização criada por cavaleiros
medievais, tramou a viagem de Cabral ao Brasil

Domingo, 8 de março de 1500, Lisboa. Terminada a missa campal, o rei
D. Manuel I sobe ao altar, montado no cais da Torre de Belém, toma a
bandeira da Ordem de Cristo e a entrega a Pedro Álvares Cabral. O capitão
irá içá-la na principal nave da frota que partirá
daí a pouco para a Índia. Era uma esquadra respeitável,
a maior já montada em Portugal, com treze navios e 1500 homens. Além
do tamanho, tinha outro detalhe incomum. O comandante não possuía
a menor experiência como navegador. Cabral só estava no comando
da esquadra porque era cavaleiro da Ordem de Cristo e, como tal, tinha duas
missões: criar uma feitoria na Índia e, no caminho, tomar posse
de uma terra já conhecida, o Brasil.

A presença de Cabral à frente do empreendimento era indispensável,
porque só a Ordem de Cristo, uma companhia religiosa-militar autônoma
do Estado e herdeira da misteriosa Ordem dos Templários, tinha autorização
papal para ocupar – tal como nas Cruzadas
– os territórios tomados dos infiéis (no caso brasileiro, os índios).
No dia 26 de abril de 1500, quatro dias depois de avistar a costa brasileira,
o cavaleiro Pedro Álvares Cabral cumpriu a primeira parte da sua tarefa.
Levantou onde hoje é Porto Seguro a bandeira da Ordem e mandou rezar
a primeira missa no novo território. O futuro país estava sendo
formalmente incorporado às propriedades da organização.
O escrivão Pero Vaz de Caminha, que reparava em tudo, escreveu para o
rei sobre a solenidade: “Ali estava com o capitão a bandeira
da Ordem de Cristo, com a qual saíra de Belém, e que sempre esteve
alta.
” Para o monarca português, a primazia da Ordem era conveniente.
É que atrás das descobertas dos novos cruzados vinham as riquezas
que faziam a grandeza e a glória do reino de Portugal. A seguir, você
vai entender como essa organização transformou a pequena nação
ibérica em um império espalhado pelos quatro cantos do planeta.

Uma ideia delirante leva os portugueses ao mar

No começo do século XV, Portugal era um reino pobre. A riqueza
estava na Itália, na Alemanha e em Flandres (hoje parte da Bélgica
e da Holanda). Então como foi que os lusitanos encabeçaram a expansão
europeia? A rica Ordem de Cristo foi o seu trunfo decisivo. Fundada por franceses
em Jerusalém em 1119, com o nome de Ordem dos Templários, acabou
transferindo-se para Portugal em 1307, época em que o rei da França
desencadeou contra ela uma das mais sanguinárias perseguições
da História. Quando o infante D. Henrique, terceiro filho do rei D. João
I, tornou-se grão-mestre da Ordem, em 1416, a organização
encontrou o respaldo para colocar em prática um antigo e ousado projeto:
circunavegar a África e chegar à Índia, ligando o Ocidente
ao Oriente sem a intermediação dos muçulmanos, que então
controlavam os caminhos por terra entre os dois cantos do mundo.

No momento em que D. Henrique, à frente da Ordem de Cristo, resolveu
dar a volta no continente africano, a ideia parecia uma doidice. Havia pouca
tecnologia para navegar em oceano aberto (o Meditarrâneo é um mar
fechado) e nenhum conhecimento sobre como se orientar no Hemisfério Sul,
porque só o céu do norte estava mapeado. Mais ainda: acreditava-se
que, ao sul, os mares estavam cheios de monstros terríveis. De onde teria
vindo então a informação de que era possível encontrar
um novo caminho para o Oriente? Possivelmente dos templários, que durante
as Cruzadas, além de se especializarem no transporte marítimo
de peregrinos para a Terra Santa, mantiveram intenso contato com viajantes de
toda a Ásia.

Aventura religiosa

A proposta visionária recebeu o aval do papa Martinho V, em 1418, na
bula Sane Charissimus, que deu caráter de cruzada ao empreendimento.
As terras tomadas dos infiéis passariam à Ordem de Cristo, que
teria sobre elas tanto o poder temporal, de administração civil,
quanto o espiritual, isto é, o controle religioso e a cobrança
de impostos eclesiásticos.

Entre o lançamento oficial da empreitada e a conquista do objetivo último
decorreria um longo tempo, precisamente oitenta anos. Apenas em 1498, o cavaleiro
Vasco da Gama conseguiria chegar à Índia. Morto em 1460, D. Henrique
não assistiu ao triunfo da sua cruzada. Mas chegou a ver como, no rastro
dela, Portugal ia se tornando a maior potência marítima da Terra.

Um porto aberto na encruzilhada do mundo

D. Henrique sagrou-se cavaleiro em 1415, na batalha de Ceuta, no Marrocos,
em que os portugueses expulsaram os muçulmanos da cidade. No ano seguinte,
o príncipe virou comandante da Ordem. Como a sucessão do trono
português caberia a seu irmão mais velho, D. Duarte, Henrique assumiu
o cargo de governador do Algarve. Solteiro e casto, dividia o seu tempo entre
o castelo de Tomar, sede da Ordem, e a vila de Lagos, no Algarve. Em Tomar,
cuidava das finanças, da diplomacia e da carreira dos pilotos iniciados
nos segredos do empreendimento cruzado. O castelo era um cofre de recursos e
informações secretas. Lagos era a base naval e uma corte aberta.
Vinham viajantes de todo o mundo, de “desvairadas nações
de gentes tão afastadas de nosso uso”, escreveu o cronista Gomes
Eanes de Zurara, na Crônica da Tomada de Guiné. Os personagens
desse livro revelam um pouco do cosmopolitanismo do porto de Lagos: havia gente
das Ilhas Canárias, caravaneiros do Saara, mercadores do Timbuctu (hoje
Mali), monges de Jerusalém, navegadores venezianos, alemães e
dinamarqueses, cartógrafos italianos e astrônomos judeus.

Uma das regras de ouro da diplomacia era presentear. Assim, o príncipe
juntou uma biblioteca preciosa. Entre mapas, plantas e tabelas havia um exemplar
manuscrito das Viagens de Marco Polo. Não por acaso a primeira edição
impressa dessa obra foi feita não em latim ou em italiano, mas em português,
em 1534.

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