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Brasil – Sabinada

by Lucas Gomes


Salvador no século XIX, militares e funcionário portugueses
Causas

A independência oficial do Brasil, prevalecendo sobre a libertação sonhada pelos patriotas – para usar uma palavra em voga na época – frustrou grande parte da população. A independência oficial sedimentou uma estrutura econômica e política herdada da Colônia, pouco alterando a situação das massas e, por adotar um centralismo autoritário, pressionava também o sistema político nas províncias. A oportunidade perdida de democratizar a prática política, de um lado, e a insistência em manter inalterado o instituto da escravidão, de outro, praticamente fizeram aflorar todo o anacronismo do Estado brasileiro, provocando várias reações. Entre elas a Sabinada, na Bahia, e a Farroupilha, no Rio Grande do Sul.

O movimento

No decorrer do ano de 1837, difundiram-se boatos de levante e rebelião em Salvador. O poder central do Rio de Janeiro foi informado da ameaça de uma rebelião em maio, pelo presidente da província, Sousa Paraíso. O Novo Diário da Bahia, publicado pelo do médico Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira, pregava abertamente a revolução, e os “clubes” revolucionários atuavam sem restrições.

No início de novembro várias denúncias chegaram às autoridades, mas Sousa Paraíso limitou-se, no dia 4 de novembro, a alertar os baianos contra os “desorganizadores” que pretendiam a separação da Bahia.

Finalmente, a rebelião longamente denunciada eclodiu no dia 6 de novembro de 1837.

Às oito horas da noite desse dia, os líderes, entre eles Sabino, dirigiram-se ao Forte de São Pedro.

O presidente da província, Paraíso, e o seu Comandante das Armas, Luís França, que até então não haviam tomado nenhuma medida, perderam rapidamente o controle da situação. As tropas foram aderindo aos rebeldes e ambos se viram obrigados a fugir.

Na manhã do dia 7, os rebeldes dirigiram-se à Câmara Municipal de Salvador e convocaram uma sessão extraordinária. Nela apresentaram um documento que declarava a independência da Bahia. Nomeava-se como presidente Inocêncio Rocha Galvão, um advogado que se exilou nos Estados Unidos, acusado de ter participado do assassinato do Comandante das Armas em 1824. Era uma nomeação simbólica, pois Inocêncio Rocha Galvão não voltou à Bahia.

A presidência foi entregue ao vice, João Carneiro da Silva Rego; Sérgio José Veloso assumiu o cargo de comandante das Armas e Sabino ficou como secretário de governo.

Logo no início, dois acontecimentos começaram a atuar contra os rebeldes:

1) Comerciantes portugueses e pessoas ricas deixaram Salvador com seus bens, seguidos pelos funcionários públicos, que levaram consigo as chaves dos cofres e das repartições.

2) Paraíso, o presidente deposto e refugiado no Recôncavo, pediu e recebeu o apoio de Alexandre Gomes de Argolo Ferrão, tenente-coronel e poderoso senhor de engenho, que traçou os planos que seriam seguidos para sufocar a rebelião. Em seguida, Paraíso renunciou e foi substituído por Antônio Pereira Barreto Pedroso, que assumiu o comando da repressão em 19 de novembro.

A partir do dia 13 de novembro, os legalistas começaram a colocar em prática os planos. O governo expulso de Salvador se recompôs na vila de São Francisco, e Cachoeira foi escolhida para sediar a justiça. A força militar foi recrutada na Guarda Nacional do Recôncavo e se concentrou em Pirajá, e no final de novembro, 1200 homens já estavam acampados na região. Com a ajuda de famílias ricas, unidades de combate foram recrutadas em seus domínios e equipadas à sua custa; o arcebispo da Bahia, D. Romualdo Seixas, transferiu-se para Santo Amaro. Foi ordenado o bloqueio naval de Salvador, que se concretizou já na segunda semana de dezembro. O novo presidente da província, Barreto Pedroso, criou destacamentos em vários municípios para impedir a difusão da Sabinada e evitar o sempre temido levante de escravos.

Enquanto isso o êxodo de Salvador continuou, sem interferência dos rebeldes, que ainda não haviam sentido os efeitos do bloqueio que tinha por objetivo sufocá-los economicamente. A rebelião não se expandiu para outras regiões da província e Salvador ficou isolada. No último dia de novembro, com um contingente não superior a 2 mil homens, os rebeldes atacaram posições legalistas, mas foram repelidos.

No dia 2 de dezembro o aniversário do futuro D. Pedro II foi comemorado pelos legalistas e, curiosamente, também pelos rebeldes, em Salvador. Ao longo desse mês, os efeitos do bloqueio começaram a ser sentidos em Salvador: escassearam farinha de trigo e de mandioca.

Em contraste, os legalistas que dominavam o Recôncavo recebiam abundantes auxílios do Rio de Janeiro e de outras províncias e organizavam ativamente o ataque, aguardando o momento oportuno. A falta de iniciativa dos rebeldes e o tempo contavam a favor dos legalistas.

Essa falta de iniciativa devia-se, aparentemente, à indefinição dos rebeldes em relação aos objetivos de seu movimento. Embora decretassem a separação, os rebeldes comemoraram o aniversário do futuro imperador. De fato, esse era um ponto bastante estranho, mas, entre os rebeldes, havia os que defendiam a separação apenas enquanto durasse a menoridade do imperador. Deve-se observar também que, uma vez no poder, os rebeldes começaram a agir como qualquer governo normalmente empossado. Em fevereiro de 1838, quando a falta de gêneros alimentícios começou a atingir duramente toda a população, os rebeldes baixaram um decreto aumentando os salários do presidente e de seus ministros, já que os vencimentos anteriores, bastante módicos, foram considerados incompatíveis com a “dignidade” (conforme expressão do próprio decreto) dos cargos.

Os rebeldes conduziam-se, portanto, como governo e não como revolucionários. E isso foi notado por João da Veiga Murici, um professor que se transformara, com a rebelião, em tenente e secretário da Artilharia. Dizia ele: (…) este governo, operando em uma pensada revolução, só quer marchar restrito às leis antigas, como se estas não fossem proscritas pela revolução, e desta forma ficando no status quo (…) donde certamente virá resultar o cair por terra o edifício revolucionário, e de nada valerem as observâncias de legalidades. E disse mais: a partir deste fundamental princípio – [de] que a lei da revolução é tudo aquilo que tende a fazê-la prevalecer, e por isso não há agora legalidades, antigas contemplações, escrúpulos, divisão de poderes, economias expendiosas contra o sagrado progresso da causa.

Os rebeldes chegaram mais perto desse espírito revolucionário em fevereiro de 1838, quando confiscaram os bens dos que haviam fugido de Salvador para o Recôncavo e jogaram nas prisões os portugueses. No último decreto dos revoltosos, datado de 19 de fevereiro, prometeu-se alforria (liberdade) para os escravos nascidos no Brasil que se alistassem nas tropas, indenizando seus proprietários. Por fim, nos dias 17 e 18 de fevereiro, os rebeldes lançaram uma ofensiva. O combate durou trinta e cinco horas e, novamente, foram derrotados.

Na ocasião, já era visível a desmoralização das forças rebeldes, nas quais reinava a mais completa indisciplina. A ofensiva legalista que começou em 12-13 de maio não encontrou dificuldade em entrar finalmente em Salvador e derrotar, definitivamente, os rebeldes. Na dia 17, o presidente da província, Barreto Pedroso, chegou a Salvador e Sabino foi preso no dia 22 de maio. Haviam sido mortos 1258 rebeldes e 2 989 foram aprisionados.

Os rebeldes presos foram julgados e os principais, condenados à morte. Porém, com a antecipação da maioridade de D. Pedro II, os condenados foram anistiados e postos em liberdade, mas proibidos de permanecer em Salvador. Sabino foi obrigado a transferir-se para Goiás, onde continuou politicamente ativo.

Conclusão

Para alguns historiadores parece estranho que um movimento como a Sabinada, que não chegou a apresentar o perigo de autonomia popular como a Cabanagem, por exemplo, tenha merecido tão violenta repressão. Bem mais violenta que a dedicada aos farrapos, que ameaçaram mais gravemente a coesão do Império. Porém, se na Sabinada não houve a mesma participação popular da Cabanagem, nem o vigor da Farroupilha, ela foi m uito mais nítida ideologicamente.

As idéias que a nortearam, quase todas da Revolução Francesa, eram veiculadas nos jornais por intelectuais competentes, dentro de uma tradição retórica que ensaiava impor-se na práxis política. Com os farrapos era possível um acordo, mas com os sabinos era diferente: eles tinham convicção ideológica. Talvez a “vingança” se explique pela perda de controle dos líderes sobre os setores mais “franceses” da insurreição. No decorrer da luta surgiram correntes agredindo a aristocracia, divulgando na imprensa suas perigosas idéias. Estas idéias são bem marcadas num dos hinos publicados:

– Defende o altar e o trono
– Derruba a aristocracia

Porém essa confusão ideológica – altar e trono sem aristocracia – não significa ascensão do povo. É uma reação contra o apoio que a aristocracia baiana deu ao Império, fornecendo gente para sufocar a rebelião. Nem por isso deixou de assustar as classes dominantes, que agiram para “cortar o mal pela raiz”.

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