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O Iraque, cinco anos depois da invasão

by Lucas Gomes

Cinco anos depois de as forças norte-americanas e britânicas terem invadido o Iraque e derrubado do poder Saddam Hussein, muitos iraquianos se perguntam se valeu a pena enfrentar tanta violência e caos responsáveis por virar de cabeça para baixo suas vidas.

O custo humano da empreitada iniciada em 20 de março de 2003 é assustador – algo entre 90 mil e 1 milhão de civis iraquianos foram mortos, segundo várias estimativas; quase 4.000 soldados dos EUA perderam suas vidas; e 4 milhões de iraquianos fugiram de suas casas.

Pelo lado positivo, o país livrou-se de um dos ditadores mais cruéis do século XX. E atualmente os iraquianos realizam eleições livres e possuem uma nova Constituição.

Para os moradores do país, decidir sobre se a invasão valeu ou não o sacrifício depende parcialmente da vertente religiosa ou da etnia a que pertencem e do local onde moram.

Saddam, um sunita, perseguiu os xiitas, majoritários no Iraque, e os curdos. Os xiitas hoje controlam o país ao passo que os sunitas, antes no poder, passaram à margem.


Montagem mostra a derrubada da estátua de Saddam Hussein, em 2003,
e o mesmo local cinco anos depois (Foto: AFP)

Capital

Em Bagdá, epicentro de uma guerra sectária em 2006 e 2007 que quase dividiu o Iraque, os moradores anseiam pela segurança com que contavam na era Saddam. Já no sul xiita, os habitantes não precisam mais temer os carrascos do ditador, mas facções xiitas rivais começaram a entrar em conflito.

No norte, a economia em grande parte autônoma do Curdistão expande-se. Os curdos chamam a região de “o outro Iraque”.

Segundo o ministro iraquiano das Relações Exteriores, Hoshiyar Zebari, que é curdo, o Iraque caminha na direção certa. Os convencidos de que a invasão foi um erro deveriam lembrar-se das atrocidades de Saddam, afirmou.

Zebari disse que uma prova do apoio da maioria dos iraquianos à deposição de Saddam havia sido a participação deles nas eleições de 2005.

Paciência

“A brutalidade do regime de Saddam deformou a sociedade de tantas formas que temos de ser pacientes”, afirmou o chanceler em uma entrevista concedida à agência de notícias Reuters.

“Comparada com a experiência de outros países, acho que nos saímos bastante bem. Mas, é verdade, esse tem sido um processo profundamente custoso.”

Um Khalid, 40, cabeleireira em Bagdá, disse que a violência chegou a ser tão aleatória que todos acreditaram na possibilidade de tornar-se a próxima vítima.

“Não, não, não. O que aconteceu não valeu a pena. Os que dizem que a situação melhorou estão mentindo”, afirmou.

Invasão

Muitos iraquianos lembram-se vivamente dos meses de caos que se seguiram à invasão, iniciada na madrugada de 20 de março de 2003 [hora de Bagdá] e cujo símbolo maior foi a derrubada da estátua de Saddam na região central da capital.

A euforia dos iraquianos, alimentada pelas novas liberdades e pela esperança de que os EUA transformassem o país em mais uma rica nação do golfo Pérsico, perdeu fôlego quando os sunitas investiram contra os novos governantes e carros-bomba transformaram os mercados e as mesquitas do Iraque em campos da morte.

Guerra civil

Em fevereiro de 2006, supostos militantes da al-Qaeda explodiram uma mesquita xiita importante da cidade de Samarra, provocando uma onda de violência sectária em meio à qual ser um sunita ou um xiita no bairro errado poderia significar uma pena de morte.

“Antes de 2003, vivíamos sob um regime duro, ninguém pode negar isso”, afirmou Abu Wasan, 55, ex-brigadeiro-general do Exército e membro do Partido Baath, de Saddam, uma legenda extinta com a invasão.

“Mas, pelo menos, nunca ouvimos falar sobre corpos sendo jogados no lixo só porque a pessoa tinha um nome xiita ou sunita.”

O pior da carnificina sectária encerrou-se, ao menos por enquanto. Um ano atrás, a polícia costumava achar até 50 corpos ao dia nas ruas de Bagdá. Esse número caiu para menos de dez, e isso por causa do envio, pelos EUA, de um contingente adicional de soldados e por causa dos acordos de cessar-fogo selados pelos militantes xiitas e sunitas.

De outro lado, em muitas áreas de Bagdá, as operações de limpeza étnica já não teriam mais nada para fazer.

As cifras mais recentes, fornecidas pelo renomado grupo de defesa dos direitos humanos Iraq Body Count, afirmam que 89 mil civis foram mortos no país desde 2003. Uma pesquisa realizada por um dos maiores grupos de pesquisa da Grã-Bretanha, no entanto, calcula o número de mortos em algo próximo do 1 milhão.

O número de baixas sofridas pelas Forças Armadas dos EUA se aproxima rapidamente de 4.000.

Cinco anos depois…


Água limpa consome até um terço do
orçamento de famílias

Em uma situação “desesperadora”, milhões de iraquianos vivem sem acesso a água tratada, saneamento básico ou atendimento à saúde, cinco anos após a invasão americana de 2003, afirmam dois relatórios divulgados por organizações internacionais.

Segundo a Cruz Vermelha, que descreveu a situação humanitária no Iraque como “uma das mais críticas do mundo”, famílias iraquianas gastam até um terço de sua receita mensal de pouco mais de R$ 250 apenas para comprar água limpa.

Dois em cada três iraquianos não têm acesso a água potável, completou um segundo relatório divulgado pela Anistia Internacional.

De acordo com a Anistia, cerca de oito milhões de iraquianos – quase um terço da população de 27 milhões de habitantes – precisam de ajuda humanitária para viver.

Os relatórios são divulgados na semana em que se completam cinco anos da invasão do Iraque, na madrugada de 19 para 20 de março de 2003.

“Para as pessoas que precisam de água limpa, que precisam de acesso à saúde, a situação está pior do que nunca. Foram décadas de guerras e sanções, o que significa que não houve investimentos suficientes no sistema de saúde e em saneamento”, disse à BBC o porta-voz da Cruz Vermelha em Washington Michael Khambatta.

Ainda de acordo com a Cruz Vermelha, hospitais iraquianos se ressentem da falta de profissionais e medicamentos, e oferecem apenas 30 mil leitos, menos da metade dos 80 mil necessários.

Direitos humanos

O relatório da Cruz Vermelha é complementado por outro, da Anistia Internacional, que avalia como “desesperadora” a situação humanitária no país em guerra.

“Milhares de pessoas foram mortas ou incapacitadas, e comunidades que antes viviam em harmonia foram precipitadas para o conflito aberto. Para muitas mulheres, agora sob risco de ataque por militantes religiosos, as condições até deterioraram em comparação com o período de Saddam Hussein”, disse o relatório.

De acordo com o relatório, mesmo na relativamente tranqüila região do Curdistão, no norte do Iraque, a melhoria econômica não foi acompanhada de mais respeito pelos direitos humanos.

“Prisões arbitrárias, detenções e torturas continuam a ser registradas mesmo nas províncias do Curdistão”, afirmou o diretor da Anistia Internacional para Oriente Médio e África, Malcolm Smart.

“O governo de Saddam Hussein era sinônimo de abuso de direitos humanos, mas sua substituição não representou nenhum alívio para o povo iraquiano.”

Segundo o relatório, o número de mortos desde o início do conflito permanece incerto. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que até junho de 2006 as mortes chegavam até 150 mil. Naquele ano, 35 mil pessoas morreram, afirmou a Anistia, citando a ONU.

Apesar disso, os Estados Unidos afirmam que a segurança no Iraque está melhorando.

As taxas de violência têm caído em até 60% desde junho do ano passado – embora o próprio comandante das tropas americanas no país, general David Petraeus, ressalte a volatilidade da situação.

Abusos no Iraque ‘são crimes contra a humanidade’


ONU: insurgentes não fazem distinção
entre combatentes e civis

Um relatório das Nações Unidas sobre abusos dos direitos humanos no Iraque aponta que grupos militantes que atacam civis deliberadamente deveriam ser julgados por crimes contra a humanidade.

O documento, preparado pela Missão de Assistência da ONU para o Iraque (UNAMI, na sigla em inglês), acusa grupos sunitas e xiitas de perpetrar ataques suicidas sem “fazer qualquer distinção entre civis e combatentes”.

“Tais ataques são equivalentes a crimes cometidos contra a humanidade e violam leis da guerra”, diz o relatório.

Segundo o correspondente da BBC em Bagdá Hugh Sykes, o relatório traz referências à diminuição da violência no Iraque no último trimestre de 2007, mas alerta para os perigos de uma visão “muito otimista” acerca da situação atual do país.

As autoridades ressaltam no documento que a ocorrência de ameaças, intimidações, seqüestros, torturas e assassinatos ainda é constante no Iraque.

A UNAMI ainda salientou que, apesar de a situação de segurança ter melhorado em partes de Bagdá, grupos insurgentes aumentaram suas atividades em outras cidades, como Mosul, onde a Al-Qaeda ainda tem forte presença.

Protestos anti-guerra

Neste sábado, milhares de pessoas se reuniram em Londres e em Glasgow, na Escócia, para marcar o quinto aniversário da invasão do Iraque, em 20 de março de 2003.

Os manifestantes pediram a retirada das tropas que ocupam o Iraque e o Afeganistão, e defenderam a reabertura das fronteiras da Faixa de Gaza.

Segundo os organizadores, cerca de 40 mil pessoas participaram do ato na capital britânica, mas os policiais contabilizaram 10 mil.

Um porta-voz da organização Stop the War disse que a guerra no Iraque transformou o mundo em um lugar mais “perigoso”.

Já um porta-voz do ministério das Relações exteriores britânico disse que a situação no Iraque “está progredindo”.

Os manifestantes ainda defenderam mais diplomacia na questão nuclear envolvendo o Irã e criticaram uma possível intervenção no país.

Fontes: G1 | BBC Brasil

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