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Brasil – Balaiada (2) – As revoltas

by Lucas Gomes

Sendo Raimundo Gomes Vieira o homem de confiança de Padre Inácio,
incumbido de levar às feiras e vender os bois do rico pecuarista, teve
certa vez de passar na Vila de Manga do Iguará, onde o prefeito, no encargo
também de comandante da força policial, mandou prender alguns
dos vaqueiros de Raimundo Gomes, com o intuito de prejudicar o padre, seu inimigo
político.

Impossibilitado de prosseguir a marcha e sofrendo prejuízos resultantes
de fuga e morte do gado, o capataz invadiu, junto com nove companheiros, a cadeia
municipal guardada por 23 soldados, soltou os presos (entre eles o seu irmão)
e apoderou-se do armamento, deixando livres os soldados desarmados. Estaria iniciada
a Revolta.


Armazém de carne-seca, escravos na roça no século XIX,
negros de ganho no Maranhão

Após esta audaciosa surpresa, Raimundo Gomes afixou na Vila da Manga
um manifesto contendo suas reivindicações:

“Ilmo. Sr. Capitão Manuel Alves d´Abreu. Vila da Manga, 15 de dezembro
de 1838. Como Acho nesta Vila com a reunião de Povo e bem do socego publico
como conta do Art. sigTe. 1º) Que seja considerada a constituição
e garantindo dos cidadãos. 2º) Que seja admitido o Presidente de
Provincia e em Tregue o governo Vice-Prezidente. 3º) Que seja abolidos
os Prefeitos e Subs-Prefeitos, Comissarios ficando com.tes em Vigorar Leis geraes
e as Provincias que não forem de encontro a Constituição
do Império. 4º) Que sejão espulcados empregos portuguezes
e Dispejarem A Provinsia dentro em 15 dias com exseção dos cazados
com familias brasileiras e os de 60 anos para cima.

Raimundo Gomes Vieira – Comde da Forca armada.
Segeu o Cap. Alberto Gomes Ferreira avizar todos os Cidadoes Brasileiros e amigos
da Patria e do sucego Publico para se acharem neste Quartel da forca Armada
para o bem do Brazil. Quartel da Forca.

Manga 14 de Dr.o de 1838. Comde da Forca.

Fora feitores e escravos.”(JANOTTI, 1987, 44 e 45.)

A redação do documento poderia evidenciar a sua autoria, mas,
logo se nota o interesse bentevi agindo sobre o vaqueiro. Os artigos 1º,
2º e 3º mostram o descontentamento dos liberais com as Leis Provinciais
denominadas Leis dos Prefeitos e Lei da Criação dos Oficiais da
Guarda Nacional, pelas quais ficava determinada a nomeação pelo
Presidente da Província dos prefeitos, agora com atribuições
anteriormente conferidas ao juiz de paz.

Os juizes de paz, responsáveis pelas eleições municipais,
pela ordem e pelo comando da Guarda Nacional, eram tradicionalmente eleitos
pelas Câmaras Municipais, ou seja, constituíam representantes dos
interesses das famílias mais poderosas da região.

Relativo ao manifesto, apenas o 4º artigo expressava os interesses populares,
descontentes com a presença (até certo ponto privilegiada) dos
portugueses no Maranhão, o que veio a se tornar característica
marcante da Balaiada: o anti-lusitanismo. Outra reivindicação
de cunho popular que aparece no documento é o pedido “Fora feitores e
escravos” que, no entanto, não aparece em nenhum outro manifesto pesquisado
por este presente estudo.

Curiosamente, a data do documento afixado por Raimundo Gomes não coincidia
com a data oficial da invasão da cadeia de Manga. Tanto Maria de Lourdes
Janotti quanto Astolfo Serra afirmam ter sido iniciada a Revolta no dia 13 de
dezembro de 1838, mas o documento apresenta as datas 14 e 15 do mesmo mês
e ano. Supõe-se, então, que a confecção do manifesto
foi realizada depois da invasão, dando tempo suficiente para uma articulação
política bentevi.

Com o engrossamento do grupo rebelde pelos soldados da Vila de Manga, temerosos
de represálias, o vaqueiro Raimundo Gomes vaga pelo interior do Maranhão
ganhando novos adeptos.

O governo da província não relevou muita importância ao
movimento, considerando até mesmo extinta a rebelião. Porém,
um mês depois, no dia 22 de janeiro de 1839 o vaqueiro surge na Vila de
Tutóia à frente de uma centena de homens, rumo ao rio Parnaíba,
acontecendo então o primeiro confronto armado da Balaiada, na Barra do
Longá, entre rebeldes e a tropa do Prefeito de Parnaíba, no Piauí.

Os rebeldes, com 3 mortos, dois feridos e 18 prisioneiros, foram vencidos pelas
tropas legalistas que tiveram, segundo consta, apenas uma baixa: um soldado
morto involuntariamente pelo seu próprio camarada.

Este embate vitorioso foi suficiente para o Presidente do Maranhão, Sr.
Vicente Pires Camargo, declarar a Revolta terminada e a paz restaurada, o que
não ocorreu. Durante mais de dois meses o mestiço Raimundo Gomes
circulou livremente pela Província, já dominando Mucambo, Queimada
da Soledade, Espigão, Miritiba, Belas Águas, Chapadinha, Miriquitas
e Caissara. Diante deste triste panorama a presidência provincial foi
entregue a Manoel Felisardo de Souza Melo, “capitão graduado do imperial
corpo de engenharia”.

Novos chefes se apresentam com seus seguidores, firmando como característica
do movimento a existência de caudilhos rebeldes, dividindo a Revolta,
e que por isso só constituíam uma legião: Relâmpago,
Trovão, Corisco, Canino, Sete Estrelas, Tetéu, Andorinha, Tigre,
João Cardoso, Gitirana, os irmãos Ruivos, Cocque, Mulunguêta,
Matruá, Francisco Ranelinho e José Gomes, entre outros.

Nesta altura dos acontecimentos aderem também duas importantes lideranças:
Manoel Francisco Ferreira dos Anjos, denominado Balaio, e D. Cosme, líder
dos aquilombados.

Manoel Francisco Ferreira dos Anjos era, assim como o vaqueiro Raimundo Gomes,
representante da classe mais pobre do Maranhão; no entanto, Ferreira
dos Anjos não vivia agregado e tão pouco era empregado de algum
poderoso. Sustentava esposa e duas filhas graças à confecção
de balaio, originando sua alcunha, e à pequena oficina de costura mantida
pelas mulheres da casa.

Conta-se que Balaio aderiu à Revolta após as tropas legalistas
terem passado pelo vilarejo onde residia, nas proximidades de Coroatá.
Aproveitando-se da estadia na vila, um oficial de nome Guimarães violentou
as duas filhas de Ferreira dos Anjos. Ferido em sua honra, o artífice
publicou o incidente e incitou a fúria de amigos e conhecidos a combater
os legais, “vendidos aos portugueses”(SERRA, 1946, 214.). Com esses argumentos,
Balaio arregimentou um grupo de seguidores e partiu para a luta com grande ferocidade
e dando o seu nome à Revolta, mesmo aderindo depois do seu início
e morrendo antes do término da mesma.

Também engrossando as fileiras rebeldes surge Cosme, na liderança
de 3.000 negros aquilombados. Este líder não se enquadra necessariamente
entre os Balaios, e poderíamos inclusive considerá-lo chefe de
uma Revolta Negra Maranhense, apesar de ter se articulado fracamente com a Balaiada.
A participação negra é contestada quanto ao engajamento
sincero, tanto no início como no final da Revolta quando D. Cosme prende
Raimundo Gomes e o teria matado se este não tivesse fugido.

Dom Cosme Bento das Chagas, tutor e Imperados das liberdades bentevís,
como se auto-denominava, após fugir da prisão de São Luís,
na qual estava sob a acusação de exercer a feitiçaria,
apresentou-se frente à grande população negra fugida, unindo-os
sob a sua bandeira e estabelecendo um quartel – general na Fazenda Lagoa Amarela,
na Comarca do Brejo, onde instituiu uma hierarquia interna e fundou uma escola
de primeiras letras.

Vários confrontos foram registrados no mês de abril de 1839 entre
rebeldes e legalistas com decisivas vitórias balaias, iniciando o período
de apogeu da revolta. No dia 15 do dito mês o pardo Manoel Rodrigues Cocque,
ex-cabo do extinto corpo de polícia da província, combateu com
os seus homens os soldados do major Feliciano Antônio Falcão, em
um lugar denominado Mutuns. As perdas foram enormes para ambas as partes.

Mas sem sombra de dúvida o golpe mais violento infligido ao exército
governista até então ocorreu em Angicos, próximo a Brejo,
em 18 de abril. Os revoltosos chefiados por Antônio José do Couto
Pinheiro, o Mulunguêta, massacraram os homens do Capitão Pedro
Alexandrino, que, após render-se, foi assassinado a tiros junto com o
tenente-coronel João José Alves. O sangrento episódio repercutiu
em toda a província resultando no entrincheiramento da capital São
Luís e o aumento do prestígio balaio entre as massas anônimas.

Caíram então nas mãos dos rebeldes a cidade de Brejo, sem
resistência alguma em vista da debandada do prefeito e os 200 soldados
que lá se encontravam, seguida de Tutóia, Miritiba e Coroatá,
sob o comando de Cocque.

Astolfo Serra nos apresenta ainda dois documentos que exemplificam a participação
bentevi e o anti-lusitanismo popular. No entanto, há um desencontro de
datas acerca destes, que nós não conseguimos elucidar neste presente
estudo, em virtude da impossibilidade de acesso aos originais teremos que confiar
na compilação feita por Serra.

“Autorizado pelo povo reunido com as armas na mão Comandante em chefe,
cumpre-me levar ao Conhecimento de V. Excia., os inclusos.

Artigos, a fim de V. Excia. os fazer efetivos por achar-se de presente reunida
a Assembléia Provincial não fazendo menção do artigo
4.º por já se achar remediado pela resolução do Govêrno
Supremo. – Deus Guarde a V. Excia. – Vila do Brejo, 5 de maio de 1839. – Ilmo.
e Exmo. Snr. Manoel Felisardo de Souza e Melo Presidente da Província.
– O alferes Comandante da Fôrça Armada Pedro José Gitirama.

REQUISIÇÔES

– “Os habitantes dêste Município vem em marcha reunida representar
a Ilustre Câmara da Assembléia Geral.

Art. 1º Da vontade dos povos para sossêgo e bem estar da Província
inteira.

Art. 2º Que seja sustentada a Constituição do Brasil garantia
dos direitos do cidadão Brasileiro que lhe conseguem a sua liberdade.

Art. 3º Que sejam despedidos os Prefeitos e Sub-Prefeitos e Comissários
de Polícia, pois têm aquebrantado tôdas as Leis do Brasil,
e têm sofrido todo o despotismo a respeito desta Lei; ficando somente
em vigor as Leis Gerais e Provínciais que não forem de encontro
à Constituição do Império.

Art. 4º Que seja já demitido o Presidente da Província, e
entregue o Govêrno ao Vice-Presidente.

Que sejam expulsos, os portuguêses dos empregos políticos, e despejarem
a Província dentro em quinze dias, com a exceção dos que
juraram a independência e os que casaram com famílias brasileiras
e os velhos de 60 anos para cima; e protestamos não largarmos as armas
das mãos sem primeiro vermos tomadas estas medidas acima exprimidas ao
Govêrno, certificamos que seguramos as vidas dos cidadãos sem ser
debaixo do fogo, e seguramos todos os seus cabedais na tranquilidade do País.
– Maranhão, 1.º de Novembro de 1839.”(SERRA, 1946, 230 e 231.)

“Ilmo. e Exmo. Snr.
Achando-me na qualidades de Comandante em Chefe de tôdas as tropas presentemente
reunidas, e estacionadas nesta vila, e nos diferentes pontos de tôda província,
tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Excia. que achando-nos com as armas
na mão protestamos não largarmos enquanto não forem derrogadas
as Leis Provinciais números 61, de 8 de Junho, e 79, de 29 de Julho do
ano passado de 1838, sendo aquela da criação dos Oficiais das
Guardas Nacionais e esta dos Prefeitos, ficando a primeira em vigor sòmente
pelas Leis Gerais, e a Segunda de nenhum efeito combinando-se em tudo com os
artigos datados em o 1.º de Novembro do mesmo ano de 1838, remetidos a
V. Excia. pelo comandante Pedro José Gitirama, e porque se ache a assembléia
provincial reunida, levar ao conhecimento dela a fim da mesma Decretar sôbre
os objetos expendidos. – Deus Guarde a V. Excia. – Quartel do Comando da fôrça
Armada na vila de São Bernardo, 7 de Maio de 1839 – ilmo. e Exmo. Sr.
Manoel Felisardo de Souza e Melo Presidente do Mrn. – Pedro Alex. Dos Stos.,
Comte.” (SERRA, 1946, 229 e 230.)

Segundo Astolfo Serra, observa-se nestas “pitorescas requisições”
recalques coletivos, pois no presente artigo “há resíduos das
lutas independentistas e azedumes político – partidários”, como
a despedida dos prefeitos, a extinção do despotismo e a expulsão
dos portugueses dos empregos públicos. Para o autor não há
em tal artigo o famigerado espírito de rapinagem, ou seja, “não
foi uma aventura de bandoleiros, mas ao lado dos crimes cometidos houve uma
orientação política bem assinalada”.

No dia 7 de maio de 1839 os Balaios se puseram em marcha com destino a Caxias,
a segunda cidade da província, localizada a 276 km da capital na fronteira
com o Piauí, onde chegaram no dia 24 do dito mês. No mesmo dia
cercaram a cidade, que se encontrava totalmente desguarnecida de trincheiras.
Participaram do cerco os chefes Balaio, Gitirana, o Ruivo, S.J. Teixeira, Mulunguêta
e Silveira.

Mesmo
sem apoio do Governo, os soldados de Caxias resistiram, chegando a vencer Gitirana
e o desalojando de seu ponto; mas a posição foi reconquistada
pelos rebeldes no dia seguinte. Chegaram no dia 27 os reforços rebeldes
liderados por Violete e Cocque, Lívio Castelo Branco, do Piauí,
com 600 homens e Milhome (ou Milone) com 300 ou 400 rebeldes de Pastos-Bons.

Finalmente Caxias cai rendida no dia 1º de julho do mesmo ano, assistindo
à entrada triunfal dos rebeldes, que estabeleceram na rica cidade uma
Junta Provisória, órgão civil administrativo composto por
cidadãos respeitáveis de Caxias, um Conselho Militar, órgão
de comando formado por todos os chefes rebeldes e logo em seguida uma deputação
(diplomática) composta por um sacerdote e vários cidadãos
para as negociações de paz.

“Ilmo. e Exmo. Sr. – O Conselho Militar reunido na cidade de Caxias, e composto
dos comandantes das fôrças do partido Benteví, que conta
seis mil homens bem armados e municiados, tomou por medida salutar e mui conveniente
ao sossêgo da província, mandar perante V. Excia. uma deputação
composta dos Srs. João Fernandes de Morais, Hermenegildo da Costa Nunes,
João da Cruz, Feliciano José Martins, padre Raimundo de Almeida
Sampaio, Brasileiros probos e dignos de tôda a consideração
para apresentar a V. Excia. os desejos e votos do partido Benteví, os
recursos com que conta, e a firme determinação em que se acha
para fazer respeitar as leis, a constituição e o trono augusto
de S. M. o Imperador; e muito confia que V. Excia., convocando imediatamente
a assembléia provincial, haja de adotar as medidas que se propõe,
porque elas são sem dúvida a declaração da vontade
da província. Caxias, 10 de junho de 1839 – Ilmo. e Esmo. Sr. Manoel
Felisardo de Sousa e Melo. Segue-se as assinaturas.”

Além dêste ofício do conselho militar, vejamos o seguinte
discurso da deputação cujo original temos ante os olhos.

“Ilmo. e Exmo. – O partido denominado Benteví, que parecia fraco, nas
que tem adquirido fôrças e muito elementos de resistência
a outro qualquer que o pretenda suplantar, havendo à custa de esforços
e trabalhos conseguido apoderar-se de tornar sua tôda a província
maranhense, respeitando sempre as leis e o trono augusto de S. M. o Imperador,
nos manda em deputação perante V. Excia., a representar a V. Excia.
o estado de engrandecimento em que se acha, e as medidas em que se julga convenientes
ao bem da província, a fim de que V Excia., tomando-as na devida consideração,
as adote para salvar a província das imensidades de males que a ameaçam,
si elas não foram aprovadas. Não há dúvida, Exmo.
Snr., que alguns excessos praticou êste partido no seu comêço;
hoje, porém, que êle acaba de tomar Caxias, onde se municia de
oitenta mil cartuchos embalados, mil armas, peças de artilharia, e mais
de trezentos barris de pólvora, apoiados em mais de seis mil homens apresenta
uma barreira irresistível, e manifesta a vontade da província.
Assim, Snr., o partido Benteví, querendo sustentar os objetos mais caros
aos bons Brasileiros, nos manda perante V. Excia., como muito interessado no
sossêgo da província, haja de lhe dar uma resposta satisfatória,
ou as condições que julgar convenientes, porque a deputação
está autorizada a recebê-las ou modificá-las.”

Vejamos as instruções do conselho militar à deputação.

Art. 1º – O Conselho Militar e tropa reconhece e respeita o govêrno
de S. M. o Imperador, as leis e a constituição do Império.

Art. 2º – O Conselho Militar declara que o povo e a tropa, que se acha
reunido e se conserva com as armas nas mãos, não tem outras vistas
mais que impedir ao Exmo. Snr. presidente da província abrogação
das leis provinciais que criaram as prefeituras, e ofenderam a lei geral sobre
a organização de uma guarda nacional, além dos artigos
seguintes.

Art. 3º – Que o Exmo. Snr. Presidente da Província, reunindo extraordinariamente
a assembléia provincial conceda uma anistia àquelas pessoas que
de qualquer modo se acham comprometidas na presente luta, por quanto ela só
tem por fim lançar por terra aquelas leis, que ameaçam as liberdades
pátrias.

Art. 4º – Pede ao Exmo. Snr. Presidente da Província oitenta contos
de réis em dinheiro, para indenização da tropa, por quanto
a indenização imposta aos habitantes desta cidade (Caxias) que
lhe fizeram a mais decidida oposição, não é suficiente
para cobrir os deficits dos respectivos presos.

Art. 5º – Que os presos do Estado que se achavam em custódia, sendo
processados legalmente, respeitando-se o fôro de cada indivíduo,
conforme a constituição do Império e leis existentes, sejam
obrigados a cumprir suas sentenças, havendo recursos delas na forma do
código do processo.

Art. 6º – Que saiam da província os portuguêses, propriamente
falando, ficando sòmente os adotivos, a quem não será permitido
os empregos públicos, a venda de armas de qualquer natureza, munições
ou quaisquer outros gêneros combustíveis, sob pena de serem tomados
pela fazenda pública, com denúncia ou sem ela, e por inabilitados
de pegar em armas em qualquer ocasião.

Art. 7º – Que dentre as fôrças Bentevís sejam considerados
em seus respectivos postos aquêles oficiais de melhor conduta, e que mereçam
a opinião assim do govêrno como do público, para serem empregados
nos corpos da província.

Art. 8º – Que o conselho militar obriga-se a fazer depor as armas, logo
que estas requisições sejam adotadas pelo Exmo. Snr. Presidente
da Província e Assembléia Provincial, podendo admitir-se aquelas
modificações que a deputação entender fazer, em
cumprimento dos interesses e dignidades do partido Benteví.” (SERRA,
1946, 225 a 228.)

O Conselho Militar era um órgão de comando rebelde, do qual fazia
parte todos os chefes de oposição, bem como líderes políticos
do Partido Bentevi. O teor do ofício do Conselho Militar endereçado
ao Presidente da província, Senhor Manoel Felisardo de Sousa e Melo,
é datado de 10 de julho de 1839, ou seja, nove dias após a tomada
da cidade de Caxias pelas tropas rebeldes. Dentre suas reivindicações
percebe-se que o movimento possuía um caráter localista, pois
não havia contestação por parte dos rebeldes no que diz
respeito à ordem estabelecida em âmbito nacional: em outras palavras,
eles respeitavam as leis e a Constituição do Império.

O partido coloca-se como porta voz do povo e da tropa no que se refere às
suas reivindicações. Percebe-se o uso deste como “massa de manobra”:
esta foi a forma encontrada pelo partido Bentevi de legalizar o movimento, denotando-lhe
um caráter popular embora as reivindicações do povo nunca
tenham sido atendidas. A principal delas é a abolição das
leis provinciais que criaram as prefeituras, bem como “ofenderam a lei geral
sobre a organização de uma Guarda Nacional”.

Tais leis provinciais, números 61 de 08 de junho e 79 de 29 de julho
de 1838, esvaziaram o poder municipal, pois concentraram o poder administrativo
nas dependências das Assembléias Legislativas Provinciais, acarretando
indefinições e rivalidades na esfera do poder local. Não
obstante, o partido Bentevi denuncia a ilegalidade de tais leis, pois “ameaçavam
as liberdades pátrias e traduziam a ineficiência administrativa
e a corrupção da guarda nacional sob liderança do partido
cabano.

Um dos traços mais importantes foi a forte tendência xenófoba
em relação a comunidade lusa que exercia cargos públicos
e monopolizava o comércio maranhense. Essa xenofobia possui traços
sócio – políticos: social quando referente ao comércio
luso que impedia o acesso da camada média brasileira à economia
local. Política quando referentes às pretensões Bentevis
de assumir o mando político provincial, que estava em mãos do
partido Cabano oriundo do partido Restaurador e suas tendências lusitanas.
Daí a reivindicação de cargos públicos para os melhores
oficiais do partido Bentevi.

Parte dos objetivos políticos buscados pelo partido Liberal foram conseguidos
no governo Manoel Felisardo. Pressionado pelo fragor da luta, prometeu-lhe a
revogação da “lei do prefeitos” e dos “guardas nacionais”. Tal
vitória política foi suficiente para que os liberais se desvencilhassem
dos balaios.

Percebe-se o fraco teor ideológico do movimento liberal no interior do
movimento balaio, que se mostrou heterogêneo em suas origens ideológicas.
Consequentemente, essa fragilidade de ausência ideológica corroborou
para o insucesso do movimento.

Lívio Lopes Castelo Branco – foi um dos poucos representantes
autenticamente bentevi engajado ativamente na luta. Natural de Campo Maior,
no Piauí, era filho de uma das famílias mais ilustres do norte,
foi vereador da câmara, promotor e juiz de paz na sua cidade natal.

Além de suas posses e cargos desempenhados, Lívio possuía
ainda um motivo “todo especial” para entrar na Revolta: era inimigo político,
dos mais ferrenhos, do Presidente da Província do Piauí, Visconde
de Parnaíba. A Balaiada mostrava-se assim, uma oportunidade única
para o líder piauiense. Conta-se também que Lívio Castelo
Branco aderiu por estar com a cabeça a prêmio em sua província,
pelo preço de um conto de réis. No entanto, não se sabe
de onde surgiu a acusação.

O piauiense se engajou de livre e espontânea vontade, assim como abandonou
o movimento. Após conceder uma face política ao mesmo, se refugiou
no interior do Ceará e Pernambuco, foi anistiado (como poucos) e chegou
a ganhar cargos políticos, atingindo assim seus objetivos.

Com a tomada de Caxias, o Maranhão e a Corte pareciam acordar de seu
torpor, começando a organizar os reforços: tropas do Pará
foram enviadas, a marinha de guerra comandada pelo futuro almirante Marquês
de Tamandaré aportou em São Luís com uma charrua, uma corveta
e um vapor, e o Piauí enviou seus homens.

O Visconde de Parnaíba organizou grandes reforços para conter
a Balaiada, que nesta altura já avançava sobre o Piauí.
Suas tropas cruzaram o rio Parnaíba para o Maranhão, excursionando
pela província vizinha e atacando finalmente Caxias, a base rebelde,
que foi libertada para em seguida ser tomada novamente pelos balaios.

Nesta segunda tomada de Caxias, Balaio acabou morto pelas mãos de um
francês residente na cidade chamado Isidoro que, após se negar
a entregar dinheiro e fazendas, disparou contra o líder rebelde. Ferido,
Ferreira dos Anjos ordenou a morte do francês e dos seus, resultando em
uma carnificina: um homem (Isidoro), duas mulheres e oito crianças, além
do confisco de todas as duas posses. Balaio morreu saindo de Caxias.

No aniversário de um ano da invasão da Vila de Manga, o presidente
do Maranhão, Manoel Felisardo, foi exonerado do cargo. Assumiu em seu
lugar, como presidente e comandante das Forças na província, o
Coronel Luiz Alves de Lima e Silva (futuro Duque de Caxias, como o chamaremos
a partir de agora).

Começou em 1840 o declínio da Balaiada, que deixou de ter a união
inicial em consequência da luta interna pelo poder. Todos os líderes
rebeldes se consideravam aptos ao cargo supremo em vista de suas façanhas
pessoais.

Duque de Caxias, se aproveitando desta desunião, empreendeu um plano
de guerra eficiente. Após examinar a situação, computou
11 mil rebeldes ou 5% da população maranhense, que segundo Astolfo
Serra, era composta de 217.000 “almas”. A partir destes dados, reuniu uma força
legalista de 8.000 soldados divididos em três colunas, estabeleceu hospitais
em todos os acampamentos, com médicos, cirurgiões e capelães,
melhorou o Hospital Central na capital e agilizou a compra e fornecimento de
mantimentos.

Com as três colunas expedicionárias foram impedidas articulações
entre líderes e, principalmente, entre os balaios e os negros do temido
D. Cosme. Logo se fez notar os efeitos da ofensiva legalista com a reconquista
das comarcas do Brejo e Tutóia, a saída de Lívio Lopes
Castelo Branco, e posteriormente, a tomada da cidade de Caxias, onde foi firmado
o quartel-general das tropas do governo.

No entanto, deve-se o sucesso do novo presidente da província ao seu
comportamento apartidário, que primeiramente estabeleceu a ordem política
para depois restabelecer a paz geral no Maranhão.

As sucessivas vitórias dos soldados de Caxias desarticularam o movimento,
e muitos rebeldes traíram seus companheiros ou foram obrigados a lutar
contra os negros aquilombados em troca da anistia. Várias capitulações
foram tentadas por parte dos balaios, entre eles Raimundo Gomes e Manoel Lucas
de Aguiar, líder da Revolta no Parnaguá, mas todas foram negadas.

Raimundo Gomes ainda tentou nova investida à frente de mil homens, mas
foi vencido. Buscou refúgio entre os rebeldes de D. Cosme, sendo preso
por estes. O vaqueiro, após a fuga do cativeiro negro, investiu, com
um novo bando, contra Rosário e Miritiba. Sem sucesso, acabou preso e
morto por asfixia enquanto era deportado para São Paulo.

D. Cosme ficou como principal líder da Balaiada, lutando até o
fim junto aos seus homens que não tinham nada a perder, pois lutavam
pela própria liberdade. O Líder negro acabou enforcado. Os demais
líderes e respectivos bandos se embrenharam no sertão, dando origem
aos primeiros grupos de cangaceiros e jagunços profissionais.

A Revolta se desfez no mesmo ritmo em que se formou: aos poucos e sem lógica,
cada qual com seu interesse, motivação ou convicção,
traídos por alguns, abandonados por outros, sendo o restante dizimado pela,
agora, corajosa e organizada tropa legalista.

Veja também: Causas
e antecedentes
| As balaiadas | Levante
e repressão
| Conclusão:
As rebeliões regenciais

Fontes:
CARVALHO, Carlota – O Sertão – subsídios para a história
e geografia do Brasil. 1.ª ed. Rio de Janeiro: Emp. Ed. Obras Scient Literarias,
1924.
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. 1.ª ed. 3.º
vol. Rio de Janeiro: IBGE, 1959.
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. 1.ª ed. 15.º
vol. Rio de Janeiro: IBGE, 1959.
HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.) – História Geral da Civilização
Brasileira
. 2.ª ed. Tomo II, 2.º vol. São Paulo: DIFEL,
1969.
JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco – A Balaiada. 2.ª ed. São
Paulo: Brasiliense, 1987.
PRADO JR, Caio. Evolução Política do Brasil: colônia
e império
. 21.ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1999.
SERRA, Astolfo – A Balaiada. 1ª ed. Rio de Janeiro. Biblioteca Militar,
1946.

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