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Antes do baile verde (livro), de Lygia Fagundes Telles

by Lucas Gomes

Antes do baile verde, livro de contos de Lygia Fagundes Telles, publicado em 1970, é uma das obras mais marcantes da carreira da autora. Os contos inseridos nesta coletânea foram escritos entre 1949 e 1969. Nesse sentido, um pensamento inicial pode recair sobre o questionamento de haver ou não evolução qualitativa e conseqüente amadurecimento do autor, resultantes de vinte anos de investida criativa.

Antes de serem publicados, os contos antigos foram revistos pela autora, sofrendo cortes, acréscimos, mudanças de palavras ou de expressões. De acordo com a própria Lygia, entretanto, isso não alterou a fisionomia original de cada trabalho.

A maior parte das narrativas segue um mesmo padrão e os vinte anos que transcorrem entre a confecção do primeiro e do último conto que compõem a coletânea passariam despercebidos, se a data de publicação não constasse expressa no livro.

Os temas são considerados o ponto forte deste trabalho de Lygia, principalmente ao se observar o período em que foi concebido. Adultério, insatisfação conjugal, desmistificação dos papéis familiares – talvez possam ser considerados temas banais, exaustivamente explorados. Entretanto, a autora abordou-os há meio século, época em que a família conjugal é o modelo dominante e que a autoridade máxima na família é conferida ao pai, o chefe da casa, “e garantida pela legislação que incentiva o moralismo tradicional, a ‘procriação’, o trabalho masculino e a dedicação da mulher ao lar”.

As personagens captadas pela câmera da autora representam as famílias urbanas brasileiras de classe média alta, com aparência distinta diante da sociedade, mas com dramas e conflitos comuns a qualquer ser humano, que, na maioria das vezes, tentam esconder dentro dos armários ou debaixo dos tapetes. Dessa maneira, o perfil de uma classe sócio-econômica específica é delineado para exibir temáticas universais, os jogos de poder envolvidos nas relações entre homens e mulheres, os conflitos, os valores morais, os desequilíbrios.

As personagens são construídas simultaneamente com o enredo. Os detalhes são importantes nessa composição – os gestos, a interação estabelecida com as outras personagens, as associações simbólicas empregadas pelo narrador. Praticamente em todos os contos da coletânea as personagens femininas apresentam importância crucial. São elas que assumem atitudes que desafiam as normas do comportamento adequado, ameaçam as regras sociais e reformulam os padrões de conduta, mesmo quando não estão no papel de protagonistas.

A estrutura mais utilizada pela autora para a elaboração dos contos é a do diálogo entre duas personagens. Assim, apesar da força das personagens femininas: a “rainha do lar”, a “tia solteirona”, a “mulher fatal”, a “amante” –, também desfilam diante do leitor outras personagens, como o “marido ideal”, o “homem apoltronado”, o “irmão perfeito”, o “louco”, caracteres familiares, mas que trazem consigo sempre alguma surpresa. Essa galeria de tipos e os duelos que eles travam em busca da satisfação das próprias necessidades chocam-se com as expectativas dos leitores, que observam os padrões morais e sociais dominantes caírem por terra em confronto com a busca da felicidade.

A narrativa de Lygia apresenta grande agilidade. A autora utiliza linguagem clara, concisa, descartando tudo o que poderia ser considerado desnecessário para a ficção. Aparentemente, tem pressa, parece não haver tempo a perder – por isso, dispensa o supérfluo. O emprego dos diálogos, por meio dos quais autor e narrador constroem as personagens, desenvolvem o enredo, transmitem as informações ao leitor, é feito de maneira primorosa e também contribui para a rapidez narrativa de Lygia.

Sempre que possível, mostra os fatos ao invés de contá-los para o leitor, tirando proveito das características determinantes do modo showing de narrar, a imitação verdadeira, a mimese, as falas diretas, o modo dramático, como que propiciando que a história se conte por si mesma. Assim, na maioria dos contos, o leitor tem a sensação que o narrador se esconde e que ele, leitor, é também personagem e observa os fatos acontecerem diante dos próprios olhos.

Existem momentos de ousadia e coragem, principalmente com relação à seleção de temas, mas, na maioria das vezes, Lygia Fagundes Telles pode ser classificada como prudente no ato de escrever. A autora não explora todos os artifícios narrativos que os recursos retóricos da linguagem disponibilizam. Lygia, de certo modo, limita o uso de recursos praticados na “modernidade”, ou seja, aqueles que buscam uma ruptura radical com os moldes tradicionais. Assim, ao que parece, evita experimentações. Ao invés disso, pode-se perceber no modo de narrar traços marcadamente realistas. Em suma, em Antes do Baile Verde, sugere, mas não corre riscos.

Aparentemente, pela maneira como Lygia Fagundes Telles utiliza os recursos técnicos para compor os contos – a autora preocupa-se em obter verossimilhança. E isso é conseguido, principalmente, pela forma como institui o narrador em cada história. A escolha do tipo de narrador é o fator principal na determinação de como a história será contada. É por meio da posição do narrador, ou seja, do foco narrativo adotado, que o autor fará com que o leitor veja a história. Além de outras conseqüências que advirão dessa escolha, também conseguirá ou não a obtenção de verossimilhança na obra. Lygia tem habilidade suficiente para proporcionar ao leitor a visualização da trama e, ainda, para fazê-lo acreditar nos fatos narrados.

São 20 histórias que evocam um clima de desencanto e dissipação.

Na introdução de Antes do baile verde, a autora explora obstinadamente o desencontro das personagens, expõe a face dramática das fraquezas humanas, veda os caminhos da redenção. São trechos levam o leitor a refletir sobre as inquietações do ser humano, colocando-o frente à frente com as aflições do cotidiano, fazendo-o sofrer com o desajuste e o desamor vividos pelas personagens.

São vários os contos da coletânea que tratam de temas que evidenciam o desequilíbrio, a tensão e a insatisfação do homem em suas relações, principalmente as afetivas. A solidão, o egoísmo, a infidelidade, a insatisfação no casamento, são abordados nos contos de Lygia Fagundes Telles, em situações extremamente comuns, que proporcionam certa intimidade entre personagens e leitores. Os eventos narradas e os sentimentos descritos são tão conhecidos, a linguagem empregada é tão clara, que a verossimilhança atinge grau máximo nesses contos.

Uma das circunstâncias preferidas por Lygia para a construção de seus contos parece ser a do momento em que os relacionamentos amorosos chegam ao fim. O homem maduro, que substitui a esposa ou companheira – também madura – por uma mulher mais jovem, muitas vezes na tentativa de recuperar a própria juventude perdida, está presente em “A Ceia”, “A Chave” e “Um Chá Bem Forte e Três Xícaras”.

Em Antes do baile verde, Lygia Fagundes Telles aborda o inexplicável em três contos: “Venha Ver o Pôr do Sol”, “A Caçada” e “Natal na Barca”.

Do ponto de vista temático, apesar das intertextualidades apresentadas, nessas três narrativas citadas (“Venha Ver o Pôr do Sol”, “A Caçada” e “Natal na Barca”), Lygia consegue ser mais original do que no resto da coletânea.

Aventura-se a sair do cenário urbano, com a típica família brasileira burguesa dos anos setenta, com seus conflitos a girar em torno da traição e/ou do fim de uma relação amorosa.

Estruturalmente, apesar de continuar empregando o modelo básico de trechos em focalização externa intercalados com diálogos travados entre as personagens, o narrador alcança êxito com as estratégias empregadas. O narrador fornece as informações aos poucos, criando um clima de suspense e, conseqüentemente, prendendo a atenção do leitor.

Seja em uma situação possível de acontecer, como em “Venha Ver o Pôr do Sol”, ou em acontecimentos surrealistas, como em “A Caçada”, o importante é que o clima de mistério é estabelecido e mantido pelo narrador, até o final.

Em estilo afiadíssimo, ela povoa suas histórias com personagens oprimidos. Freqüentemente volúveis, às vezes criminosos. Nada se explica: alguns objetos ou detalhes são suficientes para marcar o clima. Pode ser uma penteadeira em desordem ou um fio de pérolas enrodilhado num bolso e as personagens começam a se questionar, raivosas, enlouquecidas de ciúmes. Algumas possibilidades surgem ameaçadoras, improváveis. E terrivelmente perturbadoras. Assim, junto com a leveza de cetins e purpurina, surge uma morte. E há a nudez de madame e seu camareiro chinês. Tiros, lutos, casamentos tardios.

Estão presentes no livro algumas histórias emblemáticas como “O jardim selvagem” e “Meia-noite em ponto em Xangai”.

Uma jovem se prepara para ir a um baile carnavalesco onde as fantasias devem ser todas verdes. Enquanto ela se maquia para o baile, colocando lantejoulas no saiote verde que cobre o biquíni, seu pai agoniza no quarto ao lado. Esse ambiente teatral e angustiante do conto “Antes do baile verde” dá a tônica do livro homônimo.

Narrativas turbulentas, de diálogos cuidadosamente esculpidos e marcadas por finais em aberto, como no conto “Natal na barca”, em que uma mulher atravessa o rio com o filho no colo, sem que o leitor saiba se a criança está mesmo viva. Os finais das histórias de Lygia provocam o imaginário do leitor. Há sempre uma cartada, uma surpresa, um susto.

A autora demonstra uma coragem singular para trabalhar pontos mais delicados da condição humana através de personagens cínicos, amargos e, principalmente, cruéis como no clássico conto “Apenas um saxofone”, onde uma mulher pede ao amante que se mate como prova de amor.

Nas páginas de Antes do baile verde, a autora propõe ao leitor participar ativamente, perseguir os rastros, preencher as lacunas, desvendar os segredos dos interstícios do texto. “É como se viessem à tona os eflúvios de uma matéria em combustão lá no fundo, e sutilmente fossem nos penetrando” (Coelho, 1993, p. 245). Pelo uso técnico da elipse e da sugestão, Lygia convida o leitor para um mergulho em sua ficção, do qual, supostamente, sairá modificado.

Leia, na íntegra, o conto “O moço do saxofone”, publicado na obra Antes do baile verde.

Vejamos a seguir, comentários de alguns contos inseridos nesta obra.

Conto ANTES DO BAILE VERDE

Nesta história, uma jovem se prepara animada para o grande baile a fantasia de sua cidade, em que todos devem comparecer vestidos com roupas verdes. No quarto ao lado, seu pai doente agoniza em seus últimos minutos de vida. A jovem, movida pela vontade egoísta de se divertir num simples baile ao invés de assumir a responsabilidade inconveniente de cuidar do pai, inventa a todo momento as maiores desculpas para si mesma. Leia mais

Conto O MENINO

Com o título escolhido a autora sugere a impressão de que a história versará sobre um tema relacionado à infância. Imagina-se que seja sobre algum evento que aconteceu a esse menino ou sobre algo que tenha realizado.

Apesar do menino ser o protagonista da história, o tema principal do conto não é infantil. Assim, o título do texto pode ser considerado como uma “pista falsa” que a autora utiliza com a intenção de causar surpresa no leitor. Leia mais

Conto O JARDIM SELVAGEM

Em O Jardim Selvagem, de 1965, a personagem que atua como narrador é uma criança, e será sob o seu ponto de vista que o leitor verá os temas adultos – a relação matrimonial, o preconceito, a morte – serem analisados. Leia mais

Conto VERDE LAGARTO AMARELO

Em Verde Lagarto Amarelo, escrito em 1969 e inédito até a publicação de Antes do baile verde, o tema desenvolvido no conto está relacionado à importância da infância e às conseqüências dos dramas infantis na vida de duas personagens adultas. Leia mais

Conto A CEIA

Em A Ceia, de 1958, o leitor é apresentado ao último encontro entre um casal, Alice e Eduardo. A perspectiva empregada nesse conto é a narração de focalização externa. Leia mais

Conto A CHAVE

O conto A Chave, escrito em 1965, volta ao tema da diferença de idade entre os cônjuges. O leitor é colocado em contato com os pensamentos de uma personagem, Tomás, desde as primeiras palavras do conto. A personagem Tomás é também o narrador, e será sob sua perspectiva que a história será contada. Leia mais

Conto UM CHÁ BEM FORTE E TRÊS XÍCARAS

Novamente os temas da traição, dos desencontros no casamento, da velhice versus juventude, são abordados em Um Chá Bem Forte e Três Xícaras, de 1965. Leia mais

Conto EU ERA MUDO E SÓ

Para construir a narrativa em Eu Era Mudo e Só, de 1958, Lygia Fagundes Telles empregou um narrador autodiegético, a personagem Manuel, o marido que se sente oprimido com o casamento. É por meio do olhar de Manuel que o leitor conhece a esposa, Fernanda. Leia mais

Conto AS PÉROLAS

Em As Pérolas, conto de 1958, o pano de fundo para tratar o tema é novamente um diálogo entre marido e mulher. Entretanto, diferentemente dos protagonistas de Eu Era Mudo e Só, as personagens que formam o casal apresentado em As Pérolas, Tomás e Lavínia, se amam. Leia mais

Conto OS OBJETOS

Em Os Objetos, conto escrito em 1969 e inédito até a publicação de Antes do baile verde, a autora mais uma vez apresenta ao leitor uma cena do cotidiano de um casal em desarmonia, Lorena e Miguel, que tiveram um passado feliz mas que, no “presente” (no momento da ação), enfrentam problemas, principalmente pelo desequilíbrio mental de Miguel. São abordados temas como a solidão, a loucura, o fim do amor. Leia mais

Conto VENHA VER O PÔR DO SOL

Em Venha Ver o Pôr do Sol, o narrador é do tipo heterodiegético, quanto à sua relação com a história – ou seja, existe uma voz, ausente da história, que narra os eventos. Leia mais

Conto A CAÇADA

Em A Caçada, de 1965, Lygia Fagundes Telles emprega um narrador extradiegético, com relação ao nível narrativo, e heterodiegético, quanto à sua relação com a história, ou seja, a voz que conta está ausente da história. Leia mais

Conto NATAL NA BARCA

Fantasia e realidade voltam a se encontrar no conto Natal Na Barca, de 1958, narrativa linear que tem como tema a força da fé, a existência de milagres, a vida e a morte. Leia mais

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